A nova coluna do LRN promete!
Assim, apresento-lhes com direito a todos os comentários e questionamentos pelo site e no Instagram:
“Que Deus?”
Você acorda em mais um domingo e, enquanto toma o primeiro café do dia, volta à questão que não sai da sua mente: “Que Deus?”. Aparentemente simples, ela parece ganhar camadas a cada dia. Ainda sem uma resposta clara, você lembra de uma conversa que teve na semana, onde alguém dizia que, para entender o sentido da vida, bastava olhar para a ciência. “A ciência nos explica tudo”, afirmou a pessoa com segurança.
Ao refletir sobre isso, você até concorda que a ciência trouxe descobertas espetaculares. Pense só em como ela revelou a estrutura do átomo, o funcionamento do universo e até permitiu que enviássemos sondas para planetas distantes. No entanto, quando o café termina e o silêncio do domingo te envolve, uma dúvida surge. Será que a ciência realmente pode responder ao sentido da vida?
A ciência se debruça sobre o “como”. Como funcionam os átomos, como nascem as estrelas, como se desenvolve a vida. Mas o “porquê” — por que existimos, por que o universo é organizado, por que há uma busca por algo além — esses ficam de fora do laboratório. É como se a ciência estivesse em um barco navegando pelos rios e mares, mas sem jamais tocar a terra firme onde o sentido repousa.
Enquanto lava a xícara na pia, percebe que essa limitação não é um defeito da ciência. Na verdade, ela é uma característica da ciência por definição. Cientistas investigam o mundo material, o universo físico — tudo o que se pode ver, tocar e medir. A ciência é uma ferramenta poderosa para esse mundo visível. No entanto, como já argumentou o físico e filósofo Karl Popper, “a ciência não é uma revelação; é um instrumento que nós, seres humanos, inventamos para resolver nossos problemas”. Ele defendia que a ciência é um método de tentar resolver problemas, mas que sua natureza é restritiva em relação ao imaterial, ao metafísico.
Essa ideia é ecoada em outras vozes da filosofia. O próprio Albert Einstein reconhecia essa limitação, afirmando: “A ciência sem religião é manca, a religião sem ciência é cega.” Ele entendia que a ciência, apesar de sua capacidade de gerar conhecimento sobre o mundo material, ainda carece de uma visão completa da realidade, pois se limita àquilo que pode observar diretamente. Ou seja, a ciência pode descrever o “como”, mas para o “porquê” da nossa existência — para o sentido de tudo — é preciso outra forma de conhecimento.
A tradição filosófica também reforça esse ponto. O filósofo Immanuel Kant, por exemplo, explorou a separação entre o que chamava de “fenômeno” e “noumeno” — o que é acessível aos nossos sentidos e ao nosso entendimento científico, e aquilo que está além de nossa compreensão direta. Para Kant, o campo da ciência se limita ao fenômeno, ao mundo observável e mensurável. A realidade em si, ou o “noumeno”, é algo que escapa à investigação científica direta e aponta para a necessidade de um conhecimento diferente, um conhecimento que transcende as ferramentas da ciência.
A busca pelo sentido da vida nos conduz também ao pensamento de Platão, que via a realidade material como apenas uma sombra da verdadeira realidade: o mundo das ideias. Em sua alegoria da caverna, Platão nos faz perceber que os fenômenos visíveis são apenas reflexos de uma verdade maior, que não se vê diretamente. Para ele, o verdadeiro conhecimento vai além do que os olhos podem ver; exige uma ascensão do espírito, uma busca pelo bem supremo e pela verdade. Essa visão platônica nos lembra que, para entender o “porquê” de nossa existência, precisamos olhar além do tangível e vislumbrar uma ordem superior, que dá sentido a tudo o que vemos.
Esse ponto de vista foi elevado por Santo Tomás de Aquino, que harmonizou o pensamento filosófico clássico com a teologia cristã. Para ele, a razão humana, embora poderosa, só pode chegar a um certo ponto ao buscar respostas sobre o sentido da vida. A fé, então, entra como complemento, revelando aquilo que a razão, por si só, não consegue alcançar. Segundo Santo Tomás, existe um desejo natural em todo ser humano de buscar a verdade e o bem, e essa busca aponta inevitavelmente para Deus, que é a causa primeira e o fim último de tudo. A ciência e a razão são essenciais, mas o sentido último de nossa existência — o “porquê” profundo de tudo o que é — reside em Deus, que é a verdade absoluta.
Enquanto o domingo avança, você começa a pensar no que torna a filosofia tão especial nessa busca pelo sentido. Filosofia — que, em sua origem, significa “amor à sabedoria” — não lida apenas com o que podemos ver e tocar. Ela se volta para aquilo que não se vê, mas que pode ser intuído, pensado, e até sentido. A busca pela sabedoria não se limita ao entendimento técnico do mundo; é uma busca por algo maior, uma compreensão do todo. E é essa natureza da filosofia que nos permite explorar perguntas sobre o sentido da vida, o bem, a verdade e o belo — elementos essenciais que a ciência, em sua metodologia, não alcança.
Para esclarecer essa distinção, imagine que a ciência é como um mapa detalhado de uma cidade. Ela nos mostra as ruas, as praças, as edificações. Mas o sentido de por que a cidade foi construída, de quem decidiu erguê-la e qual o seu propósito, isso não está no mapa. Esse tipo de questão exige uma visão que ultrapassa os limites do mapa — uma visão que podemos chamar de metafísica, ou mesmo espiritual. E, assim como um mapa sem interpretação nunca explicará por que ele foi desenhado, a ciência, por mais brilhante e necessária que seja, nunca será capaz de responder ao porquê último da nossa existência.
No silêncio da tarde, você recorda mais uma citação de C.S. Lewis, que capturou bem essa limitação: “Se encontramos em nós um desejo que nada neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fomos feitos para outro mundo”. Essa é a dimensão que a ciência, por mais que se aprofunde, nunca poderá alcançar, pois sua vocação é iluminar o físico, e não o metafísico.
E é nesse ponto que o domingo avança, e você percebe que a busca pelo sentido da vida precisa de uma abordagem diferente. Uma que não se limite ao que se vê, mas que também olhe para o invisível. Uma que trate o universo e o nosso próprio ser como um mistério — um mistério que pede para ser desvendado, não somente pela razão, mas também pelo coração.
Você se vira para a outra opção, a filosofia, amar a sabedoria, que lida com realidades metafísicas, sem restrição ao âmbito material, mas de forma racional. Você percebe inclusive que a pergunta “qual o sentido da vida?” é em si mesma filosófica, e que já a estava praticando sem perceber. Decidido, você resolve levar a questão sobre “Que Deus?” de maneira filosófica. Com caneta e papel, você escreve:
O Deus que é o sentido da vida necessariamente é: …
Franklin Ricardo, Católico, esposo, pai de quatro filhos, estudante de artes liberais, filosofia e teologia, apaixonado pela cultura latina e pelos grandes clássicos da cultura ocidental; Ex-ateu, converso pela graça santificante.