Episódios Do Junhão: ‘UNIVERSITÁRIO JUBILADO’

DIA-A-DIA ENTRETENIMENTO INTERNACIONAL MORRO DO CHAPÉU

Com a retomada das atividades em nosso site, continuamos a usufruir da criatividade de amigos (as) que, por meio da sua atividade literária, presenteiam nosso leitores com textos de encher os olhos e fazer a alma viajar.

Assim, os Episódios do Junhão serão revisitados e começamos com a presentação do livro que esta disponível pela Amazon.com.br no endereço https://www.amazon.com.br/Epis%C3%B3dios-Junh%C3%A3o-Joswilton-Jorge-Nunes/dp/B08PQP2SF2 e você confere o novo episódio:

UNIVERSITÁRIO JUBILADO

 

A cada dia a mãe se surpreende quando descobre mais uma maracutaia do filho e, invariavelmente, a confusão está formada dentro do apartamento com discussões acaloradas. Como sempre, após a contenda, tudo termina bem para apenas uma parte. Quem será que irá conseguir vencer a disputa no final deste episódio?

JUNHÃO

Dezenove anos de idade. Acorda e se levanta da cama após o meio-dia. Ainda zonzo, caminha devagar e cambaleante se dirigindo ao banheiro. Está usando uma cueca samba-canção branca, de algodão, com pequenas flores azuis. Para completar o desarranjo, a pança mole está caída sobre o cós do calção. A sua aparência está horrível: descalço, sem camisa, barba por fazer, cabelos desgrenhados e um mau hálito terrível por causa da ingestão de muita bebida alcoólica devido à farra na noite anterior. Ao passar na cozinha reclama com a mãe de modo grosseiro:

– Oh, rapaz!!!… Você não me acordou no horário de ir pra faculdade, por quê?!… Desse jeito eu nunca vou conseguir me formar por sua causa. Você fica negligenciando com a sua obrigação de me despertar no horário matutino todos os dias.

Imperioso, comenta enraivado:

– Acho que você não liga pra mim de propósito; só pra pirraçar. Isso é lá papel de mãe zelosa?

Após deixar Ceiça completamente atônita, vai tomar banho e, quando sai do banheiro, ordena-lhe sem meias palavras com a voz rouca:

– Aproveite agora para me dar o dinheiro das despesas, do transporte e da merenda. Amanhã quero chegar cedo na faculdade, porque preciso recuperar essas aulas perdidas de hoje.

E completa simulando demonstrar angústia:

– Faculdade é fogo! Qualquer bobeira a gente se arromba e perde a unidade…

CEIÇA

Trinta e nove anos de idade. Está junto ao fogão preparando o almoço. Ao ouvi-lo reclamar, imediatamente as suas feições transmudam. Mas, no momento em que ouve o filho pedir dinheiro, ela para de lamber a colher de pau com a qual estava provando o tempero do lombo que está sendo cozinhado e a coloca com rapidez sobre a pia de lavar pratos. A seguir, com rispidez, joga a tampa sobre a panela que está no fogo fazendo zoada devido ao encontro dos alumínios. Está nervosa por causa da insolência do filho e os olhos vermelhos ficam esbugalhados e giram sem controle nas órbitas. O lenço de seda barata não consegue conter a fumaça que evapora da sua cabeça irada e a boca se abre com violência para soltar labaredas a ponto de haver a possibilidade de incendiar quase tudo. Coloca as mãos nas cadeiras e vira-se com impetuosidade para ele e grita com fúria:

– Oh, sua “miséra” inútil!!!… Isso é jeito de falar comigo, seu “fela da puta”?!!!… Você está pensando que é quem “no jogo do bicho”, pra querer “mim” dar bronca?! Eu sou a sua mãe, ouviu, seu peste malparido?!…

JUNHÃO

Perplexo com a reação da mãe ele fica pálido e, de modo manhoso, tenta amenizar o tom da conversa:

– “Peraí” mainha, não eu entendi o motivo do seu estresse. Que nervosismo é esse?!… Você está com algum problema?… Apenas falei que havia perdido o horário de ir para a faculdade, isso porque você não me acordou. Não vi nenhuma razão para me esculachar.

CEIÇA

Continua furiosa. O coração bate tão forte que parece querer escapulir pela boca. A seguir, brada irritada:

– “Tá” pensando que eu sou o que, sujeito?!!!… Que sou babá de marmanjo?!… Eu não tenho estudo, mas não sou burra! Não pense que sou escrava de malandro pra passar a minha vida inteira acordando vagabundo que chega em casa com o dia amanhecendo e com o rabo cheio de cachaça. Olha aí o fedor horroroso do bafo de onça!

A seguir comenta raivosa:

– Que “sujeitinho” folgado!… A gente não pode dar um dedinho que ele quer tomar o braço inteiro. Misericórdia!…

JUNHÃO

Está assustado com o esporro da mãe e tenta acalmá-la. A seguir fala titubeando com a voz mansa:

– Peraí…, minha querida mãezinha!… Apenas falei “de boa”, porque perdi aulas importantes para o meu curso de engenharia civil, não precisava armar esse barraco…

CEIÇA

Convicta do que fala, continua demonstrando o seu desgosto:

– Aliás, eu sou mesmo uma “indiota”! Isso é o que você pensa de mim, seu besta-fera! Já me enganou por muito tempo, mas agora já descobri tudo… Todo esse tempo eu vivi iludida com as suas mentiradas…

JUNHÃO

Fica desconsertado com o que ouve e está receoso devido às palavras ásperas da mãe que soam como ameaça. Pressente que algo de ruim está prestes a lhe acontecer, por isso se finge de inocente e fala com a voz mansa para acalmar a fúria da mãe:

– Não estou entendendo nada da sua conversa…, você pirou?! Descobriu o que?…

CEIÇA

Sentindo que está dominando a situação, resolve partir para o confronto. Acusa-o afirmando:

– Descobri que você é um cara de pau!… Um vigarista de “marca maior”! De uns tempos “pracá” eu fiquei desconfiada das suas atitudes. Descobri que você nunca frequentou faculdade nenhuma! Já estou ciente das suas fraudes.

E continua com os relatos:

– Eu vivo “mim” esborrachando pra lhe dar dinheiro e você, com essa sua cara-lisa, fica “mim” enganando o tempo inteiro dizendo que está fazendo um curso universitário.

Ofegante a ponto de explodir, fala sem rodeios:

– Você estoura nas farras toda a grana que te dou sem ter a menor consideração com os seus pais. Enquanto o Alcebíades trabalha feito um burro de carga e eu fazendo sacrifícios para economizar, você, o reizinho da vigarice, vive na luxúria esbanjando todo o nosso dinheiro nas noitadas com as vagabundas. Isso é certo, seu ordinário?!…

A seguir conclui com fervor religioso:

– Demorou muito tempo para eu saber a verdade, mas Jesus me revelou tudo em sonhos, depois que “mim” ajoelhei e orei bastante pedindo um livramento para você.

JUNHÃO

Sentindo-se acuado, ataca:

– Agora eu saquei que você não descobriu nada com essa conversa mole. É cada uma… Pensa que eu sou um idiota… Vem “pracá” me dizer que fui dedurado por um sujeito que já morreu há mais de dois mil anos!… É muita “nóia” sua!

Mesmo acreditando que a mãe poderá estar blefando, tenta se defender afirmando:

– Não tem mentira nenhuma! Você viu a lista com o resultado do vestibular que eu mostrei. E o meu nome estava lá: Alcebíades do Carmo Fagundes de Brito Júnior!

E assegura com a firmeza de quem acredita estar falando a verdade:

– Não adianta querer me tapear com esse lero-lero, porque você mesma viu que o meu nome estava entre os primeiros colocados!

CEIÇA

Dá uma gargalhada sonora sacudindo todo o corpo. Depois debocha do que ouviu:

– Você nunca passou em merda nenhuma, seu cafajeste, quanto mais em primeiro lugar no vestibular!… Jesus “mim” mostrou tudo em oração. A sua “casa caiu”, malandro!…

Depois de alguns instantes ela completa:

– É isso que você é: um “malandrão” que vive mentindo para me explorar. E eu feito uma besta fiquei dando dinheiro e te acordando todos os dias bem cedo para que você fosse assistir às aulas. Agora, aqui pra nós, diga aonde você ia todas as manhãs, porque à faculdade é que não era. Confesse agora, seu salafrário!

JUNHÃO

Percebendo que o seu engodo fora descoberto, abaixa a cabeça. Fica sisudo por alguns instantes e, logo a seguir, ergue o rosto e encara a mãe. Soberbo, engrossa a voz rouca e contesta a genitora com os olhos fixos nela:

– Você está com “muita onda pro meu lado”. Não deve ficar inventando coisas que não existem. Eu sou universitário sim, senhora! Estou cursando o sexto semestre do curso de engenharia civil! E fale com as suas amiguinhas pra deixar de ficar fazendo fofoca com a minha vida. É cada uma… Por causa delas agora eu tenho que ficar aturando as suas pirações. Só me faltava essa, ser vítima de fuxicos das desocupadas…

CEIÇA

Sentindo-se ofendida por ele estar chamando-a de louca, rebate num tom lamurioso:

– É isso que acontece com uma mãe zelosa “que nem” eu…, mas reconheço que eu sou a culpada, porque criei você com muitos mimos, sempre acreditando em tudo que falava.

Depois relembra o passado e relata:

– É verdade que você me levou na faculdade para ver a lista afixada no mural. Mas na hora de ir, você, na malícia, azoou tanto o meu juízo e “mim” dando muita pressa que esqueci de levar os meus óculos de grau.

Lamentosa, continua relatando o seu infortúnio:

– Chegando lá na universidade, você demonstrando estar muito empolgado, apontou para uma lista dizendo que tinha sido aprovado em primeiro lugar e eu fiquei extasiada de alegria por ter um filho muito inteligente. Porém, por falta dos óculos não consegui enxergar uma letra sequer, porque estava vendo tudo embaçado no papel.

Tristonha, conta como foi que o filho concluiu o engodo:

– Devido à sua euforia dizendo que tinha sido aprovado eu acreditei realmente na sua mentira. Mas, rapidamente você me rebocou pra casa e eu não percebi a sua treita.

E conclui enraivada:

– Universitário…, só se for de merda!!!… Ora, “mim” deixe, viu?!… Você “frojou” tudo, seu mentiroso safado!

JUNHÃO

Torna a engrossar a voz e tenta avocar a razão para si falando com ímpeto:

– Não forjei nada…, porque você mesma foi comigo para me levar na faculdade no primeiro dia de aula!

CEIÇA

Suspira fundo e depois continua a falar:

– Claro!… Fui vítima de mais outra armação sua. Quem poderia imaginar que eu estava criando um estelionatário aqui dentro de casa. Falsificar resultado de concurso é crime, sabia?!

Depois fala com resignação:

– Eu sei que fiz o papel de otária acompanhando o vigarista do meu filho até à faculdade no dia da aula inaugural. Era o meu sonho poder sentar numa sala de aula de uma faculdade, mesmo tendo pouco estudo. Na realidade eu quis ir para poder apreciar o meu filho se destacando como o melhor acadêmico das ciências exatas.

Para por alguns instantes e logo reinicia:

– Mas eu deveria ter desconfiado quando você ordenou que voltasse pra casa antes de chegar ao portão da universidade. Astucioso, alegou que entrando na minha companhia seria vítima de zombaria dos colegas chamando-o de filhinho da mamãe.

Novamente para um pouco e depois continua:

– Agora eu sei qual foi o motivo: naquele momento você não queria que eu descobrisse a sua patifaria. E eu, na inocência, embarquei no ônibus de volta pra casa acreditando, mais uma vez, na sua mentira… Que cabra sem-vergonha!…

E lamenta chorosa:

– Oh, meu Deus!… Com tantas crianças na sacola da cegonha, por que o Senhor mandou entregar em minha casa esse sujeito fraudulento?!

JUNHÃO

Encurralado, tenta reverter a situação, acusando-a:

– Tanto é verdade o que digo é que naquele dia você festejou a minha aprovação no vestibular.

CEIÇA

Após passar alguns segundos de introspecção, chora e lastima:

– Isso foi porque naquele dia eu enlouqueci feito uma besta, quando você disse que havia sido aprovado. Fiquei alucinada de alegria. Para mim era ter um sonho realizado: o filho estudando na faculdade e ainda mais no curso de engenharia civil que era a vontade de seu pai, por ser vendedor de materiais de construção.

Demonstrando sofrimento comenta:

– Sem saber que você estava mentindo acerca do resultado, quando cheguei aqui no apartamento eu pulei e gritei de alegria igual a uma doida. Na mesma hora peguei uma tesoura e tosei o seu cabelo à grosso modo. “Rapei” a sua cabeça porque acreditava que você havia passado no vestibular e que era um estudante universitário de verdade.

Depois comenta sobre o arrependimento que tem por ter tomado decisões erradas:

– A seguir telefonei para todos os familiares e amigas glorificando o seu feito. Que louca que eu fui, meu Deus!

E continua lamentando:

– Agora estou com a “cara no chão” perante todas as pessoas. Devo estar sendo motivo de chacota pelo mundo afora. Qual será a desculpa que vou inventar para tentar encobrir a sua falcatrua?

Com receio de que a verdade venha à tona, fala com a voz desmilinguida:

– Tenho fé em Deus que o meu marido nunca irá descobrir essa malandragem sua, porque, senão, quem vai estar lascada sou eu. Com certeza o seu pai vai “mim” acusar de viver acoitando os seus desvios de conduta.

Depois conclui demonstrando arrependimento:

– O coitado telefona satisfeito todos os dias perguntando se o filhinho está gostando da faculdade. A inocência dele é tão grande que “mim” dá um aperto no coração de remorso.

JUNHÃO

Ainda acreditando estar cheio de razão, aproveita o assunto para reclamar das atitudes que a mãe havia tomado naquela época:

– Não falsifiquei nada, porque as listas que lhe mostrei estavam afixadas no mural da secretaria da faculdade. Além do mais, está vendo aí que você mesma reconhece que é uma doidona?

E ordena com raiva:

– E não venha mais pepinar o meu cabelo deixando a minha cabeça cheia de caminho-de-rato.

A seguir conclui com raiva:

– Naquele dia, devido ao seu alvoroço tresloucado eu fiquei com medo que decepasse as minhas orelhas. A sua maluquice me deu trabalho, porque para consertar o seu malfeito, eu tive que ir ao barbeiro de meu pai, o seu Faninho, para raspar a cabeça e corrigir a sua barbeiragem.

CEIÇA

Volta a chorar baixinho. Depois de instantes em silêncio, levanta a cabeça e diz com ênfase:

– Que decepção, meu Deus!… Que filho ingrato e insensível eu tenho! Na hora que soube da sua falsa vitória no vestibular eu fiquei tão desvairada que liguei para o seu pai dando a ótima notícia. O coitado ficou “sem chão” de tanta alegria. Parou de trabalhar e foi correndo para um bar tomar umas cachaças. Ficou tão sem noção que bebeu além da conta na comemoração. O porre foi tão brabo que a saúde dele piorou com a embriaguez. Por causa da farra o ácido úrico dele aumentou muito e o coitado ficou prostrado na cama sem poder andar durante semanas.

Sentindo-se gloriosa afirma:

– Felizmente ele só melhorou depois que eu falei para mandar serviçais da pousada, onde estava hospedado, fazerem suco de melancia batido com os caroços no liquidificador para que ele tomasse por alguns dias.

E afirma com a sabedoria de quem conhece a medicina natural do interior:

– É um santo remédio para essa doença. Como dizem: “é tiro e queda”!

Depois continua o lamento:

– Ele cometeu o excesso com a bebida porque ficou muito alegre em ter um filho na faculdade… E ainda mais pra ser um “dotô” engenheiro. Para Alcebíades seria a glória e ele não aguentou de tanta satisfação ao ver um sonho realizado.

JUNHÃO

Ao ouvir o relato da mãe, mostra cinismo ao saber do infortúnio do pai e sorri disfarçadamente. Não fica claro se o sarcasmo dele é devido à ressaca do pai ou porque havia conseguido enganar a mãe por tanto tempo. Depois se retira para o quarto deixando a mãe debulhando-se em pranto na sala. Lá, deita-se circunspeto na cama, coloca os braços cruzados por sobre o travesseiro e apoia a cabeça neles. Faz bico com os beiços demonstrando estar com muita raiva. A seguir fica olhando para o teto e, aparentando contrariedade, exclama:

– “Pô”!… Que coroa chata!… É pior do que uma serpente traiçoeira para descobrir as minhas tramas! Agora, por causa dos fuxicos que disseram a ela, eu perdi o dinheiro da merenda e do transporte e, com isso, também perdi o dinheiro extra para as minhas farras… O meu vale-night foi pras cucuias. Que merda!…

Depois instiga a sua mente para tentar saber como foi que a mãe descobriu e frustrou o seu plano que estava dando certo. Após rebuscar muito no seu arquivo mental, fica desanimado por não saber como a mãe conseguiu descobrir as suas artimanhas e desabafa raivoso planejando a sua vingança:

– Mas essa velha tem a “língua solta”; ela não aguenta guardar um segredo por muito tempo. Daqui a uns dias ela “abre o jogo” e confessa quem foi “a” dedo-duro que está me causando esse transtorno.

E continua raciocinando:

– Eu não acredito que forças do além se deem ao trabalho de ficar fiscalizando a minha vida. Ela fala muito em uma tal de pastora visionária da igreja onde ela congrega. Vive elogiando os poderes paranormais da sujeita. Pode ser que essa dita-cuja seja a alcagueta, já que ela falou em revelação…

Ainda rebuscando a mente continua a falar:

– Também imagino que pode ter sido aquela tal de Rosa ou aquela outra amiga dela chamada Ivone, que mora no edifício Jambalaia. As duas são linguarudas e mestras em fofocar sobre a vida dos outros. Ou será que foi a Mari que sempre antipatizou comigo? Pode ter sido também a tal da Cida, a Tereza ou aquela Marina. Até prova em contrário, pra mim todas elas são culpadas de deduragem.

De repente ele acha que teve uma ideia brilhante. Nesse momento faz um semblante de desconfiança, coça a barba e supõe:

– Ou será que a velhota, essa tal de Ceiça, é uma mafiosa chefa de uma rede de informantes? Isso eu ainda vou ter que investigar.

E conclui a sua investigação psicológica:

– Seja quem for a fulana que me delatou eu vou conseguir desatar esse nó cego. A coroa malvada daqui de casa tem o coração mole, quando se trata do seu filhinho querido. Vamos dar tempo ao tempo. Vou desarticular essa gangue que espalha boataria a meu respeito. A sujeita que fez o fuxico vai se haver comigo. Agora vou dormir para acabar com essa angústia.

CEIÇA

No dia seguinte está sentada na cozinha com os cotovelos sobre a mesa e as mãos apoiando a cabeça. Demonstra uma tristeza profunda. Os olhos vermelhos e as olheiras acentuadas demonstram que teve uma noite insone. Estando muito enfezada não quer prosa com ninguém, principalmente com o filho. Também não atende telefonemas das amigas, porque está muito envergonhada.

JUNHÃO

Levanta-se mais cedo do que de costume e se dirige ao banheiro. Ao passar na cozinha vê a mãe abatida. Sem se preocupar com o estado de espírito dela, saúda-a na falsidade demonstrando alegria como se tudo estivesse bem:

– Bom dia, querida mãezinha! Acordou bem sem o estresse de ontem?

CEIÇA

Está apática e nada diz. Apenas levanta a cabeça para olhá-lo com reprovação e para que ele perceba a sua cara emburrada. Depois de alguns segundos em silêncio, faz bico com os beiços, cerra o punho e esmurra a mesa com fúria para demonstrar o seu desgosto por ter sido iludida por tanto tempo. Depois volta a ficar na mesma posição de desânimo imaginando onde foi que errou na criação do filho.

JUNHÃO

Percebendo que a sua situação é periclitante, então resolve mudar de tática e argumenta engrossando a voz:

– “Peraí” rapaz!… O mundo não acabou pra você ficar desse jeito. Não adianta ficar querendo levar tudo “na ponta da faca”. “O que não tem jeito, remediado está”. Você viu que eu me esforcei indo para fazer as provas, mas não consegui responder a todas as questões porque fazia um calor insuportável na sala onde me colocaram para fazer o vestibular.

Sorrindo como se tivesse realizado um grande feito, diz:

– Não aguentei ficar lá nem meia hora por causa da quentura do local, então fui para um bar defronte do colégio onde estava fazendo as provas para beber uma cerveja bem gelada para me refrescar. Quando retornei para continuar a fazer a prova o miserável do porteiro não permitiu a minha entrada.

Resoluto como o senhor da razão, informa à mãe:

– Mas, fique tranquila, porque no meu modo de pensar o estudo não é tudo na vida e o mundo não vai acabar por causa disso. Ainda vou arranjar uma profissão que me dê muito dinheiro sem precisar trabalhar. Agora pare de ficar com essa cara feia de réu sendo condenado e sorria para mim.

CEIÇA

Responde resmungando demonstrando esmorecimento:

– Essa é a única cara que eu tenho.

E volta a ficar em silêncio.

JUNHÃO

Põe-se a pensar e faz conjecturas:

“Se ela realmente tem revelações de entidades divinas que são informantes da minha vida eu vou saber agora”

A seguir dirige-se a ela exigindo:

– Fale com os seus coligados lá de cima, esses que ficam bispando sobre a minha vida, para eles dizerem quais os números da loteria que irão ser sorteados. Aí eu faço o jogo e nós ficamos ricos.

A mãe continua em silêncio. Então ele conclui com raiva:

– Agora eu tenho certeza de que você não tem nenhuma amizade divina. Está vendo aí que esse negócio seu de revelação é conversa-fiada! Eu exijo o nome da fofoqueira, ouviu?!

CEIÇA

Responde com nervosismo demonstrando uma certa inocência:

– Eu não vou dizer o nome da minha amiga que dedurou a sua safadeza. Ela me pediu segredo. Aliás, nem foi ela quem descobriu; foi uma filha dela. Ela ficou tão abismada com a sua má conduta que resolveu “mim” contar tudo sobre a sua sordidez.

Logo após se arrepende do que disse, mas já era tarde. Apenas balbucia: escapuliu…

JUNHÃO

Ao invés de ficar envergonhado ele sorri satisfeito, porque o seu ardil estava dando certo e ela “caiu feito uma patinha”. Ele irá continuar “jogando verde para colher maduro”, porque percebeu que a mãe está perto de “abrir o jogo”. Então engrossa a voz e inquire:

– Diga logo rapaz!… Abra o Jogo!!!… E ande ligeiro antes que eu perca a paciência com você! Eu quero o nome da sujeita que está querendo desarmonizar o nosso lar!

CEIÇA

Mesmo desmilinguida, tenta se mostrar forte e diz:

– Eu não vou dizer de maneira nenhuma o nome da “caboeta”, porque a coitada não teve culpa; foi a filha dela quem descobriu as suas infâmias e informou a ela.

JUNHÃO

Sente que a sua artimanha está dando certo. Mostrando-se autoritário, indaga:

– Fale logo o nome dessa criatura ignóbil, porque eu já estou perdendo a paciência com tanto lenga-lenga seu querendo proteger a sua alcagueta!

CEIÇA

Não aguentando a pressão diz com a voz lânguida:

– “Tá” bom, meu filho, eu conto tudo. Mas tenha calma porque ela não teve culpa; apenas repassou o que ouviu.

JUNHÃO

Fica enervado e contesta com brutalidade:

– Quem decide quem tem “culpa no cartório” sou eu! A você cabe apenas delatar. Deixe de ter o queixo-duro e abra logo o jogo de uma vez! Agora me diga quem foi a bandida, a meliante, antes que eu perca a paciência!

CEIÇA

Está acabrunhada e suplica:

– Eu conto meu filho, mas, primeiro, você fique calmo. O seu pai tem um ditado que diz assim: “conhecei-vos e conservai-vos”. Portanto você vai fazer de conta que não sabe de nada, depois que eu lhe disser quem foi a sujeita excomungada.

JUNHÃO

Está nervoso e exclama exasperado:

– Conte logo, rapaz!!!… Eu não tenho tempo a perder pra ficar aturando o seu “jogo de empurra”!

CEIÇA

Submissa ao filho e temendo a sua ira, diz com a voz enfraquecida:

– Quem “mim” contou foi a Cida. Ela disse que a filha da Rosa, aquela mais nova, descobriu a sua tramóia e fuxicou à filha de Lúcia, que por sua vez narrou à filha de Marina, que falou à filha da Mari, que informou à filha de Cida e a menina expôs tudo à mãe. Então ela resolveu “mim” dizer tudo, por amizade, porque achou um absurdo o que você estava fazendo comigo.

JUNHÃO

Ouve em silêncio com os braços cruzados; apenas balança a cabeça de modo negativo demonstrando indignação. Depois se pronuncia quase rosnando:

– “Tá” vendo aí que você é uma mentirosa! Veio com um papo-furado dizendo tinha tido revelações para esconder a realidade das coisas. Descobri agora que você é realmente a “chefona” dessa máfia da fofocada.

Para um pouco e depois prossegue com o esporro para ameaçar Ceiça:

– Você deveria ter vergonha na cara pra não ficar induzindo adolescentes a entrar na sua rede de fuxico. Você incorreu em diversos crimes: aliciamento e corrupção de menores, formação de bando ou quadrilha e extorsão moral devido aos boatos. Está tudo tipificado no “artigo 171” do código penal, associado ao artigo 157 dos direitos humanos. E o pior dos seus delitos é a alienação parental, artigo 12, já que eu, sendo seu filho, fui envolvido de maneira sórdida nessa teia de mentiras maliciosas.

Imbuído da sua falsa verdade, ameaça a mãe com o dedo em riste:

– Se eu lhe denunciar por esses crimes que cometeu, você vai ser presa na penitenciária de Pedra Preta, na Mata Escura. Não tem advogado que consiga convencer o juiz para aliviar a sua pena de cumprir prisão perpétua. Vai passar o resto da sua vida lá no xadrez. E nem eu e nem o paizão vamos lá para lhe visitar. Você vai morrer sozinha, amargurada na solitária do presídio!

Depois continua a aterrorizar Ceiça:

– A sua vida lá na cadeia vai ser um inferno, porque as suas amigas da quadrilha da fofoca, inclusive as filhas delas, também vão ser presas. Não vai ter escapatória pra ninguém. Lá dentro é terra “onde mãe chora e filho não vê”. Logo as outras detentas que já são internas do sistema carcerário vão ficar sabendo que você dedurou as parceiras e a sua vida não vai ter sossego naquele inferno. Vai tomar uma surra atrás da outra das encarceradas. Ninguém num presídio gosta de velha alcagueta.

Percebendo que Ceiça está aterrorizada depois de tanta ameaça, ele busca a conciliação:

– A única solução pra você se livrar dessa bronca pesada é esquecer toda essa trapalhada que suas amigas induziram você a entrar.

CEIÇA

Está completamente abatida com o que ouviu. Ignorante acerca das leis judiciais ela fica apavorada com o seu futuro sombrio delineado pelo filho e, quase chorando, apenas desculpa-se implorando:

– Juninho, meu filho, pelo amor de Deus não dê queixa da sua mãe. Eu não sabia que estava cometendo tantos crimes. Se fiz algo de errado foi por pura “ingnorância” minha. “Mim” perdoa filhinho… Eu não vou querer mais saber de fofocas sobre você. Não mande “mim” prender porque não vai ter ninguém aqui fora pra zelar do meu filhinho.

A seguir diz o que mais ele queria ouvir:

– Não se preocupe com mais nada porque eu já entendi você e o seu modo de ser. Pode continuar com a sua vida que eu continuarei dando o dinheiro para as suas farras. É um segredo nosso; o seu pai não pode saber nunca de uma “miséra” dessa.

JUNHÃO

Vai satisfeito com o resultado vai para o quarto. Senta-se na cama sorridente e comenta:

– Descobri fácil a rede de intrigas e me safei. Como é bom ter uma mãe abobalhada; ela come tudo quanto é “régui” que invento. É por isso que eu gosto da coroa.

CEIÇA

No dia seguinte acorda com uma alegria incontida por ter conseguido se livrar da prisão. Ainda deitada comenta demonstrando uma grande satisfação:

– Que menino de ouro eu tenho! Ele é muito compreensível e não quis mandar “mim” prender. Por isso hoje eu vou fazer uma dobradinha especial cozinhada com feijão branco, bucho e tripa de boi, charque, bacon, toucinho virgem e linguiça “calabresa”. A comida vai ser temperada com alho, sal, cebola, pimenta do reino, corante de urucum e azeite doce. Também farei um arroz branco, solto, ao alho e óleo. E para completar, farei um “molho lambão” com pimenta malagueta e de cheiro. Com certeza ele vai se esbaldar de tanto comer.

Ainda contente continua o planejamento para agradar o filho:

– E para que ele fique ainda mais satisfeito comigo irei comprar umas cervejas que a minha amiga Edilza “mim” indicou. Ela disse que a bebida é de uma marca muito apreciada e tem um nome sugestivo: Cerveja Artesanal da Chapada, de Morro do Chapéu. Eu até anotei o nome para não esquecer quando for ao mercado.

Desejando o melhor para o Junhão ela diz:

– Quando o meu filhinho acordar vai estar tudo preparado ao gosto dele. O meu menino não resiste a um bom prato feito com carinho. Ele vai lamber os beiços de tão saboroso que o almoço vai ficar regado com essa cerveja. Tenho certeza de que iremos selar a nossa paz.

E conclui com a voz meiga:

– Juninho é a criatura mais doce do mundo…

 

Autor: Joswilton Lima

Resumo da biografia do autor:

 

Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha.

Em determinada época, lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.

Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances também estão sendo escritos.

Concomitante às atividades artísticas, sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos e, por último, se aposentou na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.

Agora tem o prazer de apresentar aos leitores do site www.leoricardonoticias.com.br o seriado de crônicas intituladas Episódios do Junhão, com as quais espera que tenham uma leitura agradável e de reflexão.

 

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