Com a retomada das atividades em nosso site, continuamos a usufruir da criatividade de amigos (as) que, por meio da sua atividade literária, presenteiam nosso leitores com textos de encher os olhos e fazer a alma viajar.
Assim, os Episódios do Junhão serão revisitados e começamos com a presentação do livro que esta disponível pela Amazon.com.br no endereço https://www.amazon.com.br/Epis%C3%B3dios-Junh%C3%A3o-Joswilton-Jorge-Nunes/dp/B08PQP2SF2 e você confere o nosso episódio inicial:
MESADA SOFRIDA
As confusões no apartamento da Pituba não param. Todos os dias a mãe e o filho têm um motivo para discordarem. O pai viajante, mantenedor do lar, não tem conhecimento do que ocorre em sua casa, porque há uma simbiose entre Ceiça e Junhão, que escondem dele tudo o que se passa dentro de casa. As brigas são porque o filho sempre articula alguma coisa que desagrada a mãe, e aí, a confusão está formada.
JUNHÃO
Dezenove anos de idade. Entra no seu quarto de modo furtivo. Antes de fechar a porta coloca a cabeça para o lado de fora e dá uma olhada investigativa para ambos os lados verificando se não está sendo seguido. Depois tranca a porta com a chave e, mesmo assim, confere o aposento em todos os cantos, inclusive debaixo da cama para confirmar se realmente está sozinho. Também verifica se há alguma câmera de filmagem escondida no teto. Ele teme que Ceiça possa estar preparando um flagrante para descobrir o seu segredo. Com cautela e sempre desconfiado, abre uma gaveta no armário e retira um pequeno baú lá do fundo, que está escondido por detrás dos livros guardados. Nele esconde o dinheiro que economiza da mesada que recebe.
A seguir abre a caixa de madeira e conta o dinheiro. Continua olhando assustado para os lados enquanto confere todo o montante. Depois sorri satisfeito com a pequena fortuna amealhada. Ele está fazendo uma poupança porque pretende fazer uma viagem de férias no final do ano para alguma praia no litoral da Bahia.
Provavelmente irá passear em Ilhéus, Maraú ou Itacaré. E, se o dinheiro der, é possível que estique o passeio até Porto Seguro. Ele quer curtir as férias em praias paradisíacas e irá viajar na companhia dos amigos Guto, Fred e Nando. Ele está sonhando com a viagem que será desregrada com muitas farras e certamente irão cometer todos os tipos de desatinos sob o comando dele; afinal eles têm direito a muitos prazeres porque estão de férias. Induzido por Junhão, Guto irá mentir para o pai e tomará emprestado dele um dos carros sob a alegação de que precisa fazer uma viagem de urgência no interior para visitar uma namorada que está adoentada.
Depois de pensar um pouco ele coloca o dinheiro de volta no baú e o guarda no mesmo local, sempre desconfiado e com medo de que a mãe consiga ver o esconderijo. Tranca a gaveta e guarda a chave no bolso. Volta para a sala e diz à mãe:
– Vou agora para a aula e preciso que você me dê dinheiro para o transporte e merenda.
CEIÇA
Trinta e nove anos de idade. Esbugalha os olhos e solta fogo pela boca, enquanto exclama com raiva:
– O quêêê?!!!… E o dinheiro da mesada que te dou, hem?!… Hem?!…
JUNHÃO
Fala demonstrando impaciência:
– Já gastei toda a grana e agora estou sem dinheiro para ir à faculdade. Você pensa que é fácil um estudante viver com uma mesada mixuruca nessa inflação? É bom aumentar o valor, porque senão vou ficar sem poder ir estudar. Depois que eu abandonar o curso não venha “com onda” pro meu lado.
CEIÇA
Está enfezada e com a cabeça fumaçando de indignação. Fica irritada com o pedido para aumentar a mesada. Fala quase gritando:
– “Pobrema” seu!…Não mandei você gastar o dinheiro da sua mesada nas farras com as quengas!
Muito nervosa, afirma:
– Muitos homens sustentam as famílias com muito menos dinheiro do que eu lhe dou. Eu já ando com a “cara no chão” de tanto pedir dinheiro ao seu pai por sua causa.
Mas logo depois, aparentando estar mais calma, comenta:
– Esse menino pensa que eu sou sócia da casa da moeda ou que tenho uma máquina de fazer dinheiro em casa.
A seguir coloca as mãos nas cadeiras e argumenta:
– Quer dizer que a inflação só vai pra você? E pra mim e seu pai, não?!… Eu vejo os aumentos a cada dia quando faço compras no mercado e também quando compro gás de cozinha e, no entanto, não ando reclamando da carestia da vida ao seu pai.
Depois diz um dichote ao filho:
– Aliás, a bem da verdade, o inflacionário daqui de casa é você com essa “gastança” de dinheiro nas farras.
Completa demonstrando irritação:
– Você é um “pilantroso”! Parece que tem a boca de “esmolé”, como dizem de quem vive pedindo esmolas. O seu bocão de pedinte só sabe ficar dizendo: me dá, me dá, me dá… Ora…, eu já estou saturada dessa boca-mole sua de mendigo.
E conclui enraivada:
– É cada um despropósito que eu ouço aqui em casa…
JUNHÃO
Abaixa a cabeça e simula estar tristonho. Calmo, tenta argumentar:
– Mas…
CEIÇA
Continua revoltada com a impertinência do pedido dele. Quando ele inicia a fala, ela o interrompe e diz com raiva:
– Nem, mas, nem menos mais… Aliás, eu não acredito que você tenha gasto toda a grana da mesada. Você deve estar escondendo dinheiro e já deve ter uma fortuna guardada…
JUNHÃO
Responde com rispidez:
– Se eu tivesse dinheiro guardado não estaria pedindo a você… Jamais estaria passando por essa humilhação de ter que ficar ouvindo essa lenga-lenga todos os dias.
Depois ele simula estar mortificado:
– Já não aguento mais esse sofrimento… Você é uma pessoa muito ruim, porque não tem o menor sentimento de empatia. Eu, sou o seu único filho e você nem liga para as minhas necessidades…
CEIÇA
Ao perceber que ele havia perdido a arrogância, muda de semblante e sorri com malícia. A seguir fala com uma calma ameaçadora:
– Eu juro que ainda descubro aonde é o esconderijo da sua dinheirama. Se eu não achar o lugar eu mudo de nome! Aí você vai ver!… Ah, se vai!…
JUNHÃO
Temendo que o seu dinheiro esteja correndo risco de ser achado, fica apavorado. No entanto permanece emudecido com os olhos arregalados demonstrando estar assustado com o que ela prenuncia. Estando muito preocupado, abaixa a cabeça e fica sisudo. Prevê o que poderá acontecer com as suas economias caso Ceiça descubra onde escondeu o dinheiro. Sabe que a mãe é renitente e não irá sossegar de procurar enquanto não achar a sua grana. Devido a essa ameaça dela vai ter que encontrar outro local mais seguro para o seu baú.
CEIÇA
Continua sarcástica e debocha da forma de como gastará o dinheiro da mesada que ele acumula. Fala com uma alegria incontida para pirraçá-lo:
– Quando eu achar o local onde você está escondendo a mesada, se segure rapazinho…, porque vou gastar tudo no salão de beleza fazendo “chapinha”, “escova progressiva” e tudo que é tipo de tratamento para os cabelos.
E ri de modo estrondoso. Para completar diz a seguir:
– Estudo eu não tenho, mas na aritmética eu sou a maioral! Aprendi a fazer contas de tabuada na roça, lá no interior. Pelos meus cálculos esse dinheiro vai dar pra eu ir curtir em cinemas, restaurantes e teatros.
E para azucrinar ainda mais o juízo do filho, diz com otimismo:
– Nada de “buzú” de agora em diante, porque não quero andar em ônibus velhos correndo risco de ser assaltada e tomar “baculejo” de “puliças”. Com a grana na mão só vou querer andar de táxi “pra cima e pra baixo” pela cidade parecendo uma “barôa”!
Depois, com um sorriso silencioso nos lábios finos, fecha os olhos e fica imaginando a boa-vida que terá quando achar o “tesouro” guardado pelo filho.
JUNHÃO
Levanta a cabeça e, mesmo temeroso com a ameaça, aparenta tranquilidade. Dissimulado, fala com a voz mansa:
– Não adianta procurar porque não vai encontrar nada. Eu não tenho um centavo sequer! Vai ser perda de tempo da sua parte essa busca. Se você não tem o que fazer, vá lavar uma trouxa de roupa suja ou então fazer a faxina na casa, ao invés de querer ficar fuçando as coisas dos outros.
CEIÇA
Aparentando “bipolaridade”, volta a esbugalhar os olhos. A cabeça parece que vai estourar de tanta fumaça e fogo que saem por entre os bóbis. Fica brava com a negativa dele e fala incontinênti:
– Mentiroso!!!… Eu não acredito nessa sua conversa mole, porque todo mês eu te dou uma mesada gorda! Se está sem dinheiro é porque você parece o “esmeril da França”, que destrói tudo nas farras nessa vida de bon vivant que leva.
JUNHÃO
De repente fica enervado. Faz bico com os lábios, arregala os olhos fixados na mãe. Depois argumenta com deboche:
– Quem lhe disse que é você quem mim dá a mesada?!… Você não trabalha!…
Muito irado, completa:
– Não fique charlando, porque quem lhe dá o dinheiro para as despesas é meu pai e ele nunca reclamou sobre os meus gastos.
CEIÇA
Sonsa, volta a ficar calma e sorri. Rapidamente se recompõe da acusação e aparenta ficar indignada. Depois sacode as ventas e inspira o ar para estufar o minguado peito. A seguir estica os beiços e replica impondo a sua autoridade:
– Quem lhe disse uma asneira dessa?!… Eu trabalho e muito, sim senhor! Sou a dona da casa!!!… Se não fosse por causa de meu trabalho aqui no apartamento, você estaria passando fome e vivendo dentro de um chiqueiro no meio da imundícia.
E continua falando:
– O Alcebíades não fala nada porque “da missa ele não sabe nem a metade”, porque eu escondo dele todos os seus malfeitos. O coitado é um inocente em relação às suas aleivosias.
JUNHÃO
Fica calado porque está sem alternativa e tenta conter a irritação. Franze os lábios, suspende as sobrancelhas, movimenta os olhos e aperta nervosamente as mãos.
MÃE
Querendo impingir maior poder sobre o filho, afirma de forma ferina:
– Pelo que sei o único desempregado aqui é você, que deveria arranjar um “bico”, uma “viração”, um trabalho informal, ou qualquer coisa que não atrapalhe os estudos, apesar de já estarem indo de mal a pior…
Continua com a queixa:
– Pelo que vejo nos seus procedimentos eu tenho certeza absoluta de que é muito faltoso e que só tira notas baixas.
A seguir pergunta demonstrando malícia:
– E essa sua faculdade não faz provas para testar o conhecimento dos alunos? Porque até hoje eu nunca vi você ficar estudando aqui em casa. Isso desde o dia que você “mim” disse que tinha passado no vestibular e que ia ser “dotô”.
Depois aproveita para se eximir de qualquer culpa acerca da vida libertina do filho e comenta:
– Não sei a quem você puxou. Essa sua gana pra cachaça e falta de disposição para os estudos você deve ter herdado de alguém da família de seu pai… Do meu lado é que não foi!
JUNHÃO
Dá uma gargalhada escancarada debochando da mãe a ponto de constrange-la quando afirma:
– Se eu sou todo errado a culpa é da sua raça de tabaréus, sem estudos, que ficam na roça enchendo a cara com cachaça destilada ao invés de trabalharem.
Depois fica impaciente com tanta conversa-fiada e dá o ultimato:
– Eu preciso ir assistir às aulas… Como é, vai me dar o dinheiro ou não?!… Se não quiser dar, não tem problema, depois não fique se queixando da vida.
MÃE
Percebendo a chantagem com a ameaça dele de não ir frequentar a faculdade, cede. Logo a seguir aparentando estar conformada, resmunga:
– “Tá” bom!… Que jeito?!… Vou dar o dinheiro porque é para os estudos…, mas veja se economiza, ouviu?!…
JUNHÃO
Está em pé no meio da sala com a mochila embaixo do braço e a alça pendurada no ombro. Quando ela vai ligeiro buscar o dinheiro no quarto ele sorri satisfeito. Estando sozinho, olha para o teto, pisca o olho para quem viu a sua maracutaia e, concomitante, coloca o dedo indicador sobre os lábios indicando que o segredo sobre o dinheiro escondido deve ser mantido.
Nesse momento ele percebe que a farra vai continuar por causa da subserviência da mãe.
Autor: Joswilton Lima
Resumo da biografia do autor:
Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha.
Em determinada época, lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.
Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances também estão sendo escritos.
Concomitante às atividades artísticas, sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos e, por último, se aposentou na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.
Agora tem o prazer de apresentar aos leitores do site www.leoricardonoticias.com.br o seriado de crônicas intituladas Episódios do Junhão, com as quais espera que tenham uma leitura agradável e de reflexão.