Episódios do Junhão: ‘MAMÃE E A SOCIEDADE ANÔNIMA’

O escritor Joswilton Lima registrou os seus livros na Biblioteca Nacional do Brasil e está de posse dos Certificados. Para aquisição do livro físico ou digital é só clicar na capa:

Mais um livro do escritor Joswilton Lima, autor dos Episódios do Junhão. Com o título de “O Cigano Violeiro” é um conto fantasioso destinado ao público adulto e juvenil que narra as superstições existentes nas comunidades rurais do interior.

O livro relata a vida simples e feliz dos personagens, mas que é totalmente alterada devido a visita inesperada na região de um indivíduo pernicioso.

A ficção da estória irá deixar os leitores surpreendidos por causa do final fantástico.

As ilustrações também são autor. A capa é uma pintura digital com o mouse, experiência nova que mesmo com toda a dificuldade da adaptação, deu um bom resultado.

As ilustrações internas são fotos de pinturas a óleo, também do autor.

A seguir, Episódios do Junhão I e II. Para adquirir basta clicar na imagem:

 

Joswilton Lima também é autor de ‘Enígmas da Escuridão’ e você também tem acesso ao livro para aquisição, pelo link que está na imagem, basta clicar:

 

Agora que você chegou até aqui, continuamos a usufruir da criatividade de amigos (as) que, por meio da sua atividade literária, presenteiam nosso leitores com textos de encher os olhos e fazer a alma viajar:

 

MAMÃE E A SOCIEDADE ANÔNIMA

 

CEIÇA

Cinquenta e cinco anos de idade. Chega às quinze horas em casa com as compras que fizera em lojas num shopping grã-fino da cidade. Está exausta por causa da caminhada que fez durante o dia e dos ônibus coletivos lotados que teve de embarcar na ida e na volta. Apesar de todo o esforço ela está muito feliz e ansiosa para iniciar o seu empreendimento. Está sorridente e coloca cuidadosamente os inúmeros pacotes em cima da mesa. Estando muito suada, vai imediatamente tomar banho e aproveita para cantarolar músicas antigas para demonstrar o seu bem-estar. O repertório musical dela é da dupla de cantores sertanejos Cascatinha e Inhana.

Está radiante porque após muita labuta por dias seguidos, havia conseguido tomar um grande empréstimo bancário para iniciar o seu negócio de vendedora ambulante de diversos produtos finos. Imagina que se trabalhar com afinco na atividade comercial tem a certeza de que terá sucesso. Está muito esperançosa em melhorar a vida financeira da família, principalmente, porque terá melhores condições para arcar com os custos dispendiosos para continuar criando o seu único filho. Ela fará de tudo para proporcionar uma boa-vida ao seu pimpolho querido.

JUNHÃO

Trinta e cinco anos de idade. Malicioso, ao perceber que a mãe está chegando em casa carregada de sacolas ele rapidamente se deita no sofá e finge dormir. Como é preguiçoso, toma essa atitude porque não quer ajudá-la a carregar os pesados pacotes. Porém, está curioso para saber qual é o conteúdo daquele monte de compras. Com os olhos semicerrados, fica olhando de soslaio para tentar descobrir qual é o conteúdo dos embrulhos. Sendo paciente e dissimulado, fica esperando ouvir o barulho da água caindo do chuveiro. Assim que ouve o ruído no banheiro, levanta-se rápido do sofá e vai sorrateiro bisbilhotar as compras. Após rápida verificação, volta para o sofá por temer um flagrante e continua fingindo que está cochilando. Apesar da sua aparente calma ele está irritado por causa das músicas que a mãe cantarola, as quais julga serem muito cafonas. E fala consigo mesmo:

– Parece que o tempo não passou para essa criatura que vive apegada ao passado com essa cantoria fora de moda…

CEIÇA

Após o banho, troca de roupa e após pentear os cabelos e se perfumar, vai sorridente para a sala. Posuda, senta-se na poltrona e cruza as pernas magricelas. Coloca sobre elas um caderno usado, bastante desgastado, que lhe serve de agenda telefônica. A seguir põe os óculos de grau bem forte e coloca por sobre a nuca uma fina corrente dourada que serve para pendurar a armação sobre o colo, quando não estiver usando as lentes de correção visual. Depois, com calma, ela molha o dedo indicador na língua e começa a folhear as páginas umedecidas com cuspe para selecionar as suas futuras clientes.

A seguir, muito eufórica, inicia os telefonemas para inúmeras amigas. Ninguém escapará ao seu marketing, exceto aquelas sobre as quais ouviu fofocas informando de que eram caloteiras. No primeiro telefonema inicia a conversa alegremente com uma amiga de muito tempo e fala com desenvoltura:

– Pois é, Adalgisa…, agora eu virei “impresára”! Sou sacoleira, pra honra e glória do Senhor, o meu Deus!

De repente a interlocutora diz alguma coisa e ela rebate com veemência:

– Não, menina!!!… Eu não sou “sulanqueira”, porque não vou vender roupas velhas. Estou trabalhando no ramo chique da perfumaria e dos cosméticos.

E informa com entusiasmo:

– Vendo produtos de grife por ótimos preços, somente para pessoas especiais que nem você! Por isso espero que venha aqui no apartamento para comprar e depois recomendar os maravilhosos produtos para as suas amigas.

Ainda querendo atrair a freguesa, adula dizendo:

– Estou precisando de muita força sua nesse sentido. Além do mais, quero ver você muito bonita e cheirosa, mais do que já é!

No intuito de influenciar ainda mais a futura cliente, ela continua com a sua propaganda:

– Tenho produtos excelentes para você que já está chegando na terceira idade. Tem um creme que é uma maravilha! É tão bom que substitui o botox, porque você mesma vai eliminar todas as suas rugas e pés de galinha do rosto, sem necessitar de especialista para aplicar.

Mas a sua intenção em agradar dá errado e Adalgisa responde alguma coisa com raiva. Para corrigir o que foi dito, ela se esmera em pedir desculpas:

– O que?!… Não, amada, não foi isso que eu quis dizer… Jamais iria falar uma maldade dessa com uma amiga igual a você.

Ainda agoniada em desfazer o que foi dito, bajula:

– Quem bem sabe que você não é velha sou. Magina se eu ia dizer uma asneira dessa?!!!…

Para minorar o desconforto provocado por ela e temendo perder a amizade e, principalmente a cliente, ela conclui com chave de ouro:

– Apenas sugeri para você se prevenir, porque todas nós temos que cuidar da nossa aparência a partir dos trinta anos de idade. Todas as artistas fazem isso, por isso continuam sempre belas e formosas.

Apesar da sua falsidade, as desculpas foram aceitas e ela se despede demonstrando satisfação:

– Estando tudo muito bem entre nós, estou lhe aguardando aqui em casa com muitas amigas suas, minha querida. Quero que seja a minha primeira cliente. Beijinhos!

Após desligar o telefone ela faz um comentário áspero desdenhando da amiga:

– Que sujeita nojenta, misericórdia!… É cada uma que eu vejo… Uma velha coroca daquela, que é tão feia que amarga, querendo se passar por mocinha. Parece que não tem espelho em casa pra se olhar…

Ainda lançando veneno contra a amiga, ela continua rosnando:

– Uma fulana desengonçada daquela, não melhora nem com cirurgia plástica… Ela deve ter feito uma macumba braba pra conseguir se casar com o Dermeval e ter dois filhos.

Depois faz comentário irado:

– Tem gente que não adianta a gente tratar bem. Eu fui tão delicada com ela e a desgraçada teve a coragem de dizer que eu é que tinha a cara chocha e muito enrugada.

E completa:

– Quem não te conhece é que te compra, sujeita!…

Depois da zanga, prossegue com inúmeras ligações telefônicas para outras amigas e conhecidas, sempre muito amável, com uma lábia mais aprimorada e tom convincente.

JUNHÃO

Continua em silêncio deitado no sofá, na “espinha mole”. Finge dormir para poder escutar todas as conversas da mãe e conhecer todos os produtos que ela está vendendo, assim como, os preços. Por isso fica quieto em seu canto com os olhos entreabertos para espiar toda a movimentação dela. Possivelmente esteja maquinando alguma coisa para tirar proveito. Contudo, o lengalenga da mãe para convencer as futuras clientes está deixando-o irritado.

Na realidade, ele está cansado de ficar na mesma posição por um longo tempo. Além disso, já havia decorado tudo que julgou necessário.

CEIÇA

Após realizar todos os telefonemas previstos, está muito orgulhosa com as vendas que irá tirar a família do embaraço financeiro em que estão vivendo. Os seus rendimentos certamente irão ajudar o marido nas despesas domésticas. Imbuída de fé, exclama louvando:

– Tenho fé em Deus, que o Nosso Senhor Jesus Cristo não irá me desamparar numa hora dessa. Irei vender todos os produtos e darei em dízimos a metade do que ganhar à igreja que congrego para louvor e glória do meu Deus!

JUNHÃO

Ao ouvir a empolgação da mãe afirmando que vai tomar uma decisão desvairada, ele fica contrariado. Acha um disparate que após todos os esforços que ela fez sozinha, planeja entregar de mão beijada a metade dos lucros a pessoas estranhas.

Por isso está revoltado e fica espumando de ódio, porque pressente que “será roubado”. Não admite ter o seu dinheiro subtraído pela mãe, para ser ofertado a um fulano qualquer. Isso faz crescer o seu ódio e, num ímpeto, se levanta raivoso dando um esporro na mãe:

– Ô rapaz!!!… Que merda é essa?!!!… Quando você encarna numa coisa vira paranóia. Estou de boca aberta vendo você, mesmo antes de vender, já quer distribuir dinheiro a rodo a quem não merece.

Desiludido com a pretensão da mãe, queixa-se:

– Enquanto eu, que sou o filho, fico relegado a último plano, sempre na pindaíba.

E argumenta para articular o seu plano maquiavélico:

– Veja só a incoerência dessa sua sandice: você se esquece até mesmo de providenciar os víveres para abastecer a despensa da casa. Vê se pode, uma criatura ser tão desleixada desse jeito?!…

Para avocar a razão para si, reclama:

– Fui lá e vi que está faltando quase tudo nas prateleiras. Desse jeito, amanhã vai faltar rango e eu vou morrer de fome…

Para completar o seu ardil ele lança uma cartada infalível com a voz branda:

– É por isso que todo mundo está dizendo que eu estou ficando muito magro.

De repente engrossa a voz rouca e, furioso, ordena com império:

– Vá logo ao supermercado para fazer as compras, agora!!!… E ligeiro, antes que eu perca a paciência!

CEIÇA

Imediatamente obedece, mas fica revoltada com a indolência do filho em não querer lhe acompanhar para ir ao mercado. Subserviente, vai sozinha porque não quer ver o filhinho passando por privação alimentar sem que tome alguma atitude. Apesar da raiva, está muito preocupada com a queixa dele dizendo que está emagrecendo. Mas, antes de sair, retruca zangada:

– Ao invés de você se preocupar só com o “de comer”, deveria arranjar um trabalho para cooperar financeiramente com as despesas da casa.

Ainda chateada, comenta:

– O seu pai, apesar de estar ficando velho, vive viajando a trabalho pelo sertão como um desvalido e não se queixa da vida.

Depois sugere:

– E olhe que ele começou a trabalhar novinho, aos dezoito anos! Você deveria tomar vergonha na cara e se espelhar no exemplo dele para ter uma vida digna!

Muito revoltada, recomenda:

– Arranje alguma coisa pra vender, que nem ele! Aprenda a se virar, porque você já ultrapassou da idade de começar a trabalhar, malandro!

A seguir sai de casa enraivada e com pressa.

JUNHÃO

Não dá importância à reprimenda da mãe, contudo ficou fixado em sua mente o conselho para que arranje alguma coisa para vender. Assim que a mãe sai, ele abre os pacotes que estão sobre a mesa a fim de examinar todos os produtos com calma. Satisfeito com a qualidade das mercadorias, comenta com algazarra:

– “Eithaa”!!!… Eu vou “lavar a jega” nas minhas vendagens! Aqui tem um monte de perfumes “massa”!

De repente ele tem um estalo mental e diz com arrebatamento:

– “Peraí”!… Primeiro vou presentear a Janete, que é a minha “ficante” preferida e está precisando de bons perfumes e maquiagens!…

A seguir complementa:

– Com os presentes que vou dar a ela, a minha média vai lá pra cima!… A Janete vai saber que estou afim dela e aí vai ser só love. Essa mulatinha ainda vai ser a minha “oficial”.

Após escolher e embalar os produtos para presentear a sua amada, separa o restante que irá vender. Tem certeza de que a mãe ao chegar não irá perceber nenhuma falta, por julgá-la ser uma abobalhada.

CEIÇA

Enquanto ela está despreocupada no supermercado fazendo as compras, em sua casa o meliante doméstico saqueia as suas mercadorias. Para azar dela, depois das compras, a fila do caixa está imensa e vai ter de aguardar por muito tempo. Enquanto espera para ser atendida, pensa com ternura:

“Eu faço ‘de um tudo’ para que meu filhinho não passe por nenhuma necessidade. Enquanto eu tiver vida e saúde vou lutar sempre para proteger ele. Jamais quero ser acusada de ser uma mãe negligente na criação do filho. Ele vai ter tudo do bom e do melhor, porque vou enricar nesse ramo de vendas que é uma mina de ouro”

JUNHÃO

Enquanto a mãe faz planos para beneficiá-lo, ele, contraditoriamente, articula outros planos para ficar abonado sozinho. Acreditando ser um filho muito obediente, resolve seguir o conselho da sua genitora para ser um vendedor. Então aproveita a demora dela no supermercado para telefonar aos amigos oferecendo os produtos que não são da sua propriedade. A cada um deles fala demonstrando entusiasmo:

– Jabes, é um “negócio da china”, “meu rei”!… Estou vendendo perfumes importados, maquiagens e cosméticos, tudo de grifes famosas. É o melhor presente para você dar às suas gatas. E é uma pechincha!  Estou vendendo tudo por apenas dez por cento do preço de custo!

Senhor de si, continua induzindo o freguês a adquirir os produtos afanados:

– É uma verdadeira liquidação a preços nunca vistos! Uma promoção de arrombar que estou fazendo! Avise à galera que tenho urgência, porque o estoque é limitado. Não vai dar pra quem quiser. Faça os pedidos agora porque o serviço é “delivery” ultra rápido.

O amigo pergunta alguma coisa e ele esclarece:

– Não, velho! Fique tranquilo!… A megera da Ceiça não está pelo meio do negócio. O comércio é meu sozinho e garanto pela qualidade.

Dirimindo qualquer dúvida, diz:

– Para ela não ficar embaçando as minhas vendas, mandei a bruxa velha no mercado para fazer umas compras, por isso tenho pressa em vender tudo, antes que ela volte.

Entusiasmado, continua a informar:

– Quem vai entregar o bagulho é o gago mototáxi, aquele coligado nosso. É só me dar o endereço de onde você está que ele faz a entrega “de boa”.

Prevenido, recomenda:

– Não pague nada a ele, porque não confio em ninguém. Quero receber o dinheiro na ruma, hoje à noite lá no bar do gordo.

Com as dúvidas esclarecidas ele começa a receber os pedidos:

– Certo mano…, já decorei: são quatro perfumes masculinos; três femininos; duas caixas de maquiagem e um desodorante spray. Vou embrulhar tudo e mandar entregar agora.

E assim ele prossegue com os telefonemas usando a mesma tática.

CEIÇA

Enquanto o filho está dando desfalque nas suas mercadorias, ela ainda está numa fila enorme no caixa do supermercado. Mas, apesar da extenuante demora em ser atendida, está contente aproveitando o tempo disponível para distribuir cartões de contato aos outros fregueses. A todos, faz a publicidade dos produtos maravilhosos que irá vender.

JUNHÃO

Está em plena atividade com as vendas indo a todo vapor. Após os inúmeros telefonemas e receber os pedidos de compra, rapidamente empacota a mercadoria que foi encomendada. Em todos os embrulhos coloca uma etiqueta com o nome do comprador e o endereço indicado. Quando termina a jornada, manda o mototaxista Gago entregar os produtos aos fregueses.

Quando conclui o exaustivo serviço, nota que os pacotes de Ceiça ficaram quase vazios. Nesse momento ele fica aflito, porque mesmo sabendo que a mãe é aluada, sabe que ela irá perceber o rombo nas mercadorias. Mas logo tem uma ideia brilhante e exclama entusiasmado:

– Já sei!… Pra tudo tem um jeito!

A seguir preenche as sacolas com rolos de papel higiênico para tapeá-la. Depois deita-se no sofá para descansar estando satisfeito com os lucros que auferiu com as suas vendas. E comenta sorridente:

– Agora quero ver se aquela besta velha vai distribuir o “meu dinheiro” por aí!

E complementa demonstrando revolta:

– Já pensou…, veja se eu não estou certo?!… Sendo o filho e ficar vendo aquela cabeça de vento afirmar que vai tirar de mim para distribuir com os outros. É muita onda!… Por isso eu já peguei o que é meu por direito.

CEIÇA

Após muito tempo, depois de nove horas da noite, ela chega muito cansada carregando as compras do supermercado. Ao ver o filho dormindo no sofá não demonstra surpresa, apenas comenta:

– Esse bicho preguiça só serve pra comer e dormir. Ah, menino imprestável!… Estou pra ver uma criatura molenga igual à essa.

No entanto, apesar dos pesares, está contente porque manteve muitos contatos com futuras clientes que encontrou durante as compras no mercado e está eufórica. Enquanto prepara o jantar, exclama eufórica:

– Dessa vez eu tiro o pé da lama! A minha “impreza” informal é um sucesso! Hoje arranjei muitas freguesas. Vou ficar rica! Talvez milionária… Até que enfim o meu marido não vai mais precisar viajar para trabalhar.

Muito empolgada, comenta:

– Isso graças ao meu bom Deus! Já está na hora do coitado se aposentar. De agora em diante as despesas da casa serão por minha conta.

Embora esteja entusiasmada, reclama revoltada:

– Quando ele se aposentar não vai precisar da grana mixuruca que vai receber do “éni-pê-éssi”, que não dá nem para comprar os remédios da velhice.

E complementa o raciocínio demonstrando mágoa:

– O governo é canguinho e sem consideração com quem trabalhou por muitos anos e contribuiu para eles a vida inteira. Ainda bem que no meu negócio vou ter bastante dinheiro pra ajudar o meu velhinho, graças ao meu bom Deus!

JUNHÃO

Finge acordar e levanta-se tranquilo como se tudo estivesse transcorrido normalmente dentro da residência durante o período em que a mãe esteve fora. Embora não demonstre, está muito satisfeito com o resultado das suas vendas. Depois do banho se arruma para ir farrear durante a noite e, após se esbaldar no lauto jantar, pretende sair rápido para fazer as cobranças dos produtos que vendeu.

CEIÇA

Está ansiosa para dar continuidade ao seu trabalho e senta-se à mesa da sala para colocar os preços nas mercadorias que irá vender. Está muito contente e cantarola. Porém, quando ela abre a primeira sacola que trouxera, toma um susto enorme e esbugalha os olhos. Na mesma hora grita horrorizada:

– Mas que diabo é isso?!!!… Que zorra é essa?!!!…

Ao verificar que foi roubada, imediatamente apalpa as outras sacolas; na hora percebe que todos os pacotes que trouxera estão cheios de papel higiênico. A seguir se levanta assustada, faz um grande bico com os beiços e coça o queixo com a ponta do dedo indicador, enquanto raciocina quem teria sido o larápio que afanou as suas mercadorias. Desgostosa e desolada com o fato de ver os seus sonhos frustrados, fita o olhar vago nos poucos produtos que restaram. Logo a cabeça começa a “fumaçar” de raiva e ela grita estrondando o apartamento:

– Misericórdia!!!… O sangue de Cristo tem poder! Alcebíades Júnior, venha cá ligeiro, sua “miséra”!…

JUNHÃO

Já ia saindo, mas ao ouvir o berro desvairado, aproxima-se ronceiro da mesa onde estão as sacolas. Manhoso, aparenta estar assustado com a convocação estridente e finge estar curioso para saber a razão da histeria da mãe. Indiferente ao sofrimento dela, resolve reclamar de forma grosseira com a voz rouca:

– Que estresse é esse coroa?!… Não é possível que você não consegue ser uma pessoa civilizada! Pra que essa gritaria toda? Você está armando esse barraco por quê? Eu não sou surdo, ouviu?!…

CEIÇA

Mesmo sabendo dos fortes indícios que incriminam o filho, demonstra ingenuidade e faz uma pergunta com a voz branda:

– Júnior, hoje à tarde, quando eu estava fora, alguém entrou aqui em casa?!…

Tentando eximir o filho de qualquer culpa, ela pergunta com raiva:

– Se você abriu a porta pra algum de seus amigos, diga logo o nome do maloqueiro que vou mandar a polícia prender o marginal para recuperar os meus produtos.

Ao vê-lo permanecer calado e de cabeça baixa, ela tem a certeza de quem foi o autor do furto. Imediatamente corre até o quarto dele a fim de recuperar as suas compras.

Após pelejar muito fazendo uma rigorosa busca infrutífera dentro dos armários, no guarda-roupa, em baixo da cama; enfim, em todos os cantos do cômodo. Como nada foi encontrado, fica desiludida e volta para a sala. Muito nervosa, indaga:

– Alcebíades Júnior, cadê o meu ganha-pão?! Os produtos não “tem perna”, pra sumirem daqui sozinhos! Dê conta da minha “guia” agora, vagabundo!!!

Mas logo lamenta de modo complacente:

– Só não chamo os “poliças” pra te prender é porque você é do meu sangue.

Depois pergunta quase implorando:

– Diga logo onde foi que você escondeu as minhas mercadorias!…

JUNHÃO

Aparentando desconhecer o fato, responde de modo debochado:

– Sei lá, velho!… Não vi nem a hora que você botou essa bagulhada aí na mesa, porque eu estava dormindo no sofá… Tenho certeza que você me viu dormindo ou é cega?!

Ainda se fazendo de desentendido, fala com calma para aparentar que é inocente:

– Você faz um bafafá à toa. As sacolas estão aí cheias do jeito que trouxe. E você na sua doidice fica desconfiada, logo de mim, o seu filho?!… – Ao se expressar, bate forte a mão espalmada no peito para demonstrar que não é culpado.

A seguir faz uma jura para convencê-la:

– Eu juro que quero ver a minha mãe morta, se fiz alguma coisa errada!

Na tentativa de arranjar um álibi, argumenta:

– Você deu um “baculejo” no meu quarto e não encontrou nada de ilícito. Nunca vi uma criatura igual a essa pra gostar tanto de fazer presepada. Sempre faz um bafafá à toa!…

CEIÇA

Ao ouvir tamanho desatino, fica desesperada e grita:

– Sacolas cheias do que, sua “miséra”!!!… Você roubou a mercadoria e encheu os pacotes com rolos de papel higiênico!

Muito zangada, afirma:

– Você é um mentiroso! Precisa passar óleo de peroba nessa cara de pau!

Depois diz irritada:

– É tão cínico que ainda fica jurando, desejando a minha morte, seu “fela da puta”!!!

Agoniada com o desfalque sofrido, ela ameaça:

– Não sei qual foi a mágica que fez para os produtos sumirem, mas eu, dona Ceiça, hei de descobrir aonde a minha mercadoria foi parar.

Aflita, coloca as mãos na cabeça e fica enlouquecida sapateando no meio da sala. Está angustiada e grita lamuriante:

– Oh, meu Deus, o que será de mim?!… Não sei o que vou fazer para pagar o empréstimo que tomei no banco para comprar as mercadorias! Ainda não comecei o comércio e já estou falida!… E você é o grande culpado da minha derrota. – Afirma apontando para o filho.

Chorosa e sem ter a quem recorrer, afirma com desgosto:

– Não sei mais o que fazer com esse menino tinhoso. Nem Jesus na causa!… “Mim” converti ao evangelho pra ver se dava um jeito nele, mas infelizmente não deu resultado.

Revoltada com o fato, coloca a culpa do mau-caratismo do filho em outras pessoas:

– As más companhias botaram esse infeliz a perder. A tal da galera é que ensina o Juninho a viver encachaçado e fazendo trambiques.

JUNHÃO

Ansioso para afastar a suspeita sobre ele, argumenta incisivo:

– Você deveria ter conferido a mercadoria na hora que comprou. Isso acontece porque você vive estressada no mundo da lua, por isso não percebeu a falcatrua da loja.

Ainda buscando se inocentar, diz:

– Ou então, você foi na igreja entregar a metade dos produtos como dízimos e agora quer me culpar.

Sentindo-se ofendido, reclama:

– É justo ficar culpando o filho por causa dos seus desatinos?!

Demonstrando estar enraivado comenta:

– Se você não fosse a minha mãe eu ia lhe processar por calúnia. É crime acusar um inocente sem provas, sabia?

CEIÇA

Ignorando a ironia do filho, retruca:

– Posso ser “ingnorante”, mas não sou burra! Quando comprei eu conferi tudo, “tim-tim por tim-tim”! Depois trouxe as mercadorias da loja e coloquei em cima da mesa.

Depois interroga-o com veemência:

– Os meus produtos sumiram como?!… Hem, satanás?!!!…

Inconsolável, completa lastimosa:

– E agora, onde vou arranjar dinheiro para pagar o banco? Dessa vez nem Jesus me salva!…

A seguir ela vai para o quarto orar e chorar muito, lamentando o seu infortúnio.

JUNHÃO

Sai de fininho e vai sorridente curtir na noitada. Lá se encontra com a galera e faz a cobrança dos perfumes e cosméticos que vendeu. Estando muito alegre e sentindo-se poderoso, certamente irá se divertir nas boates da moda com os bolsos cheios da grana resultante da apropriação indébita. Apesar disso, na sua consciência, ele tem plena certeza de que o dinheiro lhe pertence, ao invés de ter virado dízimo para a igreja. Endinheirado, ele será o rei da “balada”, acompanhado da sua glamourosa Janete.

Durante a farra, Janete tentando ser agradável pergunta pela sogra e ele simplesmente responde de forma seca:

– Sei lá do paradeiro daquela velha “piradona”; não tem quem aguente a “nóia” dela.

Sendo o manda-chuva da farra, resolve encerrar o assunto determinando:

– Agora deixe de prosa ruim e vamos beber, porque amar tá difícil!

Janete olha para ele com a cara de assustada e apenas exclama com a voz lânguida:

– Oxente, vida!… Que conversa chata é essa?!… Você só diz isso, porque está cheio da grana.

Autor: Joswilton Lima

Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha.

Em determinada época, lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.

Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances também estão sendo escritos.

Concomitante às atividades artísticas, sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos e, por último, se aposentou na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.

Agora tem o prazer de apresentar aos leitores do site www.leoricardonoticias.com.br o seriado de crônicas intituladas Episódios do Junhão, com as quais espera que tenham uma leitura agradável e de reflexão.

 

 

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