Com a retomada das atividades em nosso site, continuamos a usufruir da criatividade de amigos (as) que, por meio da sua atividade literária, presenteiam nosso leitores com textos de encher os olhos e fazer a alma viajar.
Assim, os Episódios do Junhão serão revisitados e começamos com a presentação do livro que esta disponível pela Amazon.com.br no endereço https://www.amazon.com.br/Epis%C3%B3dios-Junh%C3%A3o-Joswilton-Jorge-Nunes/dp/B08PQP2SF2 e você confere o nosso episódio inicial:
FORA DAQUI AGREGADO!
A cena que se desenrola continua dentro do apartamento na Pituba, embora com o embate entre mãe e filho em outra situação. Neste episódio o Junhão fica descontrolado ao saber que um primo do interior irá estudar na capital e vai dividir o quarto com ele.
Ceiça perde as estribeiras quando o filho mimado recusa a companhia do primo e aí se estabelece a confusão no apartamento. Quem irá vencer a disputa?
JUNHÃO
Dezoito anos de idade. Acorda e se levanta da cama às onze horas da manhã. Mesmo ainda estando sonolento se dirige ao banheiro a passos lentos por causa da ressaca. Ao passar pela cozinha fica desconfiado porque vê que a mãe está muito contente e cantarolando, fato que ele estranha porque todos os dias ela está enfezada por causa do horário que ele acorda. Esta, ao vê-lo fica sorridente e lhe diz uma excelente novidade: o sobrinho, filho da irmã, virá do interior para estudar na capital e irá morar com eles. Na mesma hora Junhão fica enfezado demonstrando claramente de que não gostou da notícia. Revoltado, ele fica exaltado e reclama com a mãe:
– Pô, velha!… Ainda bem não acordo e você já vem com uma conversa ruim dessa!… Você não pensa em mim?!!!… Não vê que no meu quarto não tem espaço pra mais ninguém? Eu não tenho nada a ver com nenhum primo pobretão que vem da roça para estudar. Ele que se lasque lá pra adiante!
Espumando de raiva ele continua falando:
– Além do mais, não vou desalojar do meu quarto a minha prancha de surf, o meu aparelho de som com o rack, o meu skate, os meus patins, o meu armário de CDs, a minha guitarra e o meu computador só para hospedar um tabaréu retardado porque é parente seu.
Ainda enraivado exclama:
– E também nem pense em me botar pra dormir em beliche, porque não é a minha cara dormir em poleiro!
E diz sugerindo, a fim de convencer a mãe:
– Mande esse sujeito ir morar na casa de estudantes do interior que é mantida pela prefeitura da cidade dele. Nesses locais é onde ficam alojados os estudantes que não têm condições financeiras.
Depois argumenta:
– Eu não quero ninguém dividindo o quarto comigo pra tirar a minha privacidade. Lembre-se de que sou seu único filho, entendeu bem?!… Não queira bagunçar a minha vida, porque senão, o “bicho vai pegar” aqui em casa. Você vai ver!… – Afirma num tom ameaçador.
E conclui, querendo acusar a mãe:
– Você está ficando doida do juízo, é?!… Querer botar junto com o seu filho um elemento que você não sabe qual é a procedência?!…
CEIÇA
Trinta e oito anos de idade. Fica exasperada com a contestação do filho e rebate de imediato:
– Eu conheço muito bem a índole do meu sobrinho! Além do mais ele é seu primo carnal! E não é por falta de dinheiro que ele vem pra morar aqui em casa. O pai dele, meu cunhado Genésio, é fazendeiro bem-sucedido e cria muito gado, tem roças com plantios de milho e feijão, por isso tem boas condições financeiras. Em vista da gente, a família dele é rica.
Depois ela completa irritada:
– E não fique “defamando” o menino dizendo que ele é retardado, porque é muito inteligente e aplicado nos estudos. Espero que você siga o exemplo dele para entrar nos “eixos” e sair dessa vida destrambelhada em que vive.
A seguir diz enternecida:
– Graças a Deus a minha irmã Rosário preferiu que ele viesse morar aqui em casa, porque sabe que irei cuidar dele com muito carinho. Pense num menino educado!…
JUNHÃO
Ao ouvir a mãe dizer irá cuidar do sobrinho com desvelo ele fica enciumado e, com a cara amarrada, fala com a voz embargada simulando querer chorar:
– Só porque o cara é seu sobrinho você diz que vai tratá-lo com mimos. Enquanto eu, que sou seu único filho, está me menosprezando. É capaz de me expulsar de casa depois que ele chegar e me botar no olho da rua. Você vai ficar “puxando o saco” dele o tempo todo; vai ser tudo pra ele e nada pra mim. Já estou até antevendo como vai ser a minha vida nesta casa.
A seguir muda o tom da voz e, com trejeitos, amolece a boca e arremeda a mãe falando com a língua solta:
– “Fulaninho” você quer suco? “Fulaninho” venha merendar!… “Fulaninho” “tá” na hora do almoço! “Fulaninho” já tomou banho? “Fulaninho”, eu adoro você!
Depois engrossa a voz e continua com as queixas:
– Vai ser tanto fulaninho-fulaninho-fulaninho que vai terminar eu ficando doido com tanta “babação de ovo”. É melhor mesmo que me bote pra fora de casa, porque eu não vou aguentar ser “colocado no canto” com esse caipira ocupando o meu lugar…
E exclama com raiva:
– Vá à merda, você e o seu “fulaninho”! Não aguento mais nem pensar nessa sua tramoia!
CEIÇA
Faz desdém do bolodório do filho, porque está indignada com o que ouve e diz:
– Deixe de ser melodramático! Ele não é “fulaninho”! O nome do seu primo é Aslépio, filho de Genésio e de Rosário. São meus parentes e gosto muito deles.
A seguir determina alegando:
– Deixa de ser ingrato, sua “miséra”! Nós vamos hospedar o menino de qualquer jeito, você queira ou não! Já se esqueceu que muitas vezes a minha irmã lhe acolheu na casa dela pra passar as festas de São João no interior e nunca reclamou da sua falta de educação? Eu soube de muito malfeito seu quando esteve por lá… Portanto não venha “cantar de galo” no meu terreiro, ouviu bem?
JUNHÃO
Furioso com o que ouve, busca justificativa para a sua inimizade contra o primo se queixando da sua estada na casa da tia:
– Ora!… Lá eu ficava sozinho, porque o songamonga do Aslépio ficava estudando o tempo todo trancado no quarto. Só saia do esconderijo pra comer nas poucas vezes que eu o via. Por isso eu não quero um amalucado desse tipo ficar dividindo o quarto comigo. Deus que me livre e guarde de uma má hora dessa!
CEIÇA
Sente-se glorificada com a informação e vai à forra:
– Ainda bem que você viu que o Aslepinho é um menino estudioso. Ele é o orgulho da família e vai ser um grande “dotô”! O meu sobrinho maravilhoso já está matriculado na faculdade de medicina.
A seguir lamenta:
– Ao contrário de você que só faz farrear e chegar em casa embriagado com o dia amanhecendo. A empregada doméstica de Rosário disse que todos os dias tinha de lavar o lençol e o colchão, porque estavam vomitados, urinados e defecados…
Revoltada com o fato, pergunta enfezada:
– Bote a mão na consciência e “mim” diga se esse procedimento seu era correto?!…
Depois afirma convicta:
– Estou de “saco cheio” dos seus desatinos! E, como se isso tudo isso não bastasse, vem agora demonstrar que não gosta do primo porque ele é estudioso.
Depois completa demonstrando um certo desgosto:
– Mas eu sei muito bem o porquê dessa sua raiva: é inveja. O seu primo é esforçado e você é um preguiçoso inimigo dos estudos.
JUNHÃO
Está enervado com a conversa e vocifera:
– Eu não gosto mesmo dele e pronto!… E daí?! Agora dê o seu jeito! Mas vou lhe dizer o motivo do meu ódio: esse fulano é um cê-dê-éfi! Você sabe qual é a má-fama de quem ostenta essa reputação?! Se não sabe, nem queira saber!…
De repente ele explode de raiva e fala:
– É por isso que eu não gosto de ir lá. A sua irmã, é uma falsa e a empregada sonsa dela, a tal da Detinha, é outra. Elas fizeram essa fofoca inventando um monte de mentiras a meu respeito para lhe induzir a aceitar o Aslépio aqui dizendo que ele é um “santo do pau-oco”. É cada uma injúria que me aparece….
Depois afirma com convicção:
– Eu realmente não sei o motivo delas fofocarem com o meu nome. Se, por ventura, ocorreu algo parecido com o que elas disseram foi por causa do excesso temperos que botavam na comida. Lógico que o exagero desarranjava o meu estômago e por isso não dava tempo de correr para ir ao sanitário. Então, sendo previdente, eu achava melhor fazer num só lugar do que sair correndo para sujar a casa inteira.
E conclui sorrindo:
– Por isso eu fazia tudo na cama.
CEIÇA
Ao ouvir tamanho disparate ela gargalha com deboche e fica se sacudindo toda com as mãos nas cadeiras. Depois lhe dirige a palavra:
– “Quem não te conhece é que te compra” … Nunca vi na vida uma criatura que tudo que faz é errado. Só vai para o lado que o jegue deita. Garanto que você faz essas “merdas” só pra “mim” pirraçar. Eu já ando com a “cara no chão” de tanta vergonha que você me faz passar.
Esperançosa complementa em tom de lamúria:
– Só Jesus na causa. Ele sabe que fiz “de um tudo” pra te dar uma educação esmerada… E fique sabendo que o apartamento é meu e de seu pai. Nós é que decidimos quem vive aqui.
JUNHÃO
Nervoso, aproveita o falatório da mãe para beber um copo de água para ajudar a curar a ressaca da noite anterior. No entanto está espumando com muita raiva.
CEIÇA
Incisiva, ordena a seguir com muita raiva:
– Vá limpar o seu “cafofo” e jogar fora aqueles cacarecos que estão entulhando o quarto. Não é possível que um homem na sua idade ainda vá brincar no parquinho de skate, de patins e puxando carrinhos de plástico no meio das crianças… Também jogue fora o diabo da prancha de surf, porque ocupa muito espaço.
E para deixá-lo ainda mais enraivado diz:
– O meu sobrinho querido é um futuro “dotô” e vai precisar de bastante espaço para poder se dedicar aos estudos. Eu tenho muito orgulho da aplicação dele…
E para frisar e deixa-lo ainda mais irritando informa:
– No lugar da prancha de surf Aslepinho vai colocar um esqueleto humano para se aprimorar ainda mais nos estudos de medicina.
E conclui zangada:
– E quanto a você que não pensa no futuro, o melhor é arranjar um emprego para ajudar nas despesas da casa.
JUNHÃO
Está mais enervado ainda com as imposições dela. Faz uma cara de mau e grita enfurecido:
– Não vou jogar nada do que é meu no lixo! Ainda mais para botar um defunto em meu quarto. Você acha isso justo?!
Depois acusa a mãe:
– Quanto ao meu quarto estar sujo, isso é problema meu. Aliás, o problema é seu que não faz a faxina! Não me venha falar em sujeira, porque a obrigação de fazer a limpeza da casa é sua!
E completa com raiva:
– E tem outra coisa: não vou trabalhar coisa nenhuma porque não quero sustentar o seu “fulaninho”, está ouvindo?!… É cada absurdo que ouço, que parece piada…
CEIÇA
Está com o rosto vermelho a ponto de explodir de raiva com a resistência do filho em aceitar dividir o quarto com o primo. A fumaça sai por entre os bóbis parecendo que a cabeça vai estourar. Estando em pé, se apoia em uma perna, cruza os braços e, com a perna livre, tamborila a ponta do pé no chão. Depois olha para ele com firmeza e sobrancelhas cerradas indicando irritação. A seguir diz raivosa:
– A decisão já está tomada. Quem manda é seu pai e eu; aqui o seu “apito é surdo”! Portanto “se pique”, “pro bicho” não pegar é pro seu lado!… O Aslépio é meu convidado, e pronto!
JUNHÃO
Durante o período de uma semana ele pouco falou com a mãe. O diálogo entre eles era o mínimo possível. Quando está em casa passa o tempo todo trancado no quarto, em isolamento total. Por causa da renitência da mãe em hospedar o primo ele ficou “de mal” dela. Nos poucos momentos em que transita pelo apartamento está sempre cabisbaixo, aparentado estar deprimido. Quase não tem apetite. Está de olheiras, barba crescida e magoado por causa da decisão da mãe.
CEIÇA
Finge não notar o estado de espírito dele. Afinal ela está realizada em hospedar e compartilhar da companhia de um sobrinho gentil, educado e, principalmente, estudioso.
UMA SEMANA DEPOIS
Essa rotina de indiferença entre os dois se sucede por vários dias, porém em certo momento em que Junhão passa para ir ao banheiro, perto do meio-dia, ela diz-lhe com aparente tristeza:
– Ei, rapazinho!… Pra sua alegria o Aslepinho não virá mais pra morar aqui conosco.
JUNHÃO
Ao ouvir isso, imediatamente ele arregala os olhos e esboça um largo sorriso. Incontinente se ajoelha e levanta as mãos para cima exaltando:
– Oh, glória!!!… “Me desculpa mainha” por ter pensado errado sobre a sua pessoa. Eu sabia que tenho a melhor mãezinha do mundo que faria de tudo para me agradar… Bastou eu não querer o sujeito aqui pra você enjeitar ele.
CEIÇA
Intervém de imediato para comentar demonstrando estar emocionada:
– O Aslepinho é um menino de ouro e muito educado. Ele veio aqui para agradecer a minha boa vontade em hospedá-lo e disse que preferia ficar aqui para ter o meu carinho. Mas informou que o pai dele resolveu vender uma parte do gado e comprou um apartamento de alto padrão no bairro chique da Vitória, porque fica perto da universidade aonde irá estudar. Deixou muitas lembranças para você.
Depois esclarece o real motivo da mudança de planos da família de Aslépio. Diz amargurada:
– Deixe de presepada porque não teve nada a ver em agradar você. Aliás, a decisão deles ocorreu justamente por sua causa. A minha irmã e o marido resolveram assim, porque ficaram com medo que você botasse o filho deles a perder com as suas malandragens e cachaçadas, caso ele viesse morar aqui comigo.
E diz lamuriante:
– Que vergonha, meu Deus! Por causa da sua vagabundagem os meus parentes estão “mim” rejeitando. Não sei aonde foi parar o seu juízo.
A seguir comenta demonstrando tristeza:
– Por sua causa eu tive um grande prejuízo financeiro. Com o menino morando aqui, o meu cunhado com certeza viria todos os meses para trazer uma grande feira com produtos do interior. A gente iria se fartar de tanta comida e eu ia economizar muito dinheiro.
Muito sentida, lamenta:
– Eu já estava sonhando em comer carne do sol de dois pelos (carne gorda), abóbora doce de leite, aipim, batata-doce, inhame, manteiga verdadeira, farinha de mandioca e tantas outras delícias do interior.
E fala com raiva:
– “Tá” vendo aí o resultado da sua vida desregrada?!… Você só “mim” traz desgosto.
JUNHÃO
Ao ouvir isso, enfeza a cara, estica os beiços para baixo e entra no banheiro resmungando:
– Não quero receber lembrança de ninguém! E eu, na minha inocência, pensando que a velha tinha renegado o sobrinho por minha causa…
Senta-se no vaso, olha para o alto e diz raivoso:
– Retiro os pedidos de desculpas que fiz a ela. Essa “coroa” é uma sem noção. Ela faz uma “embolação” tão grande com qualquer assunto que me deixa pirado.
Desiludido, fala com amargura:
– Que merda! Depois dessa confusão eu vi que o meu moral está lá em baixo aqui em casa…
E conclui irado:
– Mas eu me vingo dessa jararaca por causa da raiva que me fez passar por todos esses dias; mas, “deixe estar jacaré, que a sua lagoa vai secar”!
Autor: Joswilton Lima
Resumo da biografia do autor:
Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha.
Em determinada época, lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.
Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances também estão sendo escritos.
Concomitante às atividades artísticas, sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos e, por último, se aposentou na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.
Agora tem o prazer de apresentar aos leitores do site www.leoricardonoticias.com.br o seriado de crônicas intituladas Episódios do Junhão, com as quais espera que tenham uma leitura agradável e de reflexão.