CEIÇA
Cinquenta e nove anos de idade. Acorda feliz, apesar de quase não ter conseguido dormir durante a noite inteira porque estava sonhando com o presente que espera ganhar do filho no segundo domingo de maio. Durante anos nunca ganhou nada porque o filho nunca se lembrou da dita data. Mas, neste ano, ela acredita que o Junhão está mais ajuizado e certamente irá se lembrar do dia comemorativo para presenteá-la. É dia de sábado, véspera do dia das mães, e o sujeito dorme tranquilo perto de meio-dia. Ela está preocupada com o ressonar dele e fica angustiada perguntando-se:
– “Nepussível” uma merda dessa! Amanhã é o dia das mães e o Juninho parece que “nem taí e nem vai chegando” pra comprar o meu presente.
Mas uma dúvida atroz perturba a sua mente:
– Será que é descaso ou ingratidão?
O Junhão continua roncando e ela se questiona:
– Ou será que o meu adorável filhinho vai querer “mim” fazer uma surpresa?
Cheia de expectativa, diz:
– Com certeza, reconhecendo os meus préstimos, ele já comprou o presente e escondeu pra “mim” entregar amanhã bem cedo.
E, muito esperançosa, fala:
– Eu rogo a Deus para que o meu pensamento esteja certo.
Resoluta em fazê-lo acordar, começa a fazer barulho a fim de que o filho se sinta incomodado e resolva se levantar para que ela comece a investigação sobre onde está escondido o esperado presente. Depois de algum tempo fazendo baticuns com a vassoura na parede do quarto dele, enfim o Junhão passa enfezado em direção ao banheiro. Cheia de satisfação, ela o cumprimenta exclamando:
– Bom dia, querido filhinho!!! Você sabe que dia é amanhã?!…
JUNHÃO
Trinta e nove anos de idade. Demonstrando estar chateado por ter sido acordado, ele para, vira-se para trás, encara a mãe com raiva e diz com a voz rouca, quase rosnando:
– “Peraí” coroa!… E eu sou lá adivinho ou tenho cara de calendário pra saber que dia é amanhã?!… Que “nóia” é essa de ficar “apertando a minha mente”?
A seguir tenta justificar a resposta indelicada:
– Pra seu governo estou de ressaca e ainda não acordei direito, por isso fico retado quando me acordam antes de ter o meu sono satisfeito.
CEIÇA
Ao ouvir a reprimenda do filho ela fica sem jeito e diz:
– Desculpe a mamãe, filhinho… Não foi a minha intenção de lhe acordar antes do seu horário, mas é que estou ansiosa para que você saiba a importância da data que será comemorada amanhã.
JUNHÃO
Continua nervoso e revida de forma enérgica:
– Não tenho o menor interesse em saber da zorra de data nenhuma! Pelo que sei não é o meu aniversário; portanto seja lá que data for, pra mim não tem a menor importância!
Depois ele diz sorrindo para mangar dela:
– Só se for a data da “morte da bezerra”!
E completa falando baixo:
– Acho que joguei pedra na cruz de Cristo pra ter uma pirada dessa como sendo a minha mãe.
CEIÇA
Fica sem jeito por causa do esquecimento do filho e, com humildade, fala com a voz lânguida:
– Amanhã é o dia das mães, querido! Sendo uma mãe dedicada como eu sou, pensei que você fosse se lembrar da importância desse dia e “mim” desse um presentinho qualquer…
Frustrada com a desatenção do filho, diz tristonha:
– Essa atitude bastava pra demonstrar o seu afeto, o que “mim” deixaria muito feliz, mesmo que pedisse o dinheiro a mim pra comprar o meu presente…
JUNHÃO
Ao ouvir a queixa da mãe ele dá uma larga gargalhada e fala:
– Então é isso?!!!… Poxa coroa, você nem me dá a oportunidade de lhe fazer uma surpresa! Que estresse é esse?!
Com um raciocínio muito rápido, ele enxerga na hora uma excelente oportunidade para surrupiar dinheiro da mãe. Na falsidade, elogia Ceiça tendo a certeza de que ela irá dar a grana. Eloquente, exclama:
– Quem tem uma mainha igual a você tem tudo na vida, então como eu ia esquecer de comemorar a sua data?! Relaxe, porque o seu presentão está a caminho.
Depois finge tristeza e diz:
– Apesar da minha vontade, estou sem condições financeiras de dar o presente que a senhora merece.
Ao ver a expressão dela ficar triste ao ouvi-lo lamentar, ele lança a sua cartada com a voz tremula:
– Por isso peço à senhora para me emprestar uma boa grana, porque o presente vai ser de grife. Afirmo que o dinheiro é um empréstimo, ouviu? Assim que puder te pago na boa…
CEIÇA
Fica enternecida com o que ouve e vai ao quarto dela. Logo depois retorna com o cartão de crédito bancário e entrega a ele dizendo:
– Olhe filhinho, a senha está anotada no verso do cartão. Mas não gaste muito dinheiro com presentes caros.
Depois recomenda:
– Tenha muito cuidado com as minhas economias, porque ainda tenho muitas contas para pagar.
JUNHÃO
Com o documento nas mãos os olhos dele brilham de felicidade e dá um sorriso malicioso no canto da boca. A seguir ele ordena:
– Esquente a comida porque depois do banho vou almoçar rápido para ir ao shopping comprar o seu presente! A senhora fez bem em ter me acordado.
E começa a pôr em execução o seu plano. Demonstrando contrariedade, comenta:
– Estou preocupado, porque hoje as lojas vão estar entupidas de gente para comprar. Vai ser um inferno!
Para evitar que a mãe queira ir também para escolher o próprio presente, ele articula um jeito de amedronta-la:
– Ainda bem que a senhora não vai comigo, porque ia ser pisoteada, ficar sufocada no meio do empurra-empurra e levar solavancos da multidão.
Para infundir mais medo na mãe, relata um quadro sinistro:
– O povaréu é mal-educado e fica desvairado querendo comprar tudo o que encontra pela frente. Parecem urubus na carniça e não respeitam ninguém.
Fingindo lamentar, diz:
– Na sua idade é bom evitar multidões, porque poderá sofrer muitas fraturas se tomar uma queda e ir parar no hospital. E eu não quero que a minha mãezinha sofra.
Após o almoço e depois de bem arrumado e perfumado ele abraça a mãe e lhe dá um beijo afetuoso na testa. Ceiça fica tão contente com o carinho do filho que quase desmaia. Não percebe que ele carrega consigo uma mochila cheia de roupas. A seguir ele se despede com a voz meiga:
– Muito obrigado mainha! Graças a você vou poder lhe dar um presente inesquecível!
E sai apressado.
CEIÇA
Nesse momento ela fica emocionada convicta de que o filho finalmente está entrando nos eixos, devido aos dissabores que ele já causou no passado. Contente com a regeneração dele, exclama com fervor religioso:
– Graças ao meu bom Deus, consegui resgatar o meu filhinho!
Está tão entusiasmada que se ilude dizendo:
– O Júnior estava brincando quando falou que não sabia sobre a data.
Contente com o fato dele ir comprar o presente, diz:
– Ele é um menino adorável, mas, às vezes, gosta de ficar me pirraçando. Ah, sujeito!…
De repente se lembra de algo e exclama:
– “Vixe Maria”!… Esqueci de dizer a ele pra não comprar um presente grã-fino, por causa do alto preço. Com certeza Alcebíades vai reclamar da despesa extra.
Mas, logo depois esclarece:
– Também não lembrei de dizer pra não comprar panelas e pratos; afinal, o presente é do dia das mães e não do dia da cozinha…
Dito isso, ela suspira aliviada porque tem certeza de que o filho quer agradá-la e jamais ele irá fazer alguma coisa que a contrarie.
JUNHÃO
Estando na rua, ele telefona alegre para Janete e marcam o encontro num shopping chique da cidade. Quando ela chega vão para a praça de alimentação beber cervejas e comerem lanches. Empolgado por estar endinheirado, convida a namorada para irem curtir o final de semana em um Hotel Resort de luxo na Praia do Forte.
Ao perceber a folga financeira dele, Janete chantageia o namorado exigindo:
– Olhe Juninho, amanhã é o dia das mães e eu só vou se você comprar um presente bem bacana para a minha mãe!
Nesse momento Junhão fica enfezado, engrossa a voz e fala espumando de raiva:
– A mãe é sua, portanto você que compre o presente pra ela!!!
Janete finge que começa a chorar e esfrega os olhos para ver se sai alguma lágrima. Ao perceber que ele não deu importância à simulação dela, faz beicinho e diz com a voz mansa:
– Mas vida, eu não trabalho e você não me dá nenhum dinheiro, por isso não tenho condições financeiras para presentear a minha mãe. Além do mais, ela gosta muito de você…
Junhão continua zangado com o assunto e replica:
– E daí?!… Se ela gosta de mim o problema é dela! Não vou gastar o meu dinheiro comprando presente pra mãe de ninguém!
A namorada fica amuada e cruza os braços por causa da resposta dele. Estando muito zangada, faz finca-pé e impõe a sua vontade determinando:
– Se não comprar o presente pra mainha eu não vou pra lugar nenhum com você e pronto!
A seguir justifica o motivo da sua birra:
– Se eu sumir por três dias com você, quando voltar pra casa quem ouve os desaforos dela sou eu. Mas, se eu levar um presente porreta, ela fica satisfeita e me libera pra gente ir curtir.
Manhosa, sugere com a voz minguada:
– Ela é doida pra ter uma bolsa de couro de grife.
Depois, querendo agradar, conclui:
– Aí você aproveita e compra outra bolsa igual para dona Ceiça; afinal, amanhã é o dia das mães…
JUNHÃO
No seu interesse pessoal, cede parcialmente aos argumentos de Janete e fala contrariado:
– Está bom… Eu vou comprar uma bolsa para a sua coroa.
Antes que ela fale alguma coisa ele completa:
– Quanto à velha Ceiça, não adianta você pedir porque eu não vou comprar nada. Ela já ganhou o melhor presente do mundo ao dar à luz a Alcebíades Júnior!
A seguir fala debochando:
– Diga aí se não é verdade? Qual é a mãe que tem um filho maravilhoso igual a mim?!
Janete concorda sorrindo, já que foi beneficiada. Depois é informada de que, após a entrega do presente na casa da mãe dela, irão embarcar num coletivo rumo à praia. Ele só irá voltar quando acabar o dinheiro que estiver no cartão bancário de Ceiça.
CEIÇA
Domingo, dia das mães. Acorda ansiosa no romper do dia. Toma banho, veste uma roupa nova e se perfuma para aguardar o filho chegar da farra com o desejado presente. O vestuário grotesco foi arrumado de acordo com a sua mente, julgando-se estar por dentro da moda atual. Totalmente sem noção, está usando um óculos escuro de grau bem forte numa armação grande de cor branca que quase encobre o rosto chocho. A cabeça está engrandecida por causa dos bóbis enormes presos aos cabelos e encobertos por um lenço amarelo, imitação de seda. As unhas estão pintadas com esmalte da cor azul marinho. Usa um batom vermelho carmim na boca que, para ela, dá um toque chique à arrumação. E para completar o disparate, usa uma calça pantalona de cor azul cerúleo, de cintura alta. A blusa de cetim verde musgo está afivelada por um cinto largo de cor violeta com fivelão dourado posicionado bem acima da cintura e abaixo dos seios.
Mesmo estando fora dos padrões da moda, Ceiça sente-se poderosa e acredita que está bem arrumada para comemorar a grande data. Senta-se no sofá e aguarda o filho chegar. Mas o tempo passa e já é perto de meio-dia e ele não chega. Contudo o entusiasmo dela não cessa, porque tem a convicção de que o Junhão irá aparecer até a hora do almoço com o seu presente fino. Imagina que a demora dele em chegar é porque irá lhe fazer uma surpresa maravilhosa.
Tem certeza de que vai ganhar uma bolsa de couro de grife famosa para causar inveja às amigas, quando mostrar o presente caríssimo que ganhou do filho devotado. Animada por causa da comemoração ela não preparou a comida porque acredita que o Junhão irá trazer um almoço requintado, comprado para viagem, a fim de poupar-lhe o trabalho no dia dedicado a ela. Afinal, acha que merece esse mimo por ser, nesse dia, a rainha do lar. Está radiante porque o marido telefonou cedo para lhe dar os parabéns referentes ao dia das mães. Também conversaram generalidades e Ceiça aproveitou a oportunidade para ficar elogiando muito o filho, glorificando-o.
Apesar de esperançosa, a todo momento olha para o relógio da parede e vê apenas o avançar das horas. Ansiosa por causa da a demora do filho em chegar, começa a roer as unhas recém-pintadas. Está angustiada para vê-lo adentrar a residência com o almejado presente. Apesar da demora, ela quer que o refinado almoço esteja dentro dos conformes para a comemoração. Para isso, as cervejas que o filho irá beber já estão no congelador e, para ela, o vinho tinto, suave, já está na geladeira. Está agoniada para iniciar a farra na companhia do filho querido comemorando a data.
Apesar de todos os preparativos, nem tudo sai de acordo com o seu planejamento. Infelizmente o Junhão não chegou para o almoço e até o final da tarde não ligou dando notícias. A tristeza de Ceiça é visível ao ver o tempo passar sem a presença do filho e ela fica esmorecida. Quando perde a esperança dele chegar, fica desolada e, às dezoito horas, almoça sozinha as sobras do dia anterior. Porém, a comida parece palha sem nenhum paladar em sua boca. Chorosa, lamenta soluçando entre lágrimas o desgosto que o filho lhe deu:
– Tenho certeza que o Juninho não veio por causa das amizades ruins que ele tem. Por isso se esqueceu de comprar o meu presente e agora o coitado deve estar com vergonha de “vim” pra casa.
Ainda choramingando ela conclui:
– Mas eu fico conformada porque o dia das mães tem todos os anos. No próximo, tenho fé em Deus que o meu filhinho vai se lembrar de mim.
Na realidade, o precioso presente de Ceiça chegará quando ela receber a fatura cobrando as enormes despesas que o Junhão fez no cartão de crédito.
Autor: Joswilton Lima


Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha. Possui o site www.joswiltonlima.com onde tem uma mostra de algumas de suas pinturas em diferentes técnicas e estilos, sendo visualizado por inúmeros países.
Em determinada época lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antonio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.
Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances estão sendo escritos.
Concomitante às atividades artísticas sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos, tendo se aposentado recentemente na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.
1 comentário em “Episódios do Junhão: ‘FELIZ DIA DAS MÃES!!!’”
Caro Joswilton
Um grande prazer foi conhece-lo e maior ainda foi conversar amenidades na varanda… naquela manhã tão “caliente”… em Morro do Chapéu.
Fiz questão de ler este “Episodio do Junhão”, divertido e verdadeiro no retrato do cotidiano dos inúmeros “Junhões” que existem neste mundão de meu Deus…
que Deus o abençoe sempre…
abs.
De seu mais novo amigo e admirador…
Marcondes