Episódios do Junhão: ‘A BENÇÃO DO PELÔ’ e novo livro do autor

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Mais um livro do escritor Joswilton Lima, autor dos Episódios do Junhão, será publicado em breve pela Editora Amazon. Com o título de “O Cigano Violeiro” é um conto fantasioso destinado ao público adulto e juvenil que narra as superstições existentes nas comunidades rurais do interior.

O livro relata a vida simples e feliz dos personagens, mas que é totalmente alterada devido a visita inesperada na região de um indivíduo pernicioso.

A ficção da estória irá deixar os leitores surpreendidos por causa do final fantástico.

As ilustrações também são autor. A capa é uma pintura digital com o mouse, experiência nova que mesmo com toda a dificuldade da adaptação, deu um bom resultado.

As ilustrações internas são fotos de pinturas a óleo, também do autor.

 

Com a retomada das atividades em nosso site, continuamos a usufruir da criatividade de amigos (as) que, por meio da sua atividade literária, presenteiam nosso leitores com textos de encher os olhos e fazer a alma viajar.

 

Assim, os Episódios do Junhão serão revisitados e começamos com a presentação do livro que esta disponível pela Amazon.com.br no endereço https://www.amazon.com.br/Epis%C3%B3dios-Junh%C3%A3o-Joswilton-Jorge-Nunes/dp/B08PQP2SF2 e você confere o novo episódio:

A BENÇÃO DO PELÔ

 

CEIÇA

Quarenta e três anos de idade. Enquanto apronta o almoço olha insistentemente as horas no relógio pendurado na parede da cozinha. Já está perto de meio-dia. Então ela franze as sobrancelhas, faz um bico com os beiços, balança negativamente a cabeça e, enraivecida, faz um comentário sobre o filho:

– “Disconjuro”!… Isso lá é “marca de homem”?!… Já vai dar meio-dia e essa criatura ainda não se levantou da cama. Por causa da cortina blackout o quarto dele fica escuro parecendo a tumba de um faraó. Não sei como um sujeito forte e bem alimentado consegue ficar tanto tempo dormindo. Com essa inércia ele já deve estar todo mofado.

Querendo se livrar de culpa, ela busca a razão para si, perguntando e logo depois afirma:

– Não sei a quem esse peste puxou! Com certeza essa preguiça dele é da parte da família do pai. – Pura difamação, porque ela sabe que o Alcebíades pai é muito trabalhador.

Uma preocupação vem-lhe à mente e ela diz:

– E o pior é que mesmo dormindo essa “miséra” dá prejuízo. Já estou até vendo a enormidade do valor da conta de luz, quando chegar o final do mês. O ar condicionado já está fedendo a queimado de tanto consumir energia.

Continua a falar demonstrando desgosto:

– Pelo “andar da carruagem” o aparelho não vai demorar a pifar. E lá vem mais um prejuízo para o pobre do Alcebíades pagar pelo conserto. Tenho dó de meu marido que trabalha muito pra sustentar esse “peso morto” sem nenhuma valia.

Ainda tristonha, lamenta:

– O meu marido sempre reclama dos gastos exorbitantes, mas não tem como economizar com o Juninho em casa. Eu não sei mais o que fazer pra botar juízo na cabeça desse menino…

Depois fala ressentida:

– Se o trabalho desse sujeito fosse pra dormir, garanto que o malandro chegaria aqui em casa se queixando que iria abandonar o emprego, porque o serviço estava deixando o seu corpo todo dolorido.

A seguir conclui:

– É isso que fatalmente iria acontecer. Eu conheço a fera! Mas como essa sonolência é fruto das noitadas de farra, o “disgraçado” não se farta da cama…

JUNHÃO

Vinte e três anos de idade. Neste exato momento entra na cozinha em direção ao banheiro. Está com uma aparência horrível: cabelos desgrenhados, olhos vermelhos, olheiras acentuadas, hálito com bafo de onça e um mau humor terrível. Ainda ouve as últimas palavras da mãe e rebate engrossando a voz:

– “Qualé, meu”!… Está sem assunto?! Então arrume outro, porque eu já “tou de pé”!

CEIÇA

Olha para ele com os olhos arregalados não acreditando no que ouviu.

JUNHÃO

Com arrogância e a permissividade que a mãe lhe dá, pergunta de modo autoritário:

– O pão é de hoje? Se não for, vá imediatamente buscar outros na padaria que eu aguardo. Você sabe muito bem que não como “pão dormido”.

A seguir completa ordenando:

– Depois do café pode botar o almoço em seguida, porque estou com uma “fome de leão”. E ande ligeiro!!!

CEIÇA

Complacente, responde com subserviência:

– Se você levantasse cedo da cama comeria os pães bem quentinhos que trouxe hoje da padaria. Mas não se preocupe que o almoço já está pronto.

JUNHÃO

Depois do lauto desjejum e logo após o almoço, no qual sorveu muito suco de umbu, ele volta para o quarto alegando que está cansado e precisa descansar. Às dezoito horas, acorda, levanta da cama e se arruma ligeiro como se estivesse “novo em folha”. Chega na sala irradiando o cheiro de um perfume francês. Está animado porque irá farrear para se distrair durante a noite. Está usando uma indumentária toda branca: camiseta, bermuda, inclusive as meias e os tênis.

CEIÇA

Ao vê-lo, esbugalha os olhos e comenta sorrindo:

– “Peraí” rapazinho! Aonde você vai fantasiado de Pai de Santo?!…

JUNHÃO

Irritado, responde de má vontade:

– “Poxa velho”, você gosta de “encarnar”!… Já ouviu falar na Benção do Pelô toda terça-feira no Pelourinho? É lá onde a juventude baiana e os turistas se reúnem para curtir um som legal de reggae. Pois é, vou paramentado de adepto do candomblé! Fui!…

E sai apressado antes que a mãe lhe diga alguma coisa. Na rapidez em querer se livrar dos deboches de Ceiça ele se esquece de lhe pedir dinheiro para a farra.

NO DIA SEGUINTE AO DA BENÇÃO – Quarta-Feira, às dezessete horas

CEIÇA

Está exasperada com a demora do filho em se levantar da cama. Solta fogo e fumaça por todos os poros do corpo. Irritadiça, brada:

– Esse indivíduo “não tem remédio que dê jeito nele”! Esse menino gosta de viver dormindo, por isso eu digo que não vai demorar ele virar múmia…

A seguir grita na direção do quarto dele demonstrando estar enraivada:

– Levanta da tumba seu imprestável, porque você não é o faraó “TutankamJúnior”!

JUNHÃO

Com a zoada acorda “retado” com o despertar incômodo. Levanta-se a contragosto e sai do quarto coxeando. Está com um aspecto indescritível: a roupa com a qual saiu vestido na noite anterior está toda amarrotada, rasgada, ensanguentada e suja. O semblante aparenta de quem teve uma noite maldormida, porque os olhos estão bem vermelhos e os cabelos emaranhados. Apresenta manchas arroxeadas no rosto e por todo o corpo.

Caminha em direção à cozinha com dificuldade. Manqueja com o corpo envergado para a frente apoiando a mão no quadril do lado direito, demonstrando estar sentindo fortes dores nas costas. Ao ver a mãe, enfeza a cara e não a cumprimenta. Com muito esforço sobe o degrau para entrar no banheiro e fecha a porta.

Do lado de fora, Ceiça ouve o barulho de seguidos vômitos e descargas no vaso sanitário. Depois do banho ele sai capengando e resmunga xingando como se estivesse revoltado com a vida. Debilitado, dirige-se devagar à mesa para almoçar, porém só consegue se sentar com muita dificuldade depois de apoiar uma das mãos sobre a mesa, enquanto a outra segura o encosto da cadeira para se firmar. Quando sente segurança para se acomodar, vai arriando o corpo devagar com um sacrifício enorme. A seguir fica gemendo e fazendo caretas demonstrando sentir dores terríveis por todo o corpo. Com isso tenta atrair a atenção da mãe para si.

CEIÇA

Finge não notar o lastimável estado físico do filho. A seguir ela esquenta a comida e coloca o almoço dele na mesa. Então aproveita a ocasião para soltar umas farpas:

– Como é bom ser um milionário e ter uma “indiota” “que nem eu”, escravizada na cozinha para servir ao meu senhor… Pra seu governo, até os ricos acordam cedo e trabalham, ouviu mocinho?!…

JUNHÃO

Fica contrariado com o que ouve e fala grosso:

– Eu levantei passando mal e você fica “tirando onda” com a minha cara! E lá vem de novo com esse papo chato de trabalho. Cadê que foi lá no banheiro pra me ajudar?… Não viu que eu estava vomitando rajadas de sangue?!

CEIÇA

Olha sério para o filho, coloca as mãos nas cadeiras e resolve continuar debochando:

– Ajudar a fazer o que?!… Você queria que eu fosse lá pra vomitar também?!… Não “tou” com a mínima vontade de fazer vômitos pra ter ido no banheiro te ajudar… Além do mais, eu não bebi nada, quem bebeu foi você, portanto arque com as consequências.

Depois fala mangando dele:

– Mas que diabo de farra “miserenta” foi essa que você fez, pra ficar vomitando sangue?!… “lhe deram” cachaça destilada de soda cáustica, foi?!

E continua zombando:

– Ontem à noite você saiu daqui todo alegre, bem vestido de branco, parecendo um Erê (entidade do candomblé que tem espírito infantil) que ia pra um canzuá (terreiro de candomblé). Apesar de não gostar de macumba (bruxaria) eu não disse nada.

Ainda fazendo gozação do filho, diz:

– Mas, aqui pra nós, conte o que houve lá no peji? (altar dos orixás) … Você deveria acordar hoje cedo e com bom humor! Mas parece que voltou endemoniado…

JUNHÃO

Fica exaltado e responde:

– Eu não estou com o demônio no corpo pra você dizer que eu estou endemoniado! Todos vão à benção do Pelô, mas de agora em diante, se depender da minha vontade, eu nunca mais vou pisar os meus pés naquele lugar.

CEIÇA

Fica alegre e exclama:

– Oxalá!… Louvado seja Deus!… Até que enfim esse tal de “Zé Pilintra”, que é um espírito maligno de cachaceiro, desincorporou de você. Ouvi dizer que esse “tipinho” é um dos Exus. Esse demônio vive atazanando a vida de quem vive de bar em bar.

Esperançosa, declara:

– Acredito que dessa vez “ou vai, ou racha”!… “Quem mim dera” que você fique caseiro. Essa é uma boa notícia, porque eu tenho certeza de que ficará focado nos seus estudos de agora em diante!

Religiosa convicta, está muito satisfeita e diz empolgada:

– Isso é um sinal de que as minhas preces estão sendo atendidas. E a sua determinação de se afastar da magia negra é uma benção!

Curiosa a respeito do que houve, pergunta:

– Mas, “mim” diga logo, qual foi o “B-O” (ocorrência) que teve lá pra você estar todo “barriado” assim?

JUNHÃO

Está ruborizado de raiva, mas resolve relatar o motivo do seu infortúnio:

– Por sua causa eu estou todo quebrado de tanta porrada de “fanta” (cassetete) que os policiais me deram. E não fique se vangloriando, porque a culpa da surra que tomei é sua!

CEIÇA

Espanta-se com a acusação, cerra as sobrancelhas, fica nervosa e rebate com veemência:

– Culpa minha?!!!… Eu nem lá estava, criatura!… É cada uma que ouço, que parece mentira. Agora eu vi merda aumentar de preço…

JUNHÃO

Fica irritado porque a mãe se eximiu da culpa e reclama zangado:

– É culpada sim, porque não me deu dinheiro para a farra! Por isso não pude comprar uísques e nem mesmo uma cerveja. Então tive que procurar algo mais barato com uns trocados que tinha no bolso.

Sente dores e para um pouco. Depois retoma o assunto:

– Chegando no Pelourinho fiquei dando um “rolê” nas ruas e me encontrei com Marquinhos rastafári. Falei que estava “Durango Kid” e, através da indicação dele, fomos comprar uns “cravinhos batizados” numa viela do pelô. Quando estávamos na portinhola do barzinho “dando uns goles” e batendo papo com a galera de lá, surge uma tropa da PM que cercou a área toda.

Nessa hora ele dá mostras de que fica revoltado, mas resolve continuar contando:

– Assim que saltaram rápidos das viaturas já foram apontando os fuzis em nossa direção. Imediatamente ordenaram aos gritos para todo mundo botar as mãos encostadas na parede. Depois berraram para que todos ficassem com as pernas bem abertas para serem revistados.

Para um pouco demonstrando constrangimento, mas continua a falar:

– Nesse momento começaram a dar “baculejo” em todo mundo. Para me safar do vexame de ser apalpado na revista, eu caí na besteira de tomar a frente dos camaradas com os braços abertos para protege-los e gritei forte: alto lá!!! Não vai haver nenhuma operação policial aqui! Vocês não vão revistar ninguém!

Novamente para, faz um semblante de que sentiu alguma dor forte, geme e depois reinicia:

– Depois que falei isso, um soldadinho sarará, magro e tirado a “arrochado” me perguntou com arrogância: quem é o vagabundo que está querendo dar ordem na nossa corporação?

Nesse momento ele infla o peito e conta como agiu:

– Na hora me lembrei do tio Terêncio e falei bem alto: vocês sabem com quem estão falando?!… O meu tio é “general da polícia”! Ele é o chefão de todos vocês! Vou falar com ele sobre essa truculência policial e vocês vão “perder a farda” por causa disso!

Suspira fundo e acende um cigarro. Dá uma tragada demorada e depois faz um bico para soltar a fumaça devagar no ar. Enquanto isso fica com o olhar perdido observando-a se desfazer. A seguir relata demonstrando amargura:

– Por um momento eles pararam. Aí eu pensei: eles “são doidos, mas tem juízo”. Não vão querer mexer com o sobrinho de um “general da polícia”!… No momento ficou parecendo que eles tinham percebido que eu não era um “cão sem dono”.

Para de novo a conversa e, pouco tempo depois, continua o relato da sua reminiscência, mas sempre menosprezando os integrantes da força policial:

– Aí veio para perto de mim um “sujeitinho” moreno ostentando uma patente de estrelas nos ombros que estava comandando a tropa. Ele me olhou de cima a baixo e falou sorridente demonstrando estar calmo: muito bem… temos uma “ôtoridade” aqui nesse antro da malandragem. E ele é sobrinho de um graúdo… Ganhamos a noite!

Fica pensativo por instantes e depois reinicia a recordação:

– Enquanto ele falava, eu fiquei enfezado com as mãos na cintura encarando os olhos dele com firmeza para deixar o fulano intimidado.

Após alguns segundos em silêncio, resolve continuar a fala:

– Mas ele não se incomodou com o meu arrosto e falou com a voz mansa: como eu sou um tenente, não posso decidir nada nessa ocorrência, porque o seu tio é um importante “general da polícia”.

A seguir repete o que o oficial falou:

– Pois bem, é assim que eu gosto! Vou trabalhar certinho para o seu tio me dar uma promoção. Com certeza ele vai ficar satisfeito com o meu serviço…

Para um pouco, mas logo depois continua falando:

– Ao ouvir isso eu fiquei alegre. Pensei que ele tinha comido o “régui”, mas o indivíduo estava blefando no maior cinismo.

Desanimado, Junhão prossegue relatando a sua desventura:

– Ele veio com uma conversa-fiada dizendo: como o seu tio é gente grande, ele mandou um representante dele para falar com você. Pediu para que o Jamanta lhe desse uns conselhos para você não andar mais frequentando “boca de fumo”.

Para o relato porque sente dores nas costas e na cabeça. Faz caretas acompanhadas de gemidos para demonstrar o que está sentindo. Quando se sente aliviado, continua:

– Nessa hora o desgraçado ordena a um subordinado com a voz firme: Jamanta, proceda!!!

Reflete um pouco e diz:

– Na minha inocência eu pensei que o tal do Jamanta iria conversar comigo “de boa”, na amizade, porque o sujeito falou que ele ia me dar uns conselhos.

Para novamente e dá outra tragada no cigarro. Depois continua contando o seu infortúnio:

– Fiquei pensando que eles tinham entrado em contato com o tio Terêncio e estava tudo tranquilo. Mas quando olhei para o lado eu vi um sujeito negro de dois metros de altura, largo parecendo um armário, vindo raivoso na minha direção com o cassetete em riste. Fiquei tão apavorado que gritei: calma “negão”!

Novamente para a narração porque aparenta sentir dores e geme, talvez por se lembrar da surra que levou. Depois continua a narrar:

– Foi a pior coisa que eu disse. Aí piorou tudo. O Jamanta desceu a “fanta” em mim com toda a força por diversas vezes, na maior crueldade. O sujeito demonstrava sentir prazer em me bater com aquele cassetete de madeira.

Depois para um pouco e logo prossegue a expor o suplício pelo qual passou:

– Nesse momento eu gritei: você vai se “arrombar” sujeito, por estar batendo no sobrinho de um “general da polícia”! Você vai ver, ele tirar a sua farda! Aí, foi pior mil vezes. O “sujeitão” parecia que estava endiabrado. O miserável ficou me batendo sem dó e sem piedade. Naquela hora cheguei a pensar que o amaldiçoado estava drogado.

Novamente dá uma parada, apaga o cigarro no cinzeiro e após um tempo continua a contar:

– Como se não bastasse, apareceu um outro “manga lisa” de vulgo Marreta com uma sanha maior ainda para ajudar o Jamanta a me espancar. O sujeito parrudo era muito mais perverso. Acho que até a mãe dele se aparecesse na hora tomava porrada daquele brutamontes.

Depois de parar por alguns segundos como se estivesse relembrando, continua:

– Quanto mais eu pedia calma “negão” mais piorava a minha situação. Foi um verdadeiro “samba lelê” comigo sem eu saber pra que lado corria. Estavam ensandecidos e davam tanta porrada em mim que nem dava tempo de gritar: ui!!!…

Para novamente aparentando estar sentindo fortes dores e depois dá seguimento:

– Quando percebi que o “bicho tava pegando” tentei fugir, mas estava cercado. Aliás, todos os parceiros que estavam comigo no local também estavam apanhando que fazia dó. Depois de tanta “madeirada” que tomei, um cabo franzino se aproximou de mansinho e me deu uma murraça no pé do ouvido que até agora estou zonzo, ouvindo zumbidos.

E o miserável ainda gritou:

– Isso é pra você aprender a respeitar as pessoas de cor!

Injuriado e sem noção, comenta:

– Ora, eu também sou de cor: sou branco! O sujeito falou isso por pura ignorância. Ficaram retados só porque eu estava dizendo uma gíria. Ora…, eles também poderiam ter me chamado de brancão que eu não ia me zangar e nem bater neles.

CEIÇA

Ouve em silêncio. Mas fica revoltada ao saber que o filho estava frequentando um meio ruim e, principalmente, com a ignorância dele acerca de assuntos relevantes e intervém na conversa para explicar:

– Quantas vezes eu já te disse que o tio do seu pai é um coronel aposentado?!… Você é mesmo um tonto! É um mal-ouvido! Até parece que não gira bem do juízo! Onde já se viu ter patente de general na polícia, seu corno?!…

E continua dando orientações:

– A culpa do ocorrido é sua, porque deveria ter amenizado a situação sendo cortês. De que adiantou a sua prepotência em ficar ofendendo os policiais?! Viu o resultado do seu atrevimento no que deu?!… Você é um cabeça de vento! Um menino “inresponsável”! Além do mais, racismo é crime, sabia?!

Depois aconselha:

– Os policiais estavam certos por terem se sentido discriminados. Em qualquer ocasião você tem que tratar eles respeitosamente chamando-os de senhor, porque eles são autoridades. Além do mais estavam trabalhando e não iam adivinhar que você é uma pessoa muito decente, apesar de estar frequentando uma cafua.

E revoltada, reclama:

– Eles fizeram isso porque lhe viram “socado” numa casa de vícios cheia de zé-povinho. É por isso que você entra nesses apuros, porque não sabe selecionar as amizades. Ainda não descobri o motivo de você gostar de viver metido no meio da ralé.

A seguir, completa:

– Minha mãe sempre dizia esse ditado: “quem com porcos anda, farelos come”. Quanta falta de atenção, meu Deus! Mas Jesus vai te curar, sua “miséra”!

JUNHÃO

Está tão envolvido com o seu problema que não dá atenção ao que ela fala. Continua com a sua lamentação:

– Tive sorte de não ter ido em cana no camburão junto com os parceiros. Só escapei porque eu não estava de posse do “cravinho” de cachaça batizado com uma droga. Sabendo dos riscos existentes no local eu bebia rápido e devolvia o copo.

Apesar de ter demonstrado esperteza no meio da malandragem, no entanto foi incapaz de discernir o certo do errado. Por causa da sua falta de modos, cometeu erros de conduta perante às autoridades policiais e isso lhe rendeu a justa correção. A mãe não ensinou boas regras de comportamento social, restando à polícia o encargo de ensinar como ele deveria se portar; a ela, ficou apenas o pranto por não saber educar o filho desde a infância.

Todavia, indiferente a qualquer observação, ele relata com raiva:

– Após ser revistado na maior brutalidade, fui imediatamente reclamar das agressões sofridas com o manda-chuva da patrulha por causa das “fantadas” que tomei.

Demonstrando amargura, diz:

– Perdi o meu tempo porque o cara não me deu a mínima atenção. De modo ríspido mandou eu vazar. Porém, um sargento que estava lá não gostou das minhas queixas e gritou: além de racista ele ainda quer ser cheio de razão!

Continuando com as queixas, ele narra:

– Quando eu ia saindo cabisbaixo para ir embora, um samango magrelo, baixinho, da canela seca, “tomou as dores” e partiu pra cima de mim. O mau elemento estava espumando de raiva e me deu várias cassetadas que eu tive de “correr a todo vapor”, subindo e descendo pelas ladeiras feito um maluco naquelas ruelas.

Demonstrando alívio, relata:

– Após correr muito feito um alucinado, sem saber para onde me dirigir, consegui chegar na Praça da Sé e embarquei ligeiro num “buzú” (ônibus) “pernoitão” que estava saindo do ponto de madrugada. Não estava sentindo dores, porque estava sob o efeito do “cravinho” e o meu sangue estava quente.

Esquecido de que saiu de casa apressado e não havia pedido o dinheiro da farra à mãe, suspira fundo e continua o relato demonstrando ter muita raiva dela:

– Tomei essa surra por sua causa, porque você é mesquinha e vive regrando o dinheiro que o paizão manda para o meu lazer. A sua avareza é o motivo de eu andar apanhando na rua sem nenhum motivo. Isso só aconteceu por causa da sua ruindade, coroa “unha de fome”!

Ainda zangado, acusa:

– Você é a única culpada por eu estar me arriscando nessas “bocadas” …  É só me dar bastante dinheiro que irei beber nos bares dos ricos. Nesses locais a polícia não incomoda ninguém, porque a frequência é de parentes de gente importante.

Queixoso, procura desmerecer a importância do tio do pai:

– Mas de que adianta eu ter certos tipos de parentes?!… Eu vi que o tio Terêncio não tem nenhuma moral perante a tropa! Os meganhas ficaram rindo da minha cara quando citei o nome e a patente dele…

Depois diz para sensibilizar a mãe:

– Como estou todo quebrado, agora vou voltar pro quarto para poder descansar.

Explodindo de muita raiva, conclui afrontando a mãe:

– Por sua causa perdi a fome, sua miserável canguinha! E pode ficar com a sua comida azeda!

CEIÇA

Ao ouvir o que ele lhe disse fica desanimada, totalmente inerte. Estando sentada, coloca o cotovelo sobre a mesa e apoia a cabeça com a mão, enquanto o observa se afastar manquejando e gemendo em direção ao quarto. Vendo-o daquele jeito, balança negativamente a cabeça desaprovando as atitudes dele e fica analisando aonde foi que errou na criação do filho. Depois faz um comentário enraivado condenando a polícia:

– Com tantos marginais soltos por aí, ao invés deles prenderem os bandidos que estão infestando a cidade, ficam aloprados batendo em quem encontra pela frente e se aproveitando da fragilidade de um inocente.

Lamenta demonstrando tristeza:

– Espancaram e perseguiram o meu filhinho de graça, só porque ele é uma criança doce e carinhosa que foi induzida pelas amizades ruins a ir nesses ambientes horríveis para se distrair. Já “tou” com um ódio mortal desse tal de Marquinhos.

A seguir, desejosa de vingança, diz cheia de rancor:

– Vou falar com o tio Terêncio para tomar as providências necessárias pra punir os agressores do meu Juninho. O menino está sofrendo muito devido ao espancamento que sofreu e está com um aspecto de dar pena.

Depois fala amargurada:

– Gravei bem os nomes dos fulanos malvados: Jamanta e Marreta. Eles vão se haver comigo! Eu nunca bati no Júnior pra agora “vim” esses brutamontes fazerem uma “miséra” dessa com o menino?! Ninguém espanca o meu filho e “fica de graça” ou não “mim” chamo Ceiça!

Ainda furiosa ameaça:

– O tio Terêncio vai excluir esses marginais da polícia. Foi uma verdadeira perversidade o que esses algozes fizeram com o meu filhinho.

E sentencia a punição:

– Vou mandar o tio Terêncio botar em forma no pátio do quartel todos aqueles da patrulha maldita que participaram da judiação do Juninho. Na hora eu vou bater na cara de cada um deles com o salto da minha sandália.

Enfática, determina:

– Nesta terra ainda tem lei! Buliram com a pessoa errada. Eu, Ceiça, não hei de descansar enquanto os agressores do meu Juninho não forem punidos. Eles irão aprender “com quantos paus se faz uma canoa”! Vão ver que eu sou “barril dobrado”!

JUNHÃO

Está todo dolorido deitado na cama. Não aguenta nem se virar da posição em que está, por causa das dores que sente. Mas, apesar disso, mostra-se muito irado e resmunga:

– Esse é o resultado de ser filho de gente que não presta. Estou todo moído de porrada e essa peste velha não “tá nem aí e nem vai chegando” para o que aconteceu comigo.

Depois fala com petulância prometendo vingança:

– Mas ela vai me pagar tim-tim por tim-tim todo esse mal que me fez. E também por todo esse descaso dela para comigo. Quando eu sarar, essa bruxa vai ver “com quantos paus se faz uma cangalha”.

E conclui raivoso:

– Essa besta-fera vai se haver comigo!… Vou acabar com esse descaso dela!

CEIÇA

Enquanto isso Ceiça está muito preocupada com a saúde do Junhão. Desolada diz:

– Coitado do meu filhinho… Vou fazer um sumo de mastruz com leite para ele tomar. Em poucos dias ele vai estar sarado. O mastruz é um santo remédio.

E conclui cheia de esperança:

– Mas eu tenho fé em Deus que dessa vez esse menino vai criar juízo.

 

Autor: Joswilton Lima

Resumo da biografia do autor:

 

Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha.

Em determinada época, lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.

Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances também estão sendo escritos.

Concomitante às atividades artísticas, sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos e, por último, se aposentou na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.

Agora tem o prazer de apresentar aos leitores do site www.leoricardonoticias.com.br o seriado de crônicas intituladas Episódios do Junhão, com as quais espera que tenham uma leitura agradável e de reflexão.

 

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