A comunidade de Serra do Mel, município potiguar com 13 mil habitantes a cerca de 250 km de Natal, processou a empresa francesa Voltalia pelos impactos socioambientais e econômicos causados pelos empreendimentos eólicos no município.
A ação foi movida pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Rio Grande do Norte (FETARN), a Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Norte (CUT/RN) e o Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR).
O processo busca a reparação integral dos danos decorrentes dos impactos causados pelos empreendimentos eólicos, abrangendo o reconhecimento de dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar, além do dano moral aos produtores, relacionado aos efeitos nocivos à saúde dos moradores. Também é requerida a revisão dos contratos firmados com agricultores familiares, considerados excessivamente onerosos.
Foram instaladas 40 usinas eólicas em Serra do Mel, dos quais 36 já estão em operação. Embora o município tenha se tornado um polo de energia eólica, sua principal atividade econômica, a cajucultura, foi diretamente afetada, assim como os modos de vida e a saúde da população local.
A ação foi protocolada na última quarta-feira (21) e distribuída para a 12ª Vara Cível da Comarca de Natal. No dia seguinte, o juiz Cleanto Fortunato da Silva declarou incompetência devido à distância entre Serra do Mel e a capital, determinado que o caso seja analisado em uma das Varas Cíveis de Mossoró — a menos de 40 km dali.
Danos à saúde
No aspecto da saúde, os danos são significativos, segundo alegam as entidades que protocolaram a ação. Ruídos e vibrações contínuas das turbinas, instaladas próximas às residências, têm causado sintomas compatíveis com a chamada Síndrome da Turbina Eólica, como perda de audição, enxaqueca, tontura, distúrbios do sono e transtornos de ansiedade e pânico. Dados médicos de Serra do Mel indicam um aumento expressivo nos atendimentos relacionados a esses problemas desde o ano de 2022.
Prejuízos à produção agrícola
A situação também compromete diretamente a produção agrícola familiar. A poeira gerada pelas obras prejudica a flora local, dificultando a fotossíntese e, consequentemente, a formação dos frutos. A fuga de abelhas impacta diretamente a polinização, especialmente do caju. Além disso, a presença das torres eólicas dentro dos lotes impede o uso adequado de máquinas agrícolas, o que contribui para uma expressiva redução da área cultivável no município.
Contrato
Outro ponto de destaque é a onerosidade excessiva dos contratos firmados entre a empresa e os agricultores. Segundo a ação, muitos produtores assinaram contratos de cessão de uso de suas propriedades sem qualquer assistência jurídica adequada, e com a cessão de 100% da propriedade, o que pode descaracterizar o agricultor como “segurado especial”, com impactos no seu direito à aposentadoria, além do acesso à crédito.
Sócio da LBS Advogadas e Advogados, escritório que representa os autores, Felipe Gomes da Silva Vasconcellos diz que a empresa adotou uma estratégia de fracionamento dos empreendimentos e das licenças ambientais, de forma a artificialmente reduzir o porte e o potencial poluidor percebido.
“Com isso, buscou se eximir da responsabilidade de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para o conjunto dos projetos, documento essencial para a avaliação adequada dos impactos e para a proposição de medidas mitigadoras e compensatórias”, afirma.
Segundo Erivam do Carmo Silva, presidente da FETARN, “a ação possui grande importância para o Rio Grande do Norte, por tratar da defesa de direitos fundamentais, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a proteção da saúde e da integridade física e psíquica da população e o reequilíbrio contratual, sobretudo diante da situação de vulnerabilidade dos agricultores familiares diretamente afetados”.
De acordo com Francisco Irailson Nunes Costa, presidente da CUT-RN, “questionamos também o modelo de transição energética adotado, que não pode ser implementado à custa do meio ambiente e dos direitos das comunidades afetadas”.
Para o Diácono Francisco Adilson da Silva, coordenador executivo do SAR, a ação civil pública busca garantir a transparência e o acesso à informação sobre os impactos dos empreendimentos eólicos na comunidade de Serra do Mel.
“Ao requerer a elaboração de um EIA/RIMA que englobe todos os projetos e a participação efetiva da comunidade em sua elaboração e na destinação das compensações, reforçamos o direito fundamental à comunicação e à informação, assegurando que o público e os diretamente atingidos tenham conhecimento claro e confiável sobre os riscos e as medidas necessárias”.
Pedidos
A ação judicial requer, em caráter de urgência, a suspensão imediata da instalação ou operação de novos empreendimentos até que seja elaborado um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) abrangente, com efetiva participação da comunidade local. Solicita-se que esse EIA/RIMA seja concluído no prazo de 90 dias. Além disso, exige-se o cumprimento de uma distância mínima de dois mil metros, ou dez vezes a altura total do aerogerador (incluindo as pás), entre as turbinas e as residências mais próximas, aplicando-se essa regra especialmente às usinas que ainda não foram implantadas ou que se encontram inoperantes.
Em relação às turbinas já instaladas e em funcionamento, a ação requer a realocação para uma distância segura, mantendo-se o parâmetro mínimo de dois mil metros ou dez vezes a altura do aerogerador, assegurando, entretanto, que a remuneração dos agricultores afetados seja preservada, com base na capacidade instalada originalmente contratada. Também se pleiteia o fornecimento de apoio psicológico e médico gratuito às pessoas afetadas pela Síndrome da Turbina Eólica, em razão dos impactos comprovados à saúde.
A demanda busca a condenação das rés ao pagamento de indenização à comunidade pelos danos morais coletivos de natureza ambiental.
Fonte: saibamais.jor.br