Catolicismo à baiana, devagar, quase parando: Liturgia: de onde vem, como surgiu e qual sua finalidade

 

Catolicismo à baiana, devagar, quase parando

 

Você pode conferir as séries anteriores a partir dos link: Do Sentido da vida a autoridade da; A criação, anjos e demônios, o mal o pecado e o ser humano

 

Este texto é parte de uma nova série: Liturgia o serviço de Deus a seu povo.

 

Liturgia: de onde vem, como surgiu e qual sua finalidade

 

A palavra “liturgia” talvez soe distante ou técnica para muitos católicos, evocando imagens de missas solenes, paramentos e rituais sagrados. Mas, na verdade, a liturgia está no coração pulsante da vida cristã. Ela não é apenas uma série de gestos simbólicos, mas a própria ação de Cristo em favor do seu povo. Nesta coluna, mergulharemos em suas origens, em seu desenvolvimento histórico e em sua finalidade, buscando não apenas entender o que é a liturgia, mas descobrir por que ela é vital para a fé.

 

 

Etimologia e definição básica

 

A palavra liturgia deriva do grego leitourgía, que originalmente significava “serviço público” ou “obra do povo”. Era usada para designar qualquer ação realizada em benefício da comunidade. Com o tempo, passou a ser usada para designar os serviços religiosos oferecidos a Deus, especialmente nas comunidades judaicas e, posteriormente, no cristianismo.

 

No contexto da fé católica, a liturgia é compreendida como:

 

“a participação do povo de Deus na obra de Deus. Ela é o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, o ser humano santifica-se e Deus é glorificado” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1069-1070).

 

Assim, a liturgia não é “algo que fazemos para Deus”, mas antes a própria ação de Deus em nosso favor, na qual somos chamados a participar.

 

 

As raízes veterotestamentárias da liturgia

 

 

A origem da liturgia cristã não pode ser compreendida sem olhar para o Antigo Testamento. Desde os tempos de Moisés, Deus instruiu Israel a celebrar cultos específicos, com rituais, festas, sacrifícios e purificações. Esses atos não eram apenas expressões culturais, mas obediência a um mandamento divino. Eles formavam o coração da vida religiosa de Israel e apontavam para algo maior: a vinda do Messias.

 

O livro do Êxodo mostra que Deus ordenou a construção de um tabernáculo, lugar de sua presença, onde os levitas e sacerdotes ministravam sacrifícios:

 

“Ali virei a ti e falarei contigo de cima do propiciatório” (Ex 25,22).

 

 

Esses ritos, que incluíam o sacrifício do cordeiro pascal, a aspersão do sangue, a queima do incenso e o canto dos salmos, não apenas prepararam o povo para o culto verdadeiro, mas formaram a base da liturgia que Cristo elevaria à sua plenitude.

 

A liturgia nas origens cristãs

 

A Igreja nascente, formada por judeus convertidos, não começou do zero. Os primeiros cristãos continuaram frequentando o Templo (cf. At 2,46), mas passaram a reunir-se “no partir do pão” (cf. At 2,42), isto é, na Eucaristia. Foi a partir dessa celebração da Ceia do Senhor, instituída por Cristo na Última Ceia, que se desenvolveu toda a liturgia cristã.

 

Cristo, ao oferecer o pão e o vinho como seu Corpo e Sangue, inaugurou a nova e eterna aliança:

 

“Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19).

 

Essas palavras não eram um mero pedido de lembrança sentimental, mas uma ordem sacramental: celebrar um memorial vivo e eficaz de sua Páscoa, onde Ele mesmo se faria presente de modo sacramental, até a consumação dos tempos.

 

A liturgia, então, nasce da obediência ao mandato de Jesus e se torna o meio privilegiado pelo qual os fiéis têm acesso ao mistério pascal.

 

O desenvolvimento da liturgia ao longo da história

 

Nos primeiros séculos da Igreja, a liturgia foi ganhando formas mais organizadas, sem jamais perder sua essência. As “liturgias” (como a de São Basílio, de São João Crisóstomo, de Santo Hipólito) testemunham uma riqueza de orações e ritos, sempre centrados na Eucaristia, mas também envolvendo as leituras bíblicas, a homilia, os cânticos e as intercessões.

 

Com o crescimento do cristianismo no Império Romano, a liturgia foi se consolidando em torno das sedes apostólicas, especialmente Roma. A liturgia romana, que daria origem ao Rito Latino, foi sendo cuidadosamente transmitida, enriquecida e codificada ao longo dos séculos, culminando com a Missa tridentina, fruto do Concílio de Trento (séc. XVI), e depois com a renovação promovida pelo Concílio Vaticano II, no século XX.

 

Mas não houve ruptura: o que houve foi desenvolvimento orgânico. A essência permanece: o culto ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, por meio de sinais sacramentais instituídos por Cristo e vividos na comunhão da Igreja.

 

A liturgia como obra da Trindade

 

Uma das chaves para entender a liturgia é perceber que ela é uma ação da Santíssima Trindade.

 

•     O Pai é o destinatário da liturgia. Toda a ação litúrgica é dirigida a Ele, como ato de adoração, louvor e súplica.

 

•     O Filho é quem realiza a liturgia. É Cristo quem age nos sacramentos, é Ele quem oferece o sacrifício eucarístico, é Ele quem batiza, perdoa e consagra.

 

•     O Espírito Santo é quem anima a liturgia. Ele prepara os corações, santifica os dons e reúne a Igreja na unidade da fé e do amor.

 

 

“Na liturgia, toda a vida cristã encontra sua fonte e seu cume” (CIC, n. 1324).

 

A liturgia, portanto, é uma participação antecipada na própria vida de Deus. É o “céu na terra”.

 

Finalidades da liturgia

 

A liturgia tem três grandes finalidades, que a colocam no centro da vida cristã:

 

  1. a) Glorificar a Deus

 

O culto litúrgico é, antes de tudo, um ato de adoração. A Igreja vive para dar glória ao seu Senhor. Toda vez que se celebra a liturgia, é o próprio Corpo de Cristo (cabeça e membros) que glorifica o Pai.

 

Essa glorificação não é apenas verbal ou simbólica, mas real: oferecemos a Deus o sacrifício perfeito, que é Cristo mesmo. A liturgia é, portanto, o lugar onde Deus é adorado “em espírito e verdade” (cf. Jo 4,24).

 

  1. b) Santificar os fiéis

 

A liturgia não é uma “representação”, mas uma ação eficaz. Os sacramentos comunicam a graça, transformam a alma, alimentam a fé, perdoam os pecados, fortalecem a esperança, inflamam a caridade. Por meio da liturgia, o Espírito Santo opera silenciosamente no coração dos fiéis, configurando-os a Cristo.

 

“Cada celebração litúrgica, por ser ação de Cristo sacerdote e de seu Corpo que é a Igreja, é ação sagrada por excelência”

(CIC, n. 1070).

 

  1. c) Edificar a Igreja

 

A liturgia não é um ato isolado, mas comunitário. Reunidos em assembleia, os fiéis tornam-se Igreja visível e viva. A liturgia forma a comunhão dos santos, une os fiéis entre si e com os anjos e santos, e prepara a Esposa (Igreja) para as núpcias eternas com o Cordeiro.

 

Participação ativa dos fiéis

 

Um dos grandes frutos do Concílio Vaticano II foi a redescoberta da importância da “participação ativa” na liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 14). Isso não significa que todos devem “fazer algo” externamente, mas que todos devem estar interiormente unidos à ação litúrgica.

 

Participar da liturgia é mais do que estar presente: é unir-se ao sacrifício de Cristo, é rezar com a Igreja, é receber com fé os sacramentos, é deixar-se transformar pela graça.

 

 

Liturgia e vida

 

 

 

Por fim, é essencial lembrar que a liturgia não termina na igreja. Ela continua na vida. O que celebramos nos altares deve se tornar carne em nossas escolhas, atitudes, palavras e testemunho. A Missa termina com um envio: “Ide em paz”. É Cristo que nos envia a ser sal da terra e luz do mundo.

 

A liturgia forma o cristão. E o cristão, transformado, santifica o mundo.

 

 

A liturgia é o coração da vida da Igreja. É onde o céu toca a terra. É onde Deus vem ao nosso encontro para nos transformar, para nos salvar, para nos fazer semelhantes a Ele.

 

Compreendê-la é apenas o primeiro passo. O mais importante é vivê-la com fé, reverência e amor. Cada gesto, cada palavra, cada canto, cada silêncio na liturgia carrega um mistério: o próprio Cristo está presente. E Ele age. Ele nos santifica.

 

Por isso, a liturgia não é acessória, nem decoração: é a própria vida da Igreja. Que possamos, com a Virgem Maria e todos os santos, aprender a viver da liturgia e para a liturgia — até que, um dia, participemos da liturgia eterna no céu.

 

Indicações bibliográficas:

SACROSANCTUM CONCILIUM – SOBRE A SAGRADA LITURGIA

Sinais do Altíssimo: Liturgia, ritual e a expressão do sagrado Uwe Michael Lang Para Entender e Celebrar a Liturgia Felipe Aquino

Introdução ao Espírito da Liturgia Bento XVI

 

Franklin Ricardo, Católico, esposo, pai de quatro filhos, estudante de artes liberais, filosofia e teologia, apaixonado pela cultura latina e pelos grandes clássicos da cultura ocidental; ex-ateu, converso pela graça santificante.

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