Esta coluna faz parte de uma série; confira os textos anteriores:
1º – O Sentido da vida
3º- Que Deus³?
7º -A Divindade de Jesus: O Trilema de Lewis e o Mistério da Encarnação
8º -O que Jesus pregou e o que ele veio esclarecer?
9º O Mistério da Santíssima Trindade; Cremos em um só Deus!
10º – O Mistério da União Hipostática e a Encarnação do Verbo
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). As palavras de Cristo ressoam como promessa e fundamento de uma realidade que nos transcende e, ao mesmo tempo, nos envolve: a Igreja. Para compreendermos o que é a Igreja, precisamos primeiro nos debruçar sobre sua origem e natureza, contemplando o mistério que ela carrega.
A palavra “Igreja” deriva do termo grego ekklesia, que significa “assembleia dos chamados”. Desde o Antigo Testamento, Deus reúne um povo para Si, como vemos no Êxodo, ao libertar Israel do Egito e selar uma aliança no Monte Sinai (Ex 19). Contudo, é em Jesus Cristo que a promessa da assembleia divina atinge seu pleno cumprimento. A Igreja não é meramente uma instituição humana; ela é, nas palavras de São Paulo, o “Corpo de Cristo” (1Cor 12,27) e “coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15). Ela é simultaneamente visível e espiritual, peregrina na terra, mas participante do Reino dos Céus (Catecismo da Igreja Católica, §§771-772).
Além disso, como ensina o Papa Bento XVI, a Igreja não pode ser vista apenas como uma organização, mas como um organismo vivo. Ela é fruto do amor de Deus que nos busca e nos chama à comunhão, sendo esta comunhão o cerne de sua identidade. A Igreja reflete, no mundo, o mistério da Trindade, uma unidade formada na diversidade de dons e serviços (Deus Caritas Est, §19).
Jesus não apenas anuncia o Reino de Deus; Ele o inaugura. Sua pregação, milagres e, sobretudo, Sua paixão, morte e ressurreição, dão início a uma nova realidade: a Igreja. No Evangelho segundo Mateus, encontramos o momento solene em que Cristo promete edificar sua Igreja sobre a fé de Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). Essa promessa é cumprida no mistério pascal e na efusão do Espírito Santo em Pentecostes (At 2,1-4). Ali, a Igreja se manifesta publicamente, com o Espírito como sua alma, unindo os fiéis em comunhão com Deus e entre si (CIC, §767). Nesse contexto, a Igreja nasce da Cruz, como destaca São João Crisóstomo, ao refletir que do lado aberto de Cristo, do sangue e da água, surgem os sacramentos e a Igreja (Homilias sobre João, 85,3).
Para os judeus contemporâneos de Jesus, a experiência religiosa estava centrada no templo de Jerusalém, lugar do sacrifício e da presença divina, e nas sinagogas, onde se estudava a Lei e se rezava em comunidade. Embora Jesus respeitasse essas instituições, Sua missão as transcende. Ele declara: “Aqui está quem é maior que o templo” (Mt 12,6) e promete uma adoração “em espírito e verdade” (Jo 4,23). A Igreja, portanto, não é apenas um local de culto ou uma estrutura física; ela é a comunidade dos que foram incorporados a Cristo pelo batismo, unidos na fé e na caridade. Ela é o novo templo, edificado não com pedras materiais, mas com as “pedras vivas” dos fiéis (1Pd 2,5). O sacrifício do templo é substituído pelo sacrifício perfeito de Cristo, perpetuado na Eucaristia, o “sacramento da unidade” (Santo Agostinho, Sermão 272).
“Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21). Com estas palavras, Jesus não apenas confere uma missão aos apóstolos, mas estabelece o alicerce de uma Igreja viva e missionária. A continuidade dessa missão atravessa os séculos e é manifesta na essência apostólica da Igreja, fundamento de sua unidade, santidade, catolicidade e fidelidade.
A palavra “apóstolo” vem do grego apostolos, que significa “enviado”. Os apóstolos foram escolhidos e enviados por Cristo como testemunhas de sua ressurreição e ministros de sua graça. O Catecismo da Igreja Católica (CIC) nos ensina que a Igreja é apostólica porque “foi e continua a ser edificada sobre o fundamento dos apóstolos” (CIC, §§869). Esta continuidade é garantida pela sucessão apostólica, a transmissão ininterrupta da missão e da doutrina através dos bispos, os sucessores dos apóstolos.
As marcas da Igreja, professadas no Credo Niceno-Constantinopolitano, não são meros atributos teóricos; elas expressam a realidade concreta e visível da Igreja:
- Una: A unidade da Igreja tem sua origem na unidade da Santíssima Trindade. Como nos ensina São Paulo: “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5). Esta unidade é visível na comunhão com o Papa, sucessor de Pedro, e os bispos em união com ele.
- Santa: A santidade da Igreja não significa que seus membros são impecáveis, mas que ela é santificada por Cristo, sua Cabeça, e pelo Espírito Santo, sua alma. Como corpo místico de Cristo, a Igreja é chamada a refletir a santidade divina no mundo.
- Católica: A palavra “católica” significa “universal”. A Igreja é católica porque Cristo a envia a todos os povos, sem distinção de raça, cultura ou história. Como diz Santo Inácio de Antioquia: “Onde quer que esteja Jesus Cristo, ali está a Igreja Católica” (Carta aos Esmirniotas, 8,2).
- Apostólica: A Igreja é apostólica porque conserva a doutrina e a sucessão dos apóstolos. Esta marca garante que a Igreja permaneça fiel ao Evangelho e à missão confiada por Cristo.
Jesus confiou aos apóstolos uma missão específica: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulas, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Esta missão se perpetua nos bispos, que possuem o munus de ensinar, santificar e governar o povo de Deus. A hierarquia da Igreja não existe para dominar, mas para servir, como o próprio Cristo ensinou: “Quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o servo de todos” (Mc 10,44).
A Igreja como Família de Deus A Igreja também é vista como a “Família de Deus” (CIC, §2233), onde a fraternidade e o acolhimento são fundamentais, refletindo a comunhão trinitária na vida cotidiana dos fiéis.
A Igreja como Sacramentum et Mysterium O Concílio Vaticano II descreve a Igreja como “sacramento de salvação” e “mistério”, dizendo: “A Igreja é, ao mesmo tempo, sociedade visível e comunidade espiritual, sacramento de salvação, mistério de união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Lumen Gentium, §1).
A Importância dos Santos Os santos desempenham um papel vital na vida da Igreja, servindo como modelos de virtude e intercessores. O Catecismo nos lembra que “a comunhão dos santos é precisamente a Igreja” (CIC, §947), unindo os fiéis na terra com os que já alcançaram a glória celestial.
A Igreja e a Missão no Mundo Moderno A Igreja enfrenta os desafios do mundo contemporâneo, como destaca o documento conciliar Gaudium et Spes: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes, §1). A missão evangelizadora da Igreja continua viva, chamando todos a “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
Unidade na Diversidade Na unidade da fé e da comunhão, a diversidade dos ritos é uma expressão da riqueza da Igreja (CIC, §1202), celebrando a universalidade e a inclusão em sua missão.
A Igreja é muito mais que uma estrutura; é o corpo vivo de Cristo, guiado pelo Espírito Santo, fundamentado nos apóstolos e chamado a ser luz para o mundo. Em cada época, ela enfrenta desafios e oportunidades, mas permanece fiel à sua identidade e missão.
Mt 28,20; Ex 19; 1Cor 12,27; 1Tm 3,15; CIC, §§771-772; Deus Caritas Est, §19; Mt 16,18 ;At 2,1-4; CIC, §767; Homilias sobre João, 85,3; Mt 12,6; Jo 4,23; 1Pd 2,5; Santo Agostinho, Sermão 272; Jo 20,21; CIC, §§869; Ef 4,5; CIC, §2233; Lumen Gentium, §1; CIC, §947; Carta aos Esmirniotas, 8,2; CIC, §1202; Mt 28,19; Mc 16,15
Indicações bibliográficas:
LUMEN GENTIUM – SOBRE A IGREJA
GAUDIUM ET SPES –SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL DEUS CARITAS EST- SOBRE O AMOR CRISTÃO
A Igreja Catolica. Essência Realidade Missão – Walter Kasper A Igreja e o Papado – Yves Congar
A Igreja – Iniciação à Eclesiologia – José Perez Arangüena
O Milagre da Igreja – Sertillanges
Franklin Ricardo, Católico, esposo, pai de quatro filhos, estudante de artes liberais, filosofia e teologia, apaixonado pela cultura latina e pelos grandes clássicos da cultura ocidental; ex-ateu, converso pela graça santificante.