REI MOMO, JÁ FOI
Quando ainda eu, pendurava as calças curtas em alças de suspensórios, em mim, por ignorância ou atoleimação, não havia previsibilidade de atos ou fatos. Principalmente dos fatos. Só enxergava o amanhã, aquele que me chegava depois de uma boa noitada de sonhos e mijos na cama. Até com dez ou onze anos, vez em quando molhava os lençóis, notadamente quando meu pai na noite anterior, partilhava uma melancia com a meninada da casa. Bons tempos. As festas do calendário nacional, me chegavam quase sempre de repente. Tava brincando na rua, chegava em casa, tinha gente fazendo pamonha e canjica, era sinal de São João chegando, na boca de espera como se dizem por aí. O rádio tocando Jingle bells toda hora, tava dizendo que “Papai Noel” já tava na beirada da chaminé. Era o tempo do perdão e das lapinhas, ” pintando no pedaço” outra besteira da gramática dos jovens de agora, coisas que vez em quando aparecem e tempos depois mudam de rumo, como ventos de inverno. Fazem parte do cotidiano.
Mas, o reinado do velho “Momo” era anunciado nas paredes do bar “Ponto Certo” do meu amigo Antenor Sodré, com a exibição de fotografias de demônios de chifres, rostos deformados e o tocar insistente das marchinhas primorosas de carnaval, estas branidas por quase o dia inteiro, pelas ondas das rádios do chamado eixo Rio-São Paulo.
Era tempo de se fazer uma roupa nova, preferencialmente multicolorida, pontuada de bichinhos ou motivos que nos remetesse ao reino da alegria. Este reinado de período apertadinho, tinha religiosamente três dias de vigência. Sábado à noite, com uma abertura simbolizada na figura folclórica e fictícia do folião Zé Pereira, alguns tambores davam o ar da graça, mas era no domingo que se fazia a abertura oficializada do carnaval brasileiro em todos os quadrantes da nação.
Este curto tempo de dominação “momesca”, trazia no contexto de época de folia, uma frase perigosa que se tornou uma verdade permitida, como se não houvesse culpa quando os parâmetros normais eram excedidos. “Ora é carnaval, tudo é permitido”. E os rumos desta liberalidade, foram trazendo o que não era aceitável nos dias comuns, tipo obscenidades e abusivas identidades, como se no carnaval não fosse apenas tempo de festejos, poderia também ultrapassar limites, sem o ônus da penalidade a ser observado.
O zunir dos tambores era realmente de alegria duradoura. Salões apinhados de foliões, querendo apenasmente a diversão.
Munidos de saquinhos de confetes, rolos coloridos de serpentinas, traziam nos rostos o brilho de luz, da alma em louvores, o luzir da purpurina, iluminando a face colorida. Os mais abastados, exibiam tubos de alumínio denominados “lança perfume” que nos odorava com o éter volatizado, importados da nossa velha inimiga dos campos de bola, a orgulhosa Argentina.
Nos salões do “Rei Momo”, de alguns anos passados, não eram apenas as marchinhas e sambas que faziam a animação da festa. Haviam os desfiles de fantasias em Début cintilantes, porque na amostragem de reis príncipes e rainhas, sem paetês, penas de pavão e purpurina, não haveria ilusões e sonhos de grandiosidade. Clóvis Bornay, Jesus Henrique, Evandro Castro e Lima, eram nomes respeitados neste mundo de devaneios permanentes, que eles caprichosamente eram mestres em ofertar. Para os adoradores de fantasias, as criações destes sonhadores, beirava ao encantamento do mundo dos deuses. Eu também tinha por eles, admiração e respeito pelos seus trabalhos de puríssima dedicação.
Os Clubes, também cultuavam o ápice da beleza. Tinham na vitrine, as coroas de princesas e rainha, como adorno das frontes vaidosas das mais belas donzelas. O rei Momo, cuja coroa não lhes outorgava poderes, era ou ainda é, ladeado por estas garotas de rostos bonitos e corpo perfeito.
A honraria de comandar a folia, pelo menos simbolicamente, despertava ferrenho interesse dos mais gordinhos, mas hoje, nem sei se existe alguém interessado em trocar sopapos ou bofetes, para ter o direito a esta coroa sem súditos de verdade. Rainhas e princesas também, já não saem na primeira página, vivenciar está ilusão já não desperta suspiros de devoção. Tudo isto ficou lá atrás, num templo nem tão majestosamente iluminado, de ondas copiosas de suspiros de saudades. Hoje, lantejoulas multicores adornam timidamente alguns rostinhos que olham para trás, com as doces lembranças daquilo que viveu. Nada mais em profusão de enfeites como era antes.
O interesse pela visão da surrealidade diante dos olhos, desapareceu com as mudanças de hábitos, neste tempo de ausência de quase tudo que se tinha só para o reinado de “Momo”.
A música, carro chefe da festança, é a mesma do dia a dia do ano inteiro, não tem graça nenhuma.
As fantasias, de um oneirismo mitológico, por comodismo ou falta de criatividade, resumiu-se em shortinhos e camisetas, com carência total de sensibilidade feminina.
E a violência das ruas, ah esta merece citação pela importância que nos cerca. Tomou rumos tão grotescos, que o bom senso nos empurra para bem longe daqueles carros iluminados e barulhentos, chamados Trios Elétricos.
Arriscar a vida perto deles nem tanto, mas uns tapas e bofetes gratuitos, ninguém tá imune de receber, pertinho da hora de voltar pra casa. Melhor não arriscar, por aqui. Em interiores bem menos violentos, talvez ainda se pode fazer parte da turma do funil.
Corre corre lambretinha pela estrada além
Corre corre……
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.