PAIS E FILHOS
“Vossos filhos não são vossos filhos,
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma”…
Com esta afirmação de aflitiva espiritualidade, o filósofo e poeta Gibran Khalil Gibran, nascido em Bicharré, nas montanhas do Líbano, em 06 de janeiro de 1883 e falecido em Nova Iorque em 10 de abril de 1931, começa sem estrofes rimadas, seu mais famoso poema, que levou o Oriente e o Ocidente a colocar o indicador no queixo e debruçar-se em profundas reflexões. Se a harmonia das palavras nos encantam, o seu significado nos apavora. Passei dias e noites tentando entender a cabeça do pensador oriental. E o mistério ainda continua.
“Vêm através de vós, mas não de vós e embora vivam convosco, não vos pertence”
A cada passo da leitura do conteúdo, nos esbarramos em inquisições pessoais temerosas de aceitação. Até onde a verdade é absoluta nas afirmações do mestre libanês.
Khalil Gibran viveu apenas 48 anos. Não tenho notícias de quando resolveu escrever seus ditames e por isto a incerteza dos motivos para tais afirmações. O que sei, é que seus patrícios são nômades por natureza e tradição. Ao contrário dos Turcos, que dificilmente emigram, sírios e Libaneses não esperam a penugem cair pra arrumar as malas. Ainda imberbes, alçam vôos longínquos pra conhecer o mundo. A numerosa colônia libanesa de São Paulo, corrobora esta citação. Talvez os queixumes dos pais ao perderem seus filhos lá do vale do Bicharré, tenham inspirado o pensador, neste poema de inquisitivas ou piedosas aflições.
“Podeis outorgar-lhes vosso amor
Mas não vossos pensamentos”, porque eles têm seus próprios pensamentos”
Nos anos 40,50, 60, a capital brasileira de todos os estados do nordeste, norte e centro-oeste, era São Paulo. Hoje nem tanto. O êxodo dessa gente, em direção ao eldorado da garoa era impressionante. Pleno, justificado, esverdeado de esperanças e o que era pior: Indiscriminado. Homens e mulheres de todas as idades, arribavam-se em perigosos Paus-de arara, fugindo das intempéries naturais do lado de cá, na busca otimista de sucesso e comodidades do lado de lá. E esta ânsia de encontrar o pote de ouro no final do arco-íris, os empurravam cada vez mais para as terras do sem fim, para longe dos seus ancestrais. Quantos pais jamais voltaram a ver seus filhos, quantos filhos jamais voltaram as ver seus pais.
“Podeis abrigar seus corpos mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho”.
Era comum e prazeroso, evidentemente para pais e filhos, ter apenas o quintal, dividindo os seus alpendres. Hoje também o é., porém este mimo carinhoso, no tempo de agora nos parece uma exceção, não a regra como era no tempo do vovô. O levante de uma moradia, nas eiras e beiras das casas dos pais, hoje tem quesitos financeiros a serem observados. Quando eles forem apenas saudades, o lugar pode ser a herança de mais aderentes e este cuidado por prudência, deve ser observado. É o perrengue pecuniário se mostrando e separando de forma lamentável, o amoroso e terno dueto, entre “pais e filhos.”
“Podeis esforçar-vos para ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda pra trás e não se demora com os dias passados”.
Quando juvenil, o arrebatamento curioso de tudo que há, em mim, corria nas veias em borbulhões velozes, como se de sangue fosse a sua essência. Nenhum constrangimento na busca por respostas, das curiosidades ou dúvidas que por ventura houvesse. O cinema, sempre ele, o velho cinema em borrões ocasionais, aos poucos ia mostrando as belezas ou mazelas do universo lá de fora. Alguns lugares que eu nem sabia se era verdade que existiam.
De mente fértil e aventureira, nos meus devaneios noturnos, imaginava as terras longínquas como as “terras do nunca” tal e qual o mundo encantado do “Mágico de Oz”, mas, também nos meus desenganos, sei que hoje existem e para elas, muitos dos meus amigos foram embora, sem alimentar as ilusões de acordar um dia em lençóis de seda ou cetim, amornados pelos pais de colos carecidos, de calor e do amor dos filhos que um dia os deixou.
“Vós sois os arcos dos quais vossos filhos, são arremessados como flechas vivas”
Os amores paternos e maternos, em relação aos filhos, são parelhos quando os rigores da vida, lhes pede um sacrifício. As doações de ambos são igualitárias e se misturam na hora das decisões. Entretanto, são amores análogos, mas as naturezas distintas de macho e fêmea, quase sempre põe limites nesta paridade de união carnal. Os olhares de um pai, para um filho prestes a se tornar um homem, é de cobranças de decisões de vida. Se diante de si, está uma doce garotinha, para ela lhes dedica ternura e proteção. Comportamentos diferentes, mas um peito cheio de amor a ambos, sem nenhuma distinção.
“O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força, para que suas flechas se projetem rápido e para longe,”
O macho busca a fêmea, a fêmea busca a maternidade. É uma afirmação com embasamento na natureza humana e cientificada na observação do comportamento dia a dia, desta dualidade de gametas. O amor de mãe, por ser visceral, é santificado e não há lição a ser ensinada, quando uma decisão materna quebra códigos de conduta ou fere mandamentos de leis. A velha máxima ” Mãe é mãe” é o passaporte carinhoso para nossa aceitação. Impossível condenar uma mãe que agiu por instintos maternais. Causaria espanto, entretanto se assim não o fizesse. Os olhares matriarcais para a mocinha que vem vindo, também são de cobranças de decisões. A genitora sabe que neste tempo de agora, apesar dos avanços, ainda prevalece de forma relevante, a masculinidade. E preciso determinação na busca de um espaço que desperte admiração, ou olhares de cobiça. A mãe, vai reservar os seus olhares de proteção para o filho homem. São as leis naturais da vida.
“Que o vosso encurvamento na mão do arqueiro, seja vossa alegria: pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco, que permanece estático”.
Milhões de pessoas neste mundo, nascem e lutam apenas para estarem vivas. Não se apaixonam, não buscam realidades ou ilusões, não nasceram pra viver. É preciso
Paixão em tudo que fazemos ou pretendemos fazer. Sem o risco de um pezinho no abismo ou a certeza de golfões de grandiosidade, não teremos nada pra contar pros nossos netinhos. Maravilhosamente, o prato das virtudes ainda pesa com sobras, na balança de medir os sentimentos da humanidade. Somos sim, uma criação de natureza infinita e entre pais e filhos sempre existirá, para a continuidade divina, as graças de amor da “Sublime devoção”.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.