OS SONHADORES.
Ao longo da história humana, a diversidade de pensamentos dos moradores da terra, instigou a curiosidade de nós humanoides, carentes de saber os desejos ou detalhes da vida alheia.
Com um rosário generoso de modo de pensar, homens e mulheres, no início de suas vidas produtivas, mereceram figurar os seus nomes, na rua onde moravam, nas rodas de conversas entre amigos ou até mesmo nos livros da história.
Jovens trabalhadores, quase que em suas totalidades, abraçam a chance do primeiro emprego, sejam eles de quaisquer naturezas. Se talento ou responsabilidades tiver, se lhes sobrar determinação e zelo, ser um vencedor nesta empreita é apenas uma questão de tempo. Ou não.
Também há aqueles que escolhem uma profissão para o labor diário de suas vidas. O estudo por alguns anos é o passaporte para a conquista merecida, para ter um canudo nas mãos, recheado de noites insones, porém de orgulho, disciplina e determinação.
Mas, há um tipo de ser humano que me encanta sobremaneira. Alguns que acalantam um sonho juvenil, daqueles que não lhes cabe no peito, na sua individualidade, que também é um sonho de milhares e milhares de pessoas.
São os SONHADORES. Os adoráveis SONHADORES. A mola propulsora desses homens é o entusiasmo. Os desafios são a agonia que lhes agita o sangue, mas é a ansiedade que lhes tira de verdade, a paz do espírito na sagrada hora de dormir. Enquanto não resolvem o que querem, o sono é um pouquinho de cada vez. Cochilos, sobressaltos e amanhecer de olhos arregalados.
Mas pra nossa sorte, aportou no Rio de Janeiro no início dos anos 20, século passado é claro, um jovem sonhador nascido na Ucrânia, naquela época uma república socialista soviética.
Chamava- se Adolfo Aizen. Apaixonado por revistas em quadrinhos, no início da sua vida profissional, perambulou por jornais e tabloides cariocas até conseguir a licença de impressão dos primeiros títulos americanos de quadrinhos, da King Feature Syndicate.
Foi um começo, pois conseguir títulos da Marvel Comics e DC Comics não era uma tarefa fácil pra iniciantes. Estas duas são as maiores empresas de histórias em quadrinhos de todo o mundo.
Nesta época, havia entre ele e o também sonhador Roberto Marinho, um embate saudável e produtivo, na concorrência para a impressão de gibis americanos, traduzidos para a nossa juventude.
Mas, nesta luta de SONHADORES, Adolfo Aizen foi mais competente. Em 1945, fundou a maravilhosa EBAL- Editora Brasil América Ltda., que se tornou o mimo de milhões de jovens brasileiros que adoravam as revistas em quadrinhos, os cobiçadíssimos gibis de aventuras.
Com um cabedal invejável e incomparável de títulos, dominou daí por diante, o mercado brasileiro e sul americano de gibis infanto juvenis, também com segmentos dedicados a adultos, românticos e público infanto juvenil feminino. Era uma festa no juízo da garotada, cada dia de lançamento das adoradas revistas.
Aos 12 anos, chegaram a minhas mãos, os primeiros exemplares de revistas em quadrinhos. Morava ainda em Barra do Mendes e dois jovens da minha cidade, não sei como descobriram esse filão de alegria e cultura. Começaram a pedir via reembolso postal, as revistinhas aínda em preto e branco. Ainda hoje me pergunto como eles descobriram o tal do reembolso postal. Mas o fato é que eles pediam e as revistinhas chegavam. Quase todas do universo cowboy e pistoleiros do velho oeste americano.
Roy Rogers, Zorro, Bill Elliot, Gente Autry,
Rex Allen, Durango Kid, Batman, Super-Homen, o mágico Mandrake, Tarzan o rei das selvas e mais uma centena de títulos do grandioso catálogo da nossa querida EBAL-.
Adolfo Aizen foi um dos meus heróis. Sem ele não teria conhecido uma das minhas paixões: Os gibis de aventuras e os seus aventureiros, que faziam a nossa imaginação viajar no tempo das doces ilusões.
Quando cheguei aqui em Morro do Chapéu, não encontrei nenhum garoto com este cio permanente de se encantar com os sonhos e as aventuras das revistinhas quadrinhadas. Foi um abandono forçado, mas assim que fui morar em Salvador, o namoro foi reiniciado. Tenho dezenas de gibis até os dias de hoje. Leio-os vez em quando pra matar as saudades.
Homens e mulheres sonhadores são empreendedores por natureza. Trazem em suas essências uma variedade de sentimentos que merecem admiração ou às vezes não. Podem ser violentos, desonestos, sensíveis, insensíveis, românticos, mas nunca preguiçosos. Filosoficamente pragmáticos, todos os sonhadores adoram empreender. Sem está gente, o mundo estaria ainda viajando em lombos de burros, ou em ruidosos e assobiadores carros de bois.
Homens de negócios não negligenciam mercados promissores. Estão sempre um passo a frente do consumidor. Se o velho Adolfo Aizen percebeu a potencialidade econômica dos gibis de aventuras, outros empreendedores também perceberam que se abria um mercado de vendas também no âmbito feminino.
As meninas, notadamente nos anos 60, eram românticas e sonhadoras, logo não lhes interessava ler revistinhas de vaqueiros e pistoleiros travando duelos nas ruas poeirentas do velho oeste.
E este outro segmento, ávido por histórias de amor e final feliz, estava prontinho pra gastar milhões de notinhas numeradas. Não se poderia desprezar este mercado, absolutamente.
A Itália é o país dos amores. É a terra abençoada de Romeu e Julieta. Acho que a fama é merecida e o cinema soube retratar esta quimera com louvor e competência. E foi de lá, que nos chegou ao final dos anos 50, as ditosas fotonovelas. Eram também histórias em quadrinhos, só que num formato inovador. Em vez de desenhos, a escolha acertada foi em mostrar fotografias em belíssimos preto e branco.
O catálogo tinha apenas quatro títulos mais famosos: Capricho, Ilusão, Grande Hotel e Sétimo céu. Mais elaborado que os quadrinhos desenhados exibia atores e atrizes nos mais belos lugares da belíssima Itália.
Alguns atores e atrizes de fotonovelas alcançaram o status de estrelas, até com a mesma importância do cinema.
O ator Sandro Moretti e a atriz Michela Roc se aqui chegassem naquela época, não iam poder sair às ruas, como turistas comuns.
Eram adorados por toda a legião de consumidores de fotonovelas.
Havia também um outro ingrediente de adoração permanente. Para não prejudicar os estudos, as moçoilas sonhadoras, faziam a leitura destas revistas às escondidas. Viciavam tanto quanto os quadrinhos dos rapazes. A solução era trazer as revistas dos cowboys e fotonovelas apaixonantes embaixo do colchão. Se os pais pegassem, poderiam levar um puxão de orelhas.
Hoje às fotonovelas desapareceram. Os gibis também tiveram o seu ciclo encerrado. De centenas de títulos, apenas um continua a povoar o já minguado espaço das bancas de revistas. É o gibi “Tex”, criado pelo italiano Sérgio Bonelli e o desenhista Alfredo Gallepini, com formato diferenciado, mas resistindo bravamente neste mercado que lamentavelmente, caminha para o desaparecimento.
Monica, Cebolinha, Cascão e Magali, acho que também tem seus dias contados.
Por mais que tentem a inovação, não podem remar contra a onda do ciclo de validade de tudo que existe. Infelizmente é assim que funciona o mundo de ofertas e procura. Apenas uma questão de tempo.
Os homens sonhadores, que trazem no sangue a vontade de ser um negociante de coisas, merecem o meu apreço e a minha admiração. São eles que fazem girar a roda da fortuna, criam empresas, geram emprego e renda. São os pagadores de impostos, quem movimentam a economia do estado.
É certo que neste mundo tudo tem seu prazo de validade e nos dias de hoje, o prazo de vencimento cada vez mais fica apertadinho. Hoje às pessoas se cansam de olhar as mesmas coisas com uma velocidade bem mais acentuada, que no tempo do papai e do vovô. Naturalmente que o mundo, jamais vai deixar de parir homens e mulheres visionários, de pés no chão e cabeça nas nuvens. Sem eles, sem criação e inovação, corremos o risco de perder o colorido e tudo voltar a ser um pedacinho de céu ou pedacinho de chão, em nostálgicos e saudosos preto e branco.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.