Os viajantes que por acaso ou necessidades, aportassem por aqui nos idos do início dos anos 60, certamente se deslumbraria com a visão adocicada que a nossa cidade, naquele tempo miudinho, oferecia. Muito frio, muitas flores, muitos colibris e muitos jovens no começo da faustosa vida estudantil. Se parado estivesse na antiga Praça do DERBA, admiraria o frenesi do entra e sai das máquinas e funcionários do órgão governamental que cuidava das estradas estaduais, curiosamente chamadas federais, se encantaria com a sua casinha de vidro ou se mais sorte tivesse, veria a algazarra juvenil da horda estudantil do Colégio N. S. da Graça nos preparativos para o adentramento da nossa amada escola. Mas se fome tivesse, o tempo era ainda das Pensões e as opções eram poucas. A pensão de dona Deraldina, a pensão de dona Merentina, a pensão de dona Rosa ou o hotel Vila Amélia de seu Peri onde hoje é a casa de miudezas Sérgio Variedades. A pensão de dona Merentina funcionava apenas como entreposto comercial. Fornecia apenas refeições e disponibilizava alguns quartos para dormitório. A pensão de dona Deraldina e a de dona Rosa, entretanto, eram pensionatos, vários alunos e alunas do Colegiado local, ficavam hospedados nas suas dependências durante todo o ano letivo. O hotel Vila Amélia, escondido sob as sombras de mangueiras e jaqueiras, abrigava caixeiros viajantes no seu labor ocasional e hospedes que já conhecia os seus domínios. Muito pouco eu aparecia por lá. Parecia mais um retiro do que um lugar de hospedaria. Nomino estes estabelecimentos porque naquele tempo eram os mais conhecidos. Na época, os restaurantes não tinham muito espaço por estas bandas. Digo restaurante puro e simples, um local de mesinhas e cadeiras com petiscos bebidas e comidas, garçons às vezes uniformizados abastecendo barrigas em troca de comandas e gorjetas. Coisas assim a gente só via no cinema de Luisinho da Sapataria, isto quando tinha filme pra exibição, ou em revistas que por cá aparecia. Uma pobreza de dar dó.
Mas a bola do sistema solar chamada terra, gira em translações colossais e aos poucos este tipo de segmento comercial, antes ausente, começou a dar as caras por aqui na terra da neblina. A cidade de uma quietude relevante, bucólica até, de uma hora para outra via a movimentação de máquinas e tratores para a mudança de terra amarela pra betume preto, e em 1974 o asfalto chegou. Cobriu a velha estrada pedregosa de costela de vacas com o tapete azul escuro e lisinho da mistura de britas com a borra do petróleo. E com as facilidades de andarilhar de pé ou motorizado, veio a oportunidade de fazer, trazer ou abrir negócios. E assim o segmento restaurantes, que a gente não dispunha em primazia, deu voz e vez na cidade dos cambuís, beija-flores multicores nominados colibris. O primeiro de relevante importância foi o nosso amigo Delmiro Miranda de Oliveira, o famoso chapéu de lado, conhecido como “Dega” Assim que o asfalto sentou sua faixa preta, nas terras do Pó-Só, ele sabidamente abandonou a guarida perto do posto fiscal, na corrente, e veio sentar praça nas margens da BA O52. Não poderia encontrar ponto comercial mais meloso. De tamanho de arregalar os olhos, disponibilizou atrativos pra clientes de 08 a 80 anos. Um pequeno zoo, uma sala de fotografias de amigos e artistas locais, artistas de fama nacional que o visitava e não demorou a grangear fama na Região inteira. Vir a Morro do Chapéu e não ir em “Dega” era a mesma coisa de ir a Roma e não ver o Papa. As portas do restaurante Pó-Só foram escancaradas Em 01 de agosto de 1975. O viajante que passar hoje pela BA 052 vai vê-lo de portas fechadas. Uma pena. Não me atrevo a querer saber os motivos. Ganharia só tristeza e nada mais. Na falta de evidências substanciosas, a pergunta certamente continuará sem resposta. No rastro do Pó-Só apareceu a Pizzaria Etrusco. Ficava na esquina do posto Pioneiro. Achava o nome estranho pra um lugar onde se comia pizza, macarrão e bifes, mas o dono era de origem italiana, mais precisamente da região da Toscana, antiga Etruria, por isso o gentílico Etrusco dava o nome da casa. Migrou para mais abaixo da Rua Antônio Balbino e lá continua até hoje. Desfruta de respeito e prestígio. E comum receber consumistas de cidades vizinhas cuja clientela afirma não ter na região comida mais deliciosa, bouquet mais delicado, local de maior agradabilidade. A Pizzaria agora Eusepio, é um luxo só.
Em 2013 a rua mais charmosa da cidade, a colorida rua do fogo, ganhou também um restaurante pra chamar de seu. Renato e Lurdes Bagano abriram as portas do caliente e aconchegante O Colonial. A proposta é de coisas da terra. Um grande e vistoso fogão de belíssimos azulejos brancos dá o norte do lugar. Comida caseira de extremo bom gosto. O filho Tino segura o leme da proa. Mais juventude, mais energia pra levar o barco. O Chalé Suisso, pro lado oeste da cidade, tem uma proposta de sabores europeus, mais aproximado das terras dos relógios precisos. Pequeno mas bastante acolhedor, tem nos sorvetes de sobremesa um chamariz pro visitante. Fundues de queijo e chocolate fazem parte do seu cardápio. Em janeiro de 2021, a praça do mercado de artes ganhou um concorrente de peso para a área gastronômica da terrinha de areias brancas. O restaurante O Coronel poderia ocupar com louvor o último grau ou posto da hierarquia militar, poderia ser O Marechal de tão bonito e agradável que ele é. Um piso lindão, graciosas mesinhas com tampos em mármore bege e um buffet completíssimo para as alternativas “A lá carte ou Self-Service”. Toilette como deve ser, música ao vivo nos finais de semana, O Coronel tá alinhado com os restaurantes de cidades de médio porte. Merece citação também O Sabor a Quilo na rua Tiradentes e o restaurante Machado na rua das árvores. Lá, mediante uma taxa única, pode-se comer até o arroz tapar a voz. Proliferaram sem consulta de demanda. Hoje estão espalhados pelas ruas da cidade, com a dúvida pendente na cabeça dos seus proprietários. Se vão durar por décadas ou se foram apenas apostas de quem estava a procura do que fazer. Desejamos-lhes sorte. Afinal vender pratos cheios de tempero sempre foi um bom negócio.
Mas se conjecturas fizermos a respeito deste segmento, também na capital do estado no inicio dos anos 70, veremos que guardando as devidas proporções daqui pra lá, a diferença não era tão alarmante. Senão vejamos: Em toda a extensão da baixa dos sapateiros, não havia um restaurante sequer. Havia o “Braseiro” na ladeira da praça, com mesinhas e cadeiras pro conforto dos clientes. Os outros em derredor, eram lanchonetes e os pratos descansavam no corrediço dos balcões. Não existiam shoppings, o bairro Pituba estava ainda em construção, erguiam-se ainda o Centro Administrativo da Bahia, a Fonte Nova, a Av. Bonocô, e posso afirmar com conhecimento de causa, que a insipiência deste segmento nos bairros era bastante relevante. Na Av. sete, também do corredor da vitória até o topo da Praça da Sé, não se via lugar com mesinhas e garçons servindo algo pra deixar as tripas mais cheinhas. Até com o surgimento de Diolino e suas batidas no largo do Rio Vermelho, era comum e chique as bandejas com petiscos e bebidas ficarem penduradas nas portas dos carros. Só os clubes sociais tinham seus restaurantes. Haviam inúmeros sócios para serem alimentados nos domingos e feriados. Os clubes Sociais, sem que eu tenha uma explicação plausível para o motivo, desapareceram. O único que resta é o Iate clube da Bahia. As embarcações naturalmente têm que ter um lugar pra dormir.
Os restaurantes mundo afora, estão se tornando puxadinhos domiciliares e puxadões comerciais. Como uma névoa silenciosa vão aos pouquinhos ocupando os espaços na vida de homens e mulheres do planeta. Um jovem casal de namorados, no comecinho da paixão, é no restaurante que ele vai levar a sua menina na primeira vez que saírem juntos. Nos dias das mães, o almoço não é mais na casa materna, a matrona não vai mais pra cozinha. No seu dia e no dia dos pais, os restaurantes estão lotados, apesar de aguardar a vez em longas filas de espera. No dia dos namorados, mesas graciosas e enfeitadas de rosas são disputadas por significativas notinhas de reais na caliencia dos amores, nos finais de ano, mesas são reservadas por empresas ou até o espaço inteiro do salão dependendo do número de funcionários. Noivos já não trocam alianças na casa paterna, Um local de mesinhas e cadeiras forradas ficam a espera de parentes e amigos para o Gran final. Grandes contratos ou acordos comerciais têm o martelo batido sobre mesas entupidas de canapés, whisky e vinhos cujo valor impressionam pelo monte de notinhas verdes. Reunião de amigos não é mais na casa de um deles. Vão todos para um lugar de comidas e bebidas, porque é lá nos dias de hoje que tudo acontece. Morro do Chapéu agora tem a diversidade gastronômica que precisa para atender, a seletividade dos mais apurados paladares. Desde o simplório sarapatel ou mocotó das barracas barulhentas da feira, até uma carta de vinhos envelhecidos, acompanhados de pratos de nomes estranhos e preços medonhos, mas de gosto adorado por barrigas e maxilares esfomeados. Há uma citação que diz: Tudo tem limites. Mas na hora do sabor da língua, ninguém quer colocar limites em tudo. Comer e beber é e será sempre com absoluta certeza, um dos maiores prazeres da humanidade.
Vem pra cá
Morro do Chapéu te espera.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.