Carlos Karoá escreve: ‘OS PROFESSORES!’

Aos 29 de outubro de 1967, a Columbia Pictures lança em Londres, a maravilhosa fita cinematográfica ‘To Sir  with Love”, cujo título aqui no Brasil era e é, Ao mestre com Carinho.

Encabeça o elenco o ator afro descendente Sidney Poitier.

Americano, nascido em 20 de fevereiro de 1927 em Miami, estado da Flórida, o jovem ator dá um banho de interpretação, vivendo um professor determinado a mudar os pensamentos negativistas de uma classe de jovens rebeldes, de uma escola do subúrbio de Londres. O filme embora belíssimo e emocionante, não foi laureado com o Oscar daquele ano. Nesta premiação, nem sempre a estatueta vai para as mãos merecidas. Coisas de Hollywood.

Mas, a canção tema do filme, executada magistralmente no apagar das luzes pela também aluna, a cantora escocesa Lulu, ganhou o mundo como símbolo emblemático de alunos rebeldes, todavia devotados milagrosamente a seu mestre. O filme é simplesmente maravilhoso.  Lindo de viver.

O início dos anos 60 foi a porta visionária do que seria aquela geração.

Transviada até certo ponto, rebeldes por natureza, mas na sua essência extremamente responsável. Foi baseado nestes fatores, que o britânico James Clavell adaptou o seu roteiro para as telas do cinema. O resultado foi belíssimo, uma obra de arte purgada das câmaras de filmagem. Um tempo de puro êxtase pra quem gosta de criatividade holográfica nas paredes dos cinemas.

Aqui por estas plagas frias, também tínhamos os nossos adorados professores. O corpo docente do Colégio Nossa Senhora da Graça, era de fazer inveja à turma lá do subúrbio de Londres.

Eram estes, os professores laureados com o Oscar das minhas recordações.

Tentando tenazmente enfiar na minha cabeça, fração aritmética e regra de três, estava na ponta da régua, dona Bebete Vasconcelos. Séria, competente, com um sorrisinho lá longe, pra não nos deixar com medo, fazia o seu ofício com extrema maestria. Um luxo ter aquela senhora externando os seus conhecimentos matemáticos na frente das carteiras.

Para os acertos simétricos das linhas, tínhamos a professora Edelita Alves, titular absoluta da carteira de desenho.

Pontualissima, extremamente carinhosa com seus alunos, recebia em troca o nosso apreço e as manhas de alunos mal acostumados. A nossa querida Pró Edelita Alves, deixou também rabiscos de saudade, no coração dos seus discípulos.

Nossa autoridade maior na sala de aula, na hora dos ensinamentos de história geral, era a pró Zenita Alves. De baixa estatura, se tornava colossal quando estava a transitar na frente da turma, ministrando o seu ofício. Não tinha a complacência da irmã Edelita, mas também não inspirava os tremores dos mestres durões. Elegância, competência e muita responsabilidade no desempenho das funções. Todos nós adorávamos a pró Zenita e adoração de aluno é coisa que nunca se acaba.

O barco geográfico tinha no leme a elegantíssima e catedrática Irene Gomes. Conhecedora da área que nos ministrava, a pró Irene tinha algo mais a nos mostrar, que relevos, acidentes geográficos ou limites de fronteira. Na sua elegância, na sua visualidade, nos dizia que a aparência é chave de abrir portas, é distinção no lugar comum, é a diferença na hora da somatória de pontos. Por várias vezes em suas aulas, nos acolhia com ensinamentos sociais, muito além dos mapeamentos da geografia. Tinha e terá sempre, o meu respeito e a minha admiração.

O Timão da matéria História do Brasil, tinha o norteamento do pulso forte da mestra Eliete Gomes, esposa do advogado Renato Passos. Discreta, de fino alinhamento, os ares da competência caminhavam em sua volta.

Impingia respeito aos seus alunos, mas dirigir-se a dona Eliete para dirimir dúvidas, não era uma tarefa intratável. Uma misantropia que poderia nos dar medo, mas, sociável, dona Eliete era um mimo no cumprimento dos seus deveres de pedagoga. Uma honra ter sido um dos seus discípulos.

O professor Manoel Pedro da Silva, para mim, era o cidadão mais importante da vida social da casa de ensino Colégio Nossa Senhora da Graça. Arrisco a dizer, que em toda a cidade era ele a pessoa mais envolvida socialmente com a juventude. No campo das obrigações, atuava em todas as posições com admirável destreza. Às cinco da manhã estava de pé, na função de educador da parte física da garotada. Nos turnos matutino e vespertino ensinava francês e inglês. Diretor social, fazia a ponte entre alunos, professores e diretores do colégio, com a servidão invejável dos que nascem para a equação das adversidades. Também presidente da Sociedade filarmônica Minerva, cuidava dos festejos anuais da cidade e da manutenção do corpo de músicos da entidade. Incansável, cuidava do grupo de teatro, foi o maior responsável e incentivador pela criação do conjunto “Os Paqueras” e na elaboração dos projetos que lhes dava a visão de quebra de rotina e crescimento existencial dos seus alunos. Culto, pragmático, nem sei mensurar o quanto ele foi importante para os anais históricos da cidade de Morro do Chapéu. Uma honra ter sido seu aluno.

Nossa professora de português, a pequenina Judite Arlego Gomes, era uma gigante sem pernas de pau. Os umbrais por onde passava, se tornavam estritos diante da grandeza daquela docente.

Dona Judite foi a personalidade educadora mais importante nos anos em que exerceu o seu ofício.

Maestrina, conduzia com genial capricho o coral do colégio, com um amor ao canto vicejando pelos poros. Instrumentista, fazia da sua pianola modesta, uma fonte docíssima de sonoridade. Adorava dançar, tinha em mim um fiel parceiro em todas as festas.

Domínio completo da língua portuguesa, fui seu aluno, se não aprendi as vicinais do idioma, não lhes cabe culpa. Falta de eira e beira no cérebro deste seu parceiro de rumbas e boleros. Nós, alunos daquela época, tínhamos por nossos mestres profundo respeito. Alegria no adentramento das salas de aula, atenção no tempo dos ensinamentos e se os encontrássemos fora dos portões da escola, o procedimento padrão era de respeito e reverência. Tínhamos o apreço pela disciplina e aprender a ser alguém na vida era desejo que não nos abandonava.

Acho que não houve desvios de conduta em praticamente toda aquela geração.

Alunos caríssimos do para sempre amado CNSG.

Dos mestres citados, dona Bebete, professor Manoel Pedro e a pró Judite, habitam e certamente com o Laurel dos arcanjos, os templos do infinitismo, mas milagrosamente são citados como se ainda vivessem aqui, na nossa terrinha da garoa.

Não há profissão mais nobre que a de ensinar, as primeiras letras.

A devoção dedicada a eles, era e é merecida, justa e prazerosa. Beirava a veneração.

É lamentável saber, que vez em quando não tiveram o apreço merecido, mas a unanimidade nós sabemos, não habita os ares deste mundo.

Meus respeitos aos professores brasileiros, neste país onde a educação é afrontada diariamente por seus governantes. Com o absolutismo da certeza, onde a caneta e o lápis tem menos valor que um título de eleitor, corrigir provas nesta terra, é simplesmente um devotado ato de amor.

 

 

Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.

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