Carlos Karoá escreve: ‘Os Fotógrafos’

BRASIL DIA-A-DIA ENTRETENIMENTO MORRO DO CHAPÉU REGIONAL

George Eastman era um aficionado por fotografias. Capturar imagens era o seu propósito de vida. Nascido em Waterville, estado de Nova York em 1854, com vinte e seis anos de vida, desenvolveu um papel que podia absorver a emulsão fotográfica e assim abriu a possibilidade da criação do rolo de filme para o uso em série de máquinas de fotografias. Em 1889 fundou a KODAK, a maior empresa ligada a fotografia de todo o planeta. Seu slogan era: You pres the Button, we do The rest” Você aperta o botão, nós fazemos o resto.

 

Através das suas extraordinárias maquininhas de capturar imagens vivas, popularizou os graciosos retratos que viraram febre em todos os continentes. A KODAK, porém cometeu um erro crasso no mundo dos negócios. Não acompanhou os tempos, negligenciou a era digital, não inovou e em 2012 abriu falência. Cerrou as portas depois de 123 anos de trilhões de clicks das suas apaixonantes máquinas de revelar imagens de lugares, coisas ou pessoas que estivessem do outro lado das lentes.

 

A prática fotográfica é fascinante. Aquele click de segundos, desperta uma paixão tão rápida e forte como o ir e vir do botãozinho quando é prazeirosamente acionado. O processo de captação das imagens nos traz inquisições, ansiedade e a curiosidade pelo produto final. Sendo hobby ou profissão, a sensação de agradabilidade é a mesma. Curiosamente quando aqui cheguei, lá pelos idos de 1965, havia dois fotógrafos que faziam deste ofício o pagador de contas. Digo curiosamente porque ambos tinham o mesmo nome. Eram eles o seu Edvaldo Alves Menezes, o seu Valdinho de dona Hilda, e o Sr. Florisvaldo Pereira de Souza, o seu Valdinho de dona Vanda. Por associação eu considero os fotógrafos, Arautos urbanos sem prazo de validade. Com as suas maquininhas de gravuras, podem anunciar um ato, um fato, um lugar, uma coisa, um ser humano, numa imagem virtual que podem durar pro resto das nossas vidas. Eram eles nesse tempo, ainda relativamente jovens para a refrega cansativa que a profissão impunha no dia a dia da labuta. O Morro do Chapéu nesta época era uma cidadezinha provinciana, sem lojas de insumos para a profissão, sem profissionais de manutenção, sem aparato fotográficos, sem novidades para oferecer ao cliente, sem nada de oferta a não ser o tamanho do cartão de papel como a única e generosa opção. O tamanho 3×4 servia apenas para oficializar cidadania. Estampavam carteira de identidade, carteira de trabalho, certificado de reservista e carteira estudantil. Coisas que não mexiam com o sentimento do bem querer. Mas estampar o rosto ou mostrar-se de corpo inteiro, em paisagens floridas, lugares lindamente urbanizados ou em natureza de primada exuberância, era com certeza para mais tarde povoar de letrinhas o lado branco do retrato com pontinhos, vírgulas e reticências de amizade ou quem sabe um amorzinho em começo de paixão. Poderiam ser fugazes ou também poderiam durar para todo o sempre. Documentavam tudo que lhes era solicitado, desde a fachada da loja até a compra do carro novo, mas era na época das festas populares, comícios políticos e períodos escolares que seus préstimos ganhavam status de estrelas. Mais gente, mais trabalho e consequentemente mais dinheiro.

 

A fotografia impõe ambiguidades de interesses nos lados envolvidos, isto naturalmente porque o produto negociado é a “imagem”. Quem fotografa quer ver o resultado pela recompensa financeira. Quem se deixa fotografar quer ver o resultado para a avaliação de cessão de sua própria figura. A fotografia e a música são as únicas coisas capazes de carregar nas suas essências a magia da atemporalidade. Uma foto, vista anos depois revelará as mesmas emoções de quando foi vista pela primeira vez. Uma audição musical se relembrada anos depois, ensejará a mesma emoção de outrora ou talvez mais ainda. Por sermos vizinhos, tinha mais achego com o seu Valdinho de dona Hilda. Vez em quando eu o inquiria a respeito da profissão e percebia seu conhecimento seguro no quesito dar um click na KODAK. Falava das nuances de tonalidade, brilho e cor, da distância segura para uma foto de boa resolução, da capacidade da máquina, da qualidade do filme, da incidência da luz e dissertava tudo aquilo com orgulho e conhecimento de causa diante de um leigo tipo eu. Fazia a dissertação sem pompa, apenas falava. Simplicidade, elegância e humildade sempre foram qualidades do meu amigo Valdinho de Hilda. Do outro Valdinho, o de dona Vanda, eu pouco sabia dos seus defeitos ou das suas virtudes. Via-o sempre em passos apressados, no labor diário de quem tem responsabilidades. Estrutura mediana, um pouco calvo, ausência total de gordurinhas, era autodidata em educação e bom humor. Se dirigisse seu olhar pra alguém também lhes dava seu sorriso. Na indumentária era vezeiro num paletó lhe escondendo os braços, fosse de brim ou de linho, mas sempre primando pela elegância. Ambos se notabilizaram pela decência e honestidade e assim criaram os filhos para serem homens e mulheres de ilibada honra.

 

Do primeiro, os filhos Dagoberto, Carla, Carlane e Cláudia. Do segundo os filhos Edvaldo a quem chamamos de Lourinho, amigo e colega de sala do Colégio N. S. da Graça, Deni de saudosa lembrança, Emilsom, conhecido popularmente como Baixão e quem primeiro desfilou pelas ruas com seu cabelo tipo Black Power, e a belíssima Dina, por quem e por todos tenho apreço e amizade. Pela singularidade do ofício, me pego a fazer comparações, conjecturar a respeito, mensurar quantidades e imaginar emoções. Hoje, vemos nas redes sociais fotos de logradouros com acentuado saudosismo, coisas dos anos 60 e 70, documentados com relevante primorismo: A praça do DERBA cheia de alunos do Colégio N.S. da Graça, a imensidão gramada da praça da Bandeira ainda sem urbanização e até terrenos baldios que hoje viraram ruas repletas de moradias e lojas. Rever os lugares de antes, com os seus limites de época, rudimentares pela fronteira do tempo de poucos recursos, nostálgicos até, mas de doces lembranças para nós. Foram as máquinas destes homens, no seu labor diário que nos legou tudo isso. Quantos momentos marcantes de nossas vidas foram eternizados por estes profissionais, quantas dedicatórias de amizade ou amor sincero foram gravadas nas fotos por eles reveladas, amainadas por imagens purgadas da devoção dos seus ofícios. Álbuns de casamento, noivados, namorados, encontro de amigos, visitas familiares, enfim, um leque inimaginável de possibilidades, uma mandala sem fim de coisas do coração. Reverencio respeitosamente seu Florisvaldo Pereira de Souza, reverencio respeitosamente seu Edvaldo Alves Menezes pela servidão social e importância documentativa dos seus labores. Pra seu Florisvaldo Pereira os meus respeitos sinceros esteja o senhor onde estiver. Pra seu Edvaldo Menezes a alegria de vê-lo vez em quando pelas ruas da cidade, ainda dirigindo seu Corcel I azulzinho com a pintura nos dizendo me socorra me ajude, mas vai indo, lindo leve e solto como diz a música. Ícones da sociedade Morrense, todos têm por eles, profundo respeito e admiração. Hoje os celulares fizeram de cada um de nós, entusiastas fotógrafos. Basta apontar, enquadrar dar um click e voilá, o retratinho já tá pronto. Prático, rápido, colorido e eficiente. Mas magia mesmo, só naqueles cartõeszinhos brancos que a gente tirava na KODAK. Eternizaram vias, ruas becos e praças com a nostalgia que ainda nos dar prazer de ver de novo, ver novamente, tornar a passar o olho, passe o tempo que passar, dure o tempo que durar, pra viver, pra sorrir, e quem sabe talvez, também para amar.

Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.

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