OS FESTIVAIS
O jornalista Zuza homem de Mello, especialista em canções da Terra Brasilis, meteu na cachola que em algum lugar deste país, era hora de se organizar festivais de música popular brasileira. Com o tema lhe tirando o sono, levou a proposta para a antiga TV Record e a aceitação foi imediata. Corria os anos de vanguarda no planeta, os incríveis anos 60. O primeiro deles foi em 1966, ainda com arestas contundentes cutucando o juízo dos organizadores, mas apesar dos perrengues do ineditismo, o festival foi um sucesso de tudo: Público, financeiro e qualidade musical. O vencedor, Edu Lobo, encantou os batedores de palmas com a emblemática toada “arrastão,” defendida por Elis Regina.
Daí pra frente para se organizar os próximos festivais, já se conhecia as vielas e becos de patrocinadores e premiação, já não havia mais cancelas travadas e eles fluíram como peças ensebadas, evidentemente mais fáceis de serem paridos.
O segundo confronto de composições musicais populares, trouxe para delírio da platéia, na maioria estudantil, o jovem Chico Buarque com a canção “A banda”. Nara Leão, a voz defensora, também era contemporânea daquela geração. A marchinha “A banda” venceu mas Chico Buarque confessou que a noviça “Disparada” defendida por Jair Rodrigues merecia a Pole Position da competição. Evidentemente vivíamos tempos de positivismo e sensibilidade poética. O ágio ou a usura pessoal, não tinha a mesma relevância do altruísmo que habitava as cabeças dos jovens daquela época.
Em outubro de 1967, mais precisamente no dia 21, o Brasil despertou em conversas matinais, para a existência de dois Bahianos de frontes luzidias, tentando abiscoitar o primeiro lugar do III festival da canção popular mais uma vez promovido pela TV Record. Eram eles Caetano Veloso e Gilberto Gil. Perderam nem sei se merecidamente, para o agora bi-campeão Edu Lobo e o nosso José Carlos Capinam, com a verve musicada “Ponteio”. Edu Lobo e Marília Medalha, mostraram como dar um recado musical, sem a necessidade de gritos ou apelos corporais. Caetano e Gil, tomaram a dianteira da lavra musical brasileira, apesar da fuga do primeiro lugar, na contenda de harmonias. Hoje, brilham como astros de primeira grandeza nesta Seara de notas musicais. Era ali, o início do tropicalismo, movimento musical inovador, bem distante da concepção musical conhecida por quem fazia ou por quem gostava de ouvir música. Coisa que só mesmo bahiano sabe fazer.
A palavra festival nos remete a alguma coisa a ser conquistada. Pode ser gastronômico, com fogões acesos pra matar a fome e a curiosidade culinária do que tá na mesa a nossa espera, pode ser cinematográfico com milhares de metros de fitas de cinema guardadas em rolos adornados de preciosidades, pode ser musical com competidores se esmerando em letras e harmonias carinhosamente concebidas, ou vendendo o clima do lugar chamando de festival de inverno, que é o nosso caso nessa gastança de letras.
Em 1975, o então prefeito da urbe gelada, Odilésio Gomes, depois de bisbilhotar por este Brasil Afora, viu a possibilidade de se vender de forma corajosa, as benesses climáticas e atrações chamativas da cidade que lhes acolhia como chefe. Usando o prestígio político que tinha na manga, ou no punho, trouxe da capital do estado alguns deputados, secretários de gabinetes importantes, mais o cacique do palácio de Ondina, o então governador Roberto Santos e a sua digníssima esposa dona Maria Amélia Menezes. Com apresentações culturais tipo coral cantante, exposição de artesanato local e palestras com vistas à implantação do polo cafeeiro da região, este primeiro empreendimento festivo, chamado de festival de inverno, foi o embrião para as articulações de agricultores, visando semear café nas terras frias da chapada, no entorno de Morro do Chapéu e na hoje cidade do Bonito. O vetor festival parece que deu certo e hoje se tornou uma grata e promissora realidade.
Com as rédeas da prefeitura local balançando nos dedos, o então burgomestre Aliomar Rocha, decidiu em 2008, uma nova investida cultural promovendo o segundo festival de inverno na cidade do frio. Com um pé nas raízes do primeiro, vendendo o clima, as belezas naturais, a cultura local e atrações perimetrais da cidade, trouxe para maior imponência festiva, o cantor pantaneiro de estilo folk Renato Teixeira e o insigne populesco Guilherme Arantes. E, num complemento de harmonia natural, a música local foi representada pela cantora Neide Vital e o Band leader Lucas Brito. Não estava presente, mas, tenho notícias de que também está iniciativa, teve êxitos relevantes.
Buscando claramente um protagonismo neste lado da chapada Diamantina, nos dias 5, 6 e 7 de agosto de 2022 e esta data está nominada apenas para servir de registro da história morresse, a Alcaide de Saias Juliana Araújo, promoveu evidentemente com ajuda alheia, o III festival de inverno da cidade frienta. Não houve arremedos dos festivais passados. Imprimiu sua marca de personalidade forte, deu cara de modernidade, vestiu a urbe gelada de atualidade e luzes para se mostrar mais chamativa e bela prós gentios e visitantes que haveriam de aparecer. E eles vieram aos montes. Abarcaram-se em hotéis, pousadas e casas alugadas, numa ocupação flutuante nunca vista na cidade. Fez uma cópia em escala diminuta das coisas e peças de exibição que permeia a capital do estado, em época de anarquia oficialmente permitida, tipo carnaval e festas de Largo. Deu um banho aquecido de administração, visando o potencial turístico adormecido, numa letargia até certo ponto, difícil de aceitar.
Não é sensato negar a capacidade criativa da Xerife de Saias. Com uma equipe diplomada em festins urbanos, mostrou competência, zelo e determinação para receber os elogios merecidos. Estava clarificado que os mínimos detalhes foram pensados.
Atrações musicais pertinentes com o orçamento da cidade, valores de locação de barracas, entretanto proibitivos se considerarmos que nem todos tinham ou tiveram as mesmas oportunidades.
Cessão de espaços para quem de forma justa, está ajudando na mandala de atrações que a cidade de hoje, pode oferecer aos seus visitantes.
Enfim, o III festival de inverno da nossa casa geladinha, mereceu aplausos. As arestas e erros cometidos serão reparados a cada edição de martelo batido. As metas certamente foram alcançadas. Perambulando pelo circuito da folia, só ouvi elogios e considerações positivas. Ano que vem, tô na pista pra ver nova marcha musicada da Rural Elétrica, um troço que ainda não tinha visto, mas achei lindo, pra ver os palcos bem iluminados, também os espaços alternativos arrodeados de gente animada e participativa, de camarote para gosto mais distinto, mais cheio de esmero.
Ano que vem esperamos mais.
Mais tudo, porque matéria prima pra vender festival de inverno, Morro do Chapéu tem sobrando nas eiras e beiras da sua história.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.
Carlos você é meu ídolo, inconteste, agora permita me dizer que o segundo festival de inverno foi um verdadeiro fiasco, em que pese a participação de nomes de mais alta casta da canção brasileira (Renato Teixeira e Guilherme Arantes)da nossa amada Neide de Vital e o magistral Lucas Brito para a comunidade morrense ficou a pecha da desorganização e do prejuízo para alguns comerciantes locais, afirmo de cátedra.