Carlos Karoá escreve: ‘ O REI NA POUSADA DAS BROMELIAS !’

A mãe de Berenice levantou o cobertor que a cobria por inteiro e deu uma cutucada em sua testa

–Berenice, Berenice, chamou decidida,

  Tá na hora.

A menina de olhos esmeraldinos abriu as pálpebras resoluta e pulou da cama.

Era seu primeiro dia de trabalho como recepcionista na Pousada Ecológica das Bromélias, o hotel mais deslumbrativo e chic da cidade. Cidade de Morro do Chapéu na chapada Diamantina.

Tinha passado por uma semana de treinamento intensivo e sabia de cor e salteado as palavras mais relevantes do bom atendimento. A cantilena era mais ou menos assim: Pois não senhor, muito obrigado, será um prazer, sinta-se a vontade, esperamos vê-lo novamente, volte sempre, Patati Patatá, aquelas coisas que sempre ouvimos, de quem quer nos ver de novo, deitado em seus branquissimos lençóis.

Berenice nem tomou café direito. A agonia e a ansiedade lhes tirava a fome.

Envergou o uniforme de um amarelinho claro esvoaçante, com uma saia grená ululante, com um corte num dos lados da perna, para deixar os hóspedes felizes e bem mais a vontade. A consciência maior de Berenice naquela hora era o seu horário de trabalho. Pegava às dez da manhã e largava às seis da tarde, bem na a hora da ave Maria. Hora do ângelus. Nem sabia se dava tempo rezar. Na verdade, rezar era uma coisa que ela não sabia.

Antes das dez da manhã, Berenice estava lá a postos, pronta para o seu primeiro dia de trabalho. A colega que tava deixando o posto, foi contundentemente simpática, deixando a menina extremamente confiante. Bem em frente, na mesinha onde se sentaria, um cartão com os telefones de quem poderia tira-la de apuros: O gerente da casa, o encarregado de serviços diversos e do proprietário, o Sr Luís Olímpio Ribeiro, egrégio filho do velho Akisakof Ribeiro, o polpular “seu Bizunga”.

O dia foi de tranquilidade e paz. Algumas entregas de chaves, pequenas encomendas e recebimento de mercadorias, nada que a esperta atendente não pudesse resolver. Contudo, no finalzinho da tarde, quando o lusco fusco da noite estava pertinho de chegar, um Oldsmobile azul, lindo lindo, adentrou os portões da casa de dormir e sonhar. De onde estava, na escadaria de entrada, a garota fardada acompanhou a Chegada e o estacionar da nave de quatro rodas. De queixo beirando os peitos, esperou ansiosa a saída do dono do bólido da cor do céu. A porta demorou alguns minutos para se abrir. Berenice estava encantada com a beleza do carro. Nunca tinha visto um igual ou parecido. Era um carro antigo, mas doía os olhos de tanta beleza. E a porta finalmente se abriu e de lá, emergiu um vulto mediano, usando calças jeans azul celeste, camisa azul claro com mangas dobradas acima dos cotovelos, um largo cinto negro com fivela prateada, usando botinhas pretas reluzentes e tapando boa parte do rosto, um diferente e certamente caríssimo par de óculos de lentes apertadas e brilhosas pra dedéu. Trazia nas mãos apenas as chaves do carro, nada mais. A afobada atendente correu para o seu posto na recepção. Estava ansiosamente e capacitadamente pronta para receber o misterioso visitante.

Assim que ficou diante do balcão de atendimento, o homem bem vestido olhou em derredor, como se quisesse saber onde estava, só depois cumprimentou a menina ainda de queixo nos peitos, diante da aura do distinto hóspede.

Ola, tudo bem com você? Disse ele com a vozinha já bem conhecida de todo brasileiro.

Tudo, _ Berenice só conseguiu dizer isto.

Procurou palavras pra iniciar a conversa, mas por todos os infernos a voz não saía por mais que ela se esforçasse.

Foi vendo o destrambelhamento da garota que o visitante resolveu ajudar e sugeriu:

Você poderia ver pra mim, qual o número da minha suíte? A reserva foi feita em nome de Roberto Braga.

____. Ah sim eu vou olhar aqui. Conseguiu desembuchar por fim. Abriu a tela do computador e começou a procurar.

Roberto Braga, Roberto Braga, ah tá aqui, achei, disse ela olhando sorridente com ar de vitoriosa,. Suíte Green máster com visão ecológica para as matas do po-só, um luxo, a melhor que nós temos.

Aí começou a pensar em voz alta: Roberto Braga, Roberto Braga, e resolveu tirar a dúvida.

_O senhor tem outro sobrenome ou é só Braga mesmo? Inquiriu olhando os olhos do visitante.

_Tem, mas a reserva foi feita só neste nome mesmo, respondeu ele já aflorando nervosismo.

Ela ia continuar a dissertar as belezas da visão do quarto quando o bichinho da inquisição resolveu golpear mais uma vez a cabecinha de brisa da garota, que naquela hora era intenso vendaval. Ela tinha neurônios suficientes para discernir e resolver problemas e foi assim que começou a juntar as coisas.

Roberto Braga, Roberto Braga, sabe disse ela, o senhor tá parecendo uma pessoa que eu conheço. A voz, o rosto, teve um leve susto e perguntou:

_O senhor é Roberto Carlos né? Acertei?

_Acertou, agora me dê a chave que eu quero dormir um pouco, to muito cansado.

A ideia era estapafúrdia, mas verdadeira. O cidadão parado ali diante dela, era nada mais nada menos que o rei de todas as Américas. O admirável, o incrível, o inimitável Roberto Carlos, o maior cantor brasileiro de todos os tempos.

_O senhor me espere aqui, volto logo.

Disse ela e sumiu na primeira porta que achou.

O cantor que estava em segredo visitando a chapada diamantina, resolveu ficar na porta da estalagem, olhando a paisagem já um pouco enegrecida pelo cair da noite, enquanto esperava a recepcionista dar o ar de sua graça. Berenice chegou à cozinha já gritando: Gente gente corre, Roberto Carlos tá lá na recepção. As pessoas, homens e mulheres que lá estavam cuidado de seus afazeres, apenas olharam para ela e voltaram a cuidar do que estavam fazendo. Alguém até rodopiou o dedo indicador no ouvindo, insinuando que ela estava ficando maluca.

Percebendo que ninguém iria acreditar nela, saiu pelos corredores anunciando para arrumadeiras, copeiras, motoristas, hóspedes e quem mais aparecia na sua frente, que o rei Roberto Carlos, estava lá na recepção da casa. Não podia falar com o gerente porque ele tinha saído e o chefe de serviços gerais já tinha ido embora. Berenice começou a entrar em desespero. Será que ninguém iria acreditar nela? Aí lembrou do dono da casa, Sr. Luís Olímpio. Ele ia adorar saber que o rei Roberto Carlos tava pisando os ladrilhos lá da sala de atender visitas.

Pegou o celular e usando a maravilhosa tecnologia zapiana, fez a chamada telefônica.

O telefone chamou várias vezes até cair a ligação. O chefe não atendeu. Ligou de novo mas o resultado foi o mesmo.

Ela não sabia, mas o patrão, conhecido como o galã da rua do fogo, sempre passava uma temporada em Salvador, porém desta vez, seu destino tinha sido bem mais lambuzado de mel. Naquela hora estava em Paris, mais precisamente na Rua Honoré de Balzac, num elegante café parisiense, perto dos Champs Elysées, jantando com a digníssima esposa. Era aniversário de casamento e os dois resolveram gastar parte dos euros há muito tempo, guardados embaixo do colchão. Não iria atender evidentemente. Tinham coisa melhor pra fazer.

Já em aflição de juízo, doida pra dividir com alguém a tremenda singularidade, procurou os telefones das rádios Diamantina e Brilhante FM para contar a radiosa raridade. “O rei Roberto Carlos na terra do frio”.

Ligou primeiro para a rádio Diamantina, mas não teve resposta. Tentou com dedos em tremedeira o contato da Rádio Brilhante FM e desta vez alguém atendeu:

_Alô Rádio Brilhante FM em que posso ajudar?

_Alô, Berenice gritava, olha Roberto Carlos tá aqui na pousada de seu Luís e eu queria que alguém viesse aqui pra fazer uma entrevista.

_seu Luis? Quem é seu Luís? Respondeu alguém do outro lado. E esse Roberto Carlos é aquele que jogou no Real Madrid ou é o que canta esse cara sou eu?

_Seu Luis é aqui da Pousada das Bromélias. E eu não se ele jogou no Real Madrid. É aquele do fim do ano na Globo.

 Vem logo, daqui a pouco ele vai dormir e aí só amanhã.

_Ta bem, o rapaz do outro lado da linha pareceu acreditar e informou. Tá bem daqui a pouco tamos chegando aí. E desligou.

Berenice correu pra recepção e foi logo se desculpando com o hóspede, naquela hora já um pouco impaciente. Disse que tava na correria para arrumar tudo e sem nenhuma cerimônia soltou essa imprecação inquisitiva:

_Seu Roberto, o senhor já jogou no Real Madrid?

O senhor dos palcos balançou a cabeça negando o fato, não sem antes sorrir gostosamente como se estivesse entendendo a ingênua ignorância da garota.

Berenice agora mais calma, na esperança de aparecer alguém da emissora de rádio pra fazer a entrevista, desejando também aparecer pelo menos como coadjuvante, solicitou a documentação do rei para os primeiros passos, no processo de acolhimento do hóspede.

Anotava um nome e cantarolava–como é grande o meu amor por você

Anotava um número e cantarolava–como é grande o meu amor por você

Anotava uma data e cantarolava–como é grande o meu amor pra você

De repente recebeu uma sacudidela nos cabelos que a fez arregalar os olhos e levantar o corpo como se fosse catapultada por alguma coisa. Estava na cama ainda. Sua mãe reclamava já sem muita paciência.

_Acorda que tu já estás atrasada. Suas colegas estão te esperando aí na porta.

A garota dos olhos de esmeraldas percebeu por fim que estava sonhando e desandou a dar risadas.

Ria feliz. Pelo menos no sonho, tinha conhecido o rei Roberto Carlos bem de pertinho. Pelo menos isso.

E que tudo mais vá pro inferno ô ô ô

Cantarolava!

E que tudo mais vá pro inferno

Ô ô ô…. 

Carlos Karoá,

…amante de música e cinema também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970 deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje, aposentado, retorna a nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.

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