Carlos Karoá escreve: ‘O DISCO VOADOR – Uma aventura da garota Berenice.’

O silêncio é o visitante contumaz das madrugadas. Nestas horas a humanidade dorme e os animais em vigília de sobrevivência, cochilam quietos como as folhas do pendão, em tempos de pouca ventania. Quase todos dormem. Alguns trabalham, outros namoram e alguns milhares roubam, porque o manto sinistro da noite pode esconder as mãos de dedos enluvados dos ladrões. O brilho fulgurante da luz é o contraste do breu profundo, da pávida escuridão e numa noite desta, de negrume como o azeviche, a moçoila Berenice, escutou um zumbido distante, mas perseverante como se estivesse chegando mais perto, como se seu destino fosse um lugar bem próximo de onde ela estava. Só escutou porque tinha acordado para ir ao banheiro, pois a hora naquele instante, beirava às três da manhã, do dia que já vinha vindo.

Berenice estava curiosa, de ouvidos vigilantes, quando repentinamente no vidro do basculante, um reflexo de luz azulada começou a lamber incisivamente com a precisão de um giroflex dos carros de polícia. A menina não sentiu medo, apenas curiosidade e ato seguinte abriu vagarosamente a porta dos fundos e saiu no quintal pra ver o que tava iluminando insistentemente o vitrô da janelinha do banheiro.

A casa da heroína de saias se apruma no chão de uma lateral do Parque de Exposições, área relativamente pouco habitada por isso a coisa que estava emitindo aquela luz azulada, devia ter escolhido aquele local para o pouso. Naturalmente para não chamar atenção.

Há alguns meses passados, a prefeitura local tinha inaugurado uma atração turística na cidade. Tratava-se de uma réplica em tamanho diminuto de um OVNI. Com iluminação fantasiosa e chamativa, a Alcaide de Saias fez uma festa política, aliás, peculiar em quase a totalidade de todos que se sentam nas cadeiras mais lustrosas e generosas, das Metrópoles brasileiras. Foi uma festa noturna, um reslumbrar apoteótico de um disco voador tremelusente, na urbe mais bonita e mais fria da chapada Diamantina, a nossa amada Morro do Chapéu.

Centenas de postagens nas redes sociais inundaram os céus do planeta, documentado, informando, exibindo e assim nestes moldes, um feixe de ondas hertzianas devia ter sido capturado por eles, moradores dos confins da via láctea e curiosos, mandaram uma nave investigar. Só podia ser isto.

A nave que pousava naquela hora, escondida no capinzal do terreno vizinho da casa da garota curiosa, era apenasmente fascinante. Deslumbrante até. O desenho físico do aparelho tinha linhas parecidas com a do antigo avião anglo-francês “Concorde” que por razões econômicas deixou de operar nas linhas aéreas de todo o mundo. A luz azulada no topo da cauda continuava a piscar ininterruptamente. Outras luzes de cores difusas se apagaram assim que o pouso foi concluído. A garota Berenice estava perplexa. Deu uma beliscada em seu braço pra constatar que não estava sonhando. Dizia pra se mesma, em estado de estupefetacão crônica, que o disco voador lá da praça era de mentirinha, mas esse que agora pousava quase sem barulho algum, era de verdade, apesar de não se parecer com um disco e sim com uma fabulosa flecha voadora.

As luzes por fim se apagaram e depois de alguns minutos, uma porta lateral se abriu, uma escadinha pulou para fora e de lá emergiram duas figuras alienígenas, de altura mediana, iguais a seres humanos comuns, quase iguais a nós, observou ela. As únicas diferenças visíveis eram as orelhas pontiagudas e uma rabichola de 10 ou 15 centímetros que se abanava o tempo todo. Usavam saiotes de cor cinza e um deles falava o tempo inteiro. Berenice acocorada no pé do muro que dividia os terrenos intuiu que a falastrona devia ser certamente, a criatura feminina do casal de ETs. Resolveu se aproximar mais, mesmo correndo o risco de ser apanhada, com a intenção de ouvir o que falavam. Tinha percebido que eles falavam português com um sotaque engraçado. Mas, como deviam ser hiper-mega desenvolvidos, imaginou que eles deviam ter aprendido nos vídeos captados nas ondas eletromagnéticas emitidas por satélites da internet. Mas falavam trocando o “R” pelo “L” como faz a personagem Cebolinha nas histórias em quadrinhos do genial Maurício de Souza.

Diziam:

Plessizamos encontrar o seu Alonso amanhã. Ele é muito peligoso pla nós. Pode plejudicar os nossos planos de invasão. Vamos levar ele plu nosso mundo. Pode azudar  pla fazer outlas naves mais lápidas.

E o ajudante dele, Nanau?  Vamos levar também? Perguntou o outro ET.

Vamos sim. Ele vai ajudar na fablicacão de BC semp.

O que era BC semp ela não sabia evidentemente.

Plessizamos também captular a plefeita Zuliana Alauzo ela também pode ser peligosa e atlapalar os planos, lá do nosso planeta.

E verdade. Vamos ligá o sistema de invisibilidade pala ninguém vê nossa nave amanhã. Quando a bola amalela apalece, tudo fica clalo.

A bola amarela que eles se referiam, a garota logo imaginou que seria o sol. Como já estava perto do amanhecer, correu para casa. De manhã bem cedinho, precisava ir à prefeitura avisar a prefeita que corria perigo de vida. Extra-terretres pretendiam abduzi-la.

O sistema de invisibilidade era fantástico. Usavam um magistral jogo de espelhos onde as imagens em volta eram capturadas e usando refração de luz ambiente, obtinham uma impressionante ilusão de que aquele espaço não tinha sido invadido, tudo dentro da normalidade. Uma solução simples, criativa e incrivelmente eficaz.

Berenice assim que amanheceu o dia, correu lá pro terreno vizinho, mas a flecha voadora tinha desaparecido. O sistema de invisibilidade tava funcionando maravilhosamente mas ela desconhecia a poderosa tecnologia.

Sabia que não estava ficando doida, pois vira o aparelho no finzinho da madrugada na noite anterior. O pai pedreiro tinha saído cedo pro trabalho e a mãe dona de casa certamente não ia acreditar nela. Conhecia sua fama de sonhadora e mente de ilusões futuristas.

Resolveu ir à prefeitura avisar a Alcaide de Saias, o perigo que estava correndo.

Chegando lá o primeiro entrave foi à secretária de gabinete da chefa do município.

__Bom dia, é, é, eu queria falar com a prefeita. Disse Berenice um pouco impaciente.

__Ela tá em reunião. Tá ocupada. Qual é o assunto? Respondeu a secretária polidamente.

__Olha, tem uns marcianos aqui no morro e eles estão querendo raptar a prefeita pra levar pra terra deles. Disse a menina já um pouco nervosa.

__Sei. A secretária deu um risinho de deboche. Vão voar naquele disco lá da praça né?

__Moça eu tô falando sério. Eu ouvi a conversa deles ontem de noite. Vão levar a prefeita, Nanau e seu Alonso. Disse a menina já bastante agoniada.

__Ta bem. Vamos fazer assim. Você volta outro dia pra ver se a prefeita pode atender, tá certo? Disse isto e já foi despachando a menina.

__Não. Tem que ser hoje. Agora. Se quiser eu posso levar alguém lá onde o disco tá pousado.

__Não. Agora não. Não tem ninguém sobrando não. Volta outro dia. Agora dá licença que tenho que ir pegar uns documentos. E saiu deixando a garota sem saber o que fazer.

Berenice se sentiu abandonada. Sozinha na sala, resolveu dar meia volta e sair. Chegando à porta da rua, atravessou as pistas da Rua das Árvores, entrou numa rua lateral e chegou à passarela das flores. Desceu toda a avenida em direção da praça da música, onde estava exposta a réplica do disco voador de mentirinha. Tinha a esperança de ver os  dois hóspedes do espaço e não parava de olhar as orelhas das pessoas e a parte traseira pra ver se tinham uma rabichola trepidante. Permaneceu por lá por um bom tempo, mas não viu ninguém suspeito. Deveriam estar à espreita de capturar a prefeita ou o velho Alonso. Pensando assim, resolveu procurar o velho ufólogo, na sua casa na rua nova Jerusalém, no bairro da paz, isto já no outro lado da cidade. Rumou pra lá.

Foi uma boa caminhada em ritmo acelerado. Desceu pela via de entrada da cidade, até o acesso da rótula da BA 052.

Caminhou pelo acostamento devido o fluxo intenso de caminhões pesados e 1.5 km depois batia palmas no portão da casa do famoso ufologista.

A jovem senhora que veio atender o chamado de palmas no portão, levou a menina para uma sala de espera e pediu a ela que aguardasse por alguns instantes. Antes de ir chamar o velho professor, perguntou do que se tratava. Berenice com um pouco de afobação e ansiedade, disse que precisava falar com ele, para avisar que tinha pousado um disco voador lá perto da casa dela na noite anterior e que ela tinha ouvido eles conversando. O rumo da prosa era que pretendiam abduzir o seu Alonso porque o julgavam perigoso para os planos deles de invasão da terra. Disse tudo isto e ficou olhando a reação da senhora, que mudou de expressão logo depois de ouvir o relato da garota. Disse a seguir:

Espere aqui, volto logo. E sumiu corredor adentro.

Dez minutos depois voltou com cara de ducha fria em tempos de inverno.

__Infelizmente seu Alonso tá dormindo e pediu que não o acordassem. Só outra hora. Agora não tem jeito não.

__Ta bem. Berenice agradeceu e foi embora.

A garota de olhos de gato estava apreensiva, não sabia o que fazer. Ninguém mais uma vez não acreditava nela. Resolveu voltar lá pro local do pouso. Atravessou as pistas da BA O52 correndo com medo de atropelo e rumou pela pista que passava pela frente da antiga rodoviária até chegar ao posto de combustível Machado, onde observou uma aglomeração de pessoas, com o frentista falando para o grupo curioso, gesticulando, como se tivesse visto alguma coisa do outro mundo. Apressada, nem parou para ouvir os queixumes do rapaz do posto. Seu destino era o terreno vizinho da sua casa onde vira o OVNI, pousando na noite anterior. Vira o aparelho Pousado, mas agora ele já não estava mais lá. Tudo quieto e tranquilo como as noites serenadas de dias atrás.

Lembrou-se do ajuntamento no posto de combustível e resolveu voltar pra lá.

Alguns transeuntes ainda ouviam o tagarelar do rapaz do posto. O espantamento do frentista poderia ter alguma coisa com o casal de visitantes e a esperta garota decidiu apurar os fatos, se inteirar dos fuxicos. Soube que uma dupla estranha esteve por lá pedindo informações, porém com uma rabichola abanando o tempo inteiro. Ao verificarem o visor das bombas, entretanto, escaparam correndo como se tivessem visto uma alma penada pedindo ajuda.

Gente, a garota Berenice me contou está história fantasiosa e naturalmente não acreditei. Mas fiquei curioso e perguntei o que espantou o casal de ETs a ponto de desistirem de seus propósitos de invasão da terra. Nesta hora a resposta foi rápida e rasteira:

O preço da Gasolina e do óleo diesel.

Verdade ou mentira, lá no terreno vizinho da casa dela, o capinzal tem uma marca de círculo queimado, como se algo tivesse sapecado a vegetação na hora de pousar.

Quem quiser saber a verdade vá lá ver.

Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.

3 comentários em “Carlos Karoá escreve: ‘O DISCO VOADOR – Uma aventura da garota Berenice.’”

  1. A sociedade trabalhista

    Falando em disco voador. A cidade de Morro do Chapéu esconde os números ativos de covid para realização do Festival do Inferno.
    Essa prefeita está com gozação com a cara do povo morrense,isso se chama iresponsabilidade administrativa. Mas nada pode ser feito,porque a Câmara de vereadores submissa a suas vontade.
    Uma vergonha para a população de Morro do Chapéu.

    1. Luiz Olympio Ribeiro

      Karoa parabéns a cada conto você me surpreende com a sua habilidade em escrever um texto onde não posso deixar de ler por completo e depois aplaudir o autor. Grande abraço Luiz Olympio

  2. Ademilde Fidelis Martins Porto

    Textos maravilhoso de fácil entendimento e grande iteração com o leitor trazendo conteúdos interessantes sempre com final surpreendente .
    Parabéns Carlos Karoá

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