‘Não permita Deus que eu morra…
Sem que eu volte para lá’. Esta frase do poema, “Canção do Exílio”, obra altruísta do poeta maranhense Gonçalves Dias, expressa com verdades verdadeiras, os meus pensamentos fidedignos sobre estar presente e vivinho da silva no próximo encontro de filarmônicas, aqui na terra do frio. A décima sétima edição, foi um decanto copioso em níveis de harmonia, criatividade, organização e entusiasmo juvenil, porquanto a maioria dos dedilhadores de notas, são brotos, bem há pouco tempo atrás, deixaram de usar mamadeiras. Foi, foi divino, de tirar o fôlego como se diz por aí, para se expressar um fato, de grandiosidade coletiva.
Manda a boa educação, nominar seus visitantes:
Minerva Cachoeirana
04 de janeiro de Itiúba
02 de janeiro de Jacobina
João Mendes de Almeida de Canarana
19 de setembro de Ibipeba
União dos Ferroviários Bonfinenses
Lira Popular de Mucugê
Lira Morrense
Aportaram por aqui como convidados, foram embora como filhos preciosos que vão deixar saudades. Até o ano que vem se Deus quiser.
A Minerva Cachoeirana, a mais longeva das convidadas, trazendo o ano de 1874 como início de atividades, elegantemente paramentada na cor preta, não fugiu à regra no quesito inovação. No rastro da obrigação de execução de um “dobrado”, cumpriu o protocolo com a belíssima peça “Alcides Santos ” do excelso compositor baiano Estevão de Moura. Uma jovem flautista, me deixou em enlevo divino, diante da perfeição. Porém na sequência de compassos, ofereceu ao público, um canto quase gregoriano tendo a oração de são Francisco, em primorosa execução de metais, com a sua letra cantada por uma linda jovem cachoeirana. Ao final, ovacionada em profusão de aplausos e louvores, emocionou a todos. Sacro santa invenção, esta coisa chamada notas musicais.
A Lira Popular de Mucugê, teve o seu batismo de fogo em terras estrangeiras, em nossa festa. Foi o seu debut caçulinha com apenas um aninho de formação, apesar desta praxe em filarmônicas, ser uma premissa naturalíssima, nas tradições musicais desta cidade diamantina. Como trunfos na manga da camisa, trouxe uma flautista “Boehm” de sopro dos sabiás. Sua performance de rara beleza, mostrou delicadeza e feminilidade, porque lábios femininos, evidentemente, tem mais sabor. Um garoto, debulhou com maestria, a polca Anita Garcia, do compositor baiano Isaías Gonçalves, nascido na cidade de Queimadas. Ano passado, um jovem Minerviano de nome Iago Garcia, também o fez, com a perfeição divinal presenteada a ele, pelo nosso criador. Vida longa a Lira Popular de Mucugê.
Sou um Liriano passional, porquê sei das agruras vividas para tornar este sonho estelar, um ajuntamento de couros, ébano e metais.
A Lira Morrense, é um capítulo de vanguarda e resiliência neste livro pulsante de notas, mesmo porque ela é sabedora que não navega sozinha nestas terras frias, onde a música marcial tem berço forte de moradia. Quando vejo a Lira em ação, sinto a vaporização de uma vontade férrea de buscar protagonismo, de merecer os aplausos calorosos que recebe. E tem que ser assim. Mostrar que os seus garotos não contam números, contam qualidade e amor à arte de soprar palhetas e bocais. Da cozinha à sala de visitas, vocês Lirianos de ouro, são maravilhosos. A tez expressa humildade, mas os passos são firmes e fortes, como se buscasse o fim do arco-íris. O entusiasmo da regência, apesar da batuta ser apenas uma, carrega a nota 10 dos vencedores. Parabenizo-os, de todo o meu coração.
A segunda mais novinha em tempo de fundação, a soleníssima musicata João Mendes de Almeida, íris dourada da cidade de Canarana, adentrou a passarela das flores, numa cadência forte, de um belíssimo “dobrado”. Lindamente, elegantemente paramentada, nominei-a mentalmente de “Águias Negras”.
Em sua atuação, viajou por linhas populescas, apesar da canção “My Way” de Paul Anka, estar no rol dos clássicos, do cancioneiro mundial. Num vôo rasante pela obra dos “Mamonas Assassinas, foi calorosamente aplaudida, pela homenagem póstuma merecida e na qualidade dos arranjos, um “tripartite” em oitavas como se ” dó” “mi” e “sol” fosse um som uníssono. Tendo na regência, um filho das terras frias, evidentemente ganhou pontos por isto. Não vieram aqui apenas passear, um futuro de glórias, espera a garotada Canaranensse.
A centenária 02 de Janeiro de Jacobina, é uma velha conhecida e nesta Seara de filarmônicas, dispensa nominação. No meu tempo de músico Minerviano, três dos seus soldados sempre vinham dar apoio nas nossas apresentações. Eram eles: O trompetista Benedito e os saxofonistas Alexandre e seu filho Ney. Minha homenagem a estes três saudosos colegas de aventuras. Magistral performance da 02 de Janeiro, dispensa análise depurada, ela que já conhece os deveres de casa com a precisão suíça cutucando os calcanhares. Competência, beleza rítmica, uma veterana do pódio, quando em jogo, está o troféu de primeiro lugar. A 02 de Janeiro de Jacobina, é uma das mais respeitadas filarmônicas do Estado da Bahia.
Os Lírios Doirados Ibipebanos, vaticinados no ano passado como surpresas em compasso de espera, como disse o ” mestre de cerimônias” do evento, no fim da sua atuação, eles colocaram o sarrafo no ponto mais alto, do mastro de mensuração. Quem viesse no seu rastro, que tomasse as medidas cautelares de sobrevivência, apesar da festa não apresentar conotação nenhuma de competição. A 19 de setembro, carreada com virtuosismo e a elegância do maestro Gerry Andrade, foi brilho de rutilencia perene, enquanto inundava o ambiente de harmonia criativa, beleza cênica, execução dos naipes distintos, porém, tornando os sons coletivos num uníssono dos mais virtuosos. Ibipeba deve se orgulhar desta mocidade engalanada da alvura do lírio, mas com o amor à arte dos deuses, a tocar seus corações.
Respeito, admiração e louvores à garotada Ibipebana.
A União Ferroviária Bonfinense, galgou o piso da passarela das flores, entoando uma peça conhecida do meu tempo de músico Minerviano: O dobrado WD, lindo, lindo, de deixar em enlevo, quem lhes viu passar. Trouxe na bagagem, além da primazia em filarmônicas, seu Antônio Ferreira de Oliveira, o músico mais idoso da festa, desfilando vigor no alto dos seus 86 anos vividos. Cultuou com galhardia a obra de Zé Ramalho, namorou as lambadas de Beto Barbosa e dançou Calypso literalmente com a plateia já de todo, animadíssima com o ritmo acelerado. A frente do palco, era simplesmente pista de dança da galera minerviana. Sem dúvidas, foi a dona da alegria. Traz em seu bojo, uma história de luta e persistência na formação primeira dos jovens sonhadores, entre eles, o nosso maestro José Ferreira da Silva, a quem eu rendo profundo respeito e admiração.
Itiúba não é surpresa, Itiúba é convicção. Considerada patrimônio cultural da cidade, a Filarmônica 04 de Janeiro de Itiúba, ostenta a conotação de uma das melhores e mais respeitadas agremiações musicais do Estado da Bahia. Altruísta e esbanjando cultura nas entradas universais da música, dá um banho de competência beleza por onde gorjeia notas. Seu maestro, Agnaldo Paixão, é um show à parte no tablado, declarando poesias em versos intensamente apaixonados. Sua maestrina, Alaine Andrade Matos, depois do amor da minha vida evidentemente, era dela o título da garota mais bonita da sala. A execução da canção “El Condor Pasa”, composição do peruano Daniel Alomia Robles e Julio de La Paz, me levou discretamente às lágrimas. A filarmônica Itiubense não tem beiras a ser reparadas, explode sem limites com ordem, beleza e maestria. Fechou sua apresentação com o belíssimo dobrado “Capitão Caçulo” de Teófilo de Magalhães.
Eu simplesmente adorei A garotada Itiubense, ou itiubana, como manda o gentílico assim dizer. Até o ano que vem.
Sou um Minerviano imortal, porque as raízes de amor fincadas no meu peito, foram forjadas com lirismo e o fogo da paixão, da minha juventude.
A luta é renhida, os desafios estão sempre na mesa ao lado, mas a Minerva não se dobra, encara a contenda colossal de manter seus pupilos perfilados, sempre que algures, de música marcial nesta hora precisar. O encontro de filarmônicas, festa anual do seu calendário, é uma provocação da sua capacidade de pragmatismo. Seus números são uma contestação de noites insones e dedicação. Acomodar, alimentar centenas de jovens é uma tarefa que demanda intensa galhardia pra fechar a conta. Tudo vale a pena, pois os instantes de carinho e ovação na avenida, não têm preço. Viva a Sociedade Filarmônica Minerva. A pugna, pede braços fortes.
Deus que vive
Deus que pode
Deus dará.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.
Carlos mais uma vez meus parabéns pela maestria e desenvoltura nos seus comentários
Continuo um eterno apaixonado pelas suas crônicas.
Acompanhei através das redes sociais. Não estava em Morro do Chapéu. Foi lindo.