É início de verão na América. Início de noite também, mais precisamente em Nova York. Do rio Hudson, uma brisa fresca sibila nas primeiras torres de Manhattan. Reluzentes carros negros trafegam como imensas lagartas preguiçosas e as pessoas apressadas procuram o abrigo dos lares ou o conforto de bares e restaurantes. Não tão distante dali, no Greenwivh Village, o clube noturno Blue Note derrama na rua já bem iluminada, florescentes e multicoloridos lampejos da sua fachada em gás neon. Brilham e piscam como os olhos dos rapazes galanteadores. Anunciam a apresentação da orquestra dos irmãos Jimmy e Tommy Dorsey. O crooner desta orquestra, porém, é nada mais nada menos que um jovem promissor em início de carreira. Seu nome: Frank Sinatra.
Os primórdios dos anos 50 foram talvez o apogeu das orquestras de salões de bailes. Elas tinham domínio absoluto no segmento ouvir música para dançar e eram conhecidas mundo afora como as “Big Bands.
A geração que iria sepultar de vez a hegemonia das “Big Bands” no quesito animação de festas, estava nascendo no início e meados dos anos 40 e por isto, centenas delas continuavam o seu caminho de assoprar bocais em várias partes do velho e novo mundo.
Não tenho notícias de “Big Bands” famosas na Europa ou na Ásia, que talvez por princípios religiosos, elas nem chegassem a existir. Sei que em países fora da cortina de ferro, no oeste europeu, elas animavam festas em cassinos, casa de shows e teatros de revistas.
Na América, contudo, elas tiveram um terreno fértil para a proliferação.. desde o tempo da Lei Seca, implantada nos Estados Unidos em janeiro de 1920, até a sua suspensão em dezembro de 1933, elas quebraram regras de conduta e se exibiam em cassinos e clubes noturnos, sob os auspícios de gangsters, mafiosos e policiais corruptos. Dava um dedão do pé para estar lá numa noitada destas. O glamour escorria pelas ruas. Algumas orquestras quebraram as fronteiras americanas e ganharam o mundo. A do maestro Henry Mancini foi uma delas. Fez várias trilhas sonoras de filmes, e certa vez trouxe um LP de presente para o meu amigo Tota. Lembro que ao receber ele fez uma observação. Tá faltando a dedicatória no que eu o atendi prontamente.
Outra companhia de metais, capaz de deixar os olhinhos brilhando era a do maestro Benny Goodman. Fez fama e fortuna com o seu carro chefe musical “The glória of Love” exibindo-se por toda a América. Embalou noites de amor por quase três décadas, tempo que ela permaneceu até enfrentar o declínio dos bocais e percussão mecânica, o triste destino de quase todas elas.
Uma orquestra, porém, conseguiu o feito de permanecer no estrelato até a morte do seu arranjador. Foi a do maestro Ray Conniff. Ganhou o mundo com o dom magistral de fazer arranjos sonoros. Sem dúvida o mais criativo dos donos de batuta. Não ficou só nos salões. Tornou-se um dos maiores vendedores de discos do planeta. Deu roupagem nova na música notadamente de sangue latino e virou um semideus dos palcos. Trombonista dos mais competentes soube mesclar vozes humanas como parte da harmonia. Uma novidade que as outras não tinham. Arrasou simplesmente. Seu cantor predileto? O nosso inimitável Roberto Carlos Braga.
Poderia continuar aqui a nominar outras grandes “Big Bands” americanas, como a do clarinetista Artie Shaw ou da maravilhosa orquestra de Cleveland, mas me detenho aqui na mais emblemática orquestra americana de salão. A do grande Glenn Miller. Trombonista de ponta, sua Seara era o jazz. Galgou o topo dos Bandleader americanos. O mundo reverenciava Glenn Miller. Reverência até hoje. Durante a segunda guerra, apresentava-se para levantar a moral das tropas americanas. Mas numa viagem entre a França e a Inglaterra, atravessando o canal da mancha, seu avião desapareceu. Até hoje nem aeronave ou tripulantes foram encontrados.. Um mistério documentado dolorosamente no cinema. A canção “Moonlight Serenade” sua obra prima, é executada mundo afora como símbolo maior do tempo das Big Bands.
O ciclo das Big Bands foi de aproximados trinta anos. Trinta anos como afirmação maior dos bailes em clubes. Nada igual até hoje. Presente em todo ocidente, foi nos Estados Unidos, terra do show business, que adquiriram fama e prestígio. Convenhamos que deslizar em salões de pisos espelhados, tendo nos braços mulheres elegantemente trajadas, de estolas de vison ou colares de pérolas ou diamantes adornando o colo, sob os sons de uma orquestra, bramindo harmoniosas e suaves peças musicais, não tinha, não tem e jamais terá preço. Nesta hora de vida pulsando em seu derredor, o dinheiro deixa de existir.
A magia de ter, se hoje pudesse, uma Big Band diante de mim, numa noite de festa em um clube de luzes e cor, é tão grandiosa que não teria palavras para descrever estes instantes. Meus amigos, Tamar monteiro, Jomarito Bagano e Paulinho Matos, tenho absoluta certeza pensam igual a mim. Cito Jomarito e Paulinho no presente, porque sei que as suas essências permanecem intactas. O ar que respiramos, tem em seu bojo, energia vibratória destes dois eternos amigos.
A Seara das grandes orquestras eram os clubes noturnos. Enquanto pisavam apenas, os palcos das casas de festas, local onde se gastavam as solas dos sapatos, a alcunha era apenas de orquestra de salão. Mas quando suas performances ganhavam às ruas, outros mercados lhes abriam as portas, outros segmentos de linha parecida, mas com perspectiva de ganhos bem mais expressivos.
Poderiam gravar discos, exibir-se em palcos de outras cidades ou executar trilhas sonoras de fitas cinematográficas, com a possibilidade de se tornar conhecidas no mundo inteiro.
Poderia nominar mais algumas orquestras americanas de animação de bailes, mais seria redundante até.
Por isso, me detenho aqui pelas terras tupiniquins, onde também elas, as orquestras, tiveram seu tempo de “sol reluzente”. muita luz, brilho e calor humano.
O Brasil é um país onde a música tem uma das suas maiores representações. Os músicos brasileiros nada ficam a dever aos outros grandes músicos do mundo. Estamos entre os melhores do planeta. Em todos os sentidos musicais, é bom que se faça este registro.
No tempo que as orquestras eram as mandantes do jogo, o eixo Rio São Paulo também desfrutava desta premissa. E havia mercado de consumo pulsante e vivíssimo a cada final de semana.
Jovens galantes e fatiotados elegantemente iam aos clubes em busca de diversão e quem sabe, um início de romance e aconchego. As meninas por sua vez, exibiam charme e elegância, com vestidos e joias copiadas do cinema, das atrizes da terra do Tio Sam. Quem mais podia mais luxo tinha, mais deslumbrante aparecia, para o deleite de amigos e admiradores.
As nossas mais famosas orquestras eram as seguintes:
A orquestra do maestro Zezinho que também se apresentava na televisão em programas de auditório.
A orquestra do italiano Silvio Mazzucca, do clube Independência no Rio de Janeiro.
O clube Esportivo da Penha também no Rio de Janeiro animava seus bailes com a orquestra Los Guarachos e tínhamos também a Big Band do maestro Arruda Paes, que também tinha um coral de vozes humanas no estilo Ray Conniff.
Mas foi a orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo, quem mais alcançou fama nacional. Fundada em João Pessoa, capital da Paraíba, pelo empresário Assis Chateaubriand em 1930, tinha nas hostes o saxofonista Severino Araújo, instrumentista de primeira linha, que se tornaria seu maestro com apenas 21 anos. Quando cheguei a Salvador, em 1970, tive notícias da orquestra Tabajara, mas não tive a honra de vê-la em exibição. Seria uma experiência inesquecível.
As orquestras se foram, com o seu ciclo de vida esgotado. Reafirmo aqui que neste mundo, quase tudo tem seus dias contados, a partir da hora que tem sua vida registrada. É assim que funciona, infelizmente. No final dos anos 50, outro modelo de aparato musical começava a pedir passagem, nos anais da vida musical do mundo, agora totalmente em moldes diferentes e bem mais encolhido. Eram os conjuntos musicais, de 4, 5 ou mais integrantes, sem metais, sem percussão, apenas com cordas elétricas e vocais, em duetos sonoros e maravilhosos. A vida dessa gente, porém, é assunto para outro texto, em outra oportunidade.
Abraços!
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.