Carlos Karoá escreve: ‘A VIAGEM’

BRASIL DIA-A-DIA ENTRETENIMENTO MORRO DO CHAPÉU REGIONAL

Nos primeiros segundos, da manhã do dia primeiro de janeiro, desde o princípio dos tempos, uma imensa, uma gigantesca bola de ar, terra e água, inicia uma milenar jornada pelos confins do universo, carregadinha de gente, de passarinhos, de peixinhos, de animais dóceis e ferozes de tanta coisa que nem dar pra nominar. Esta viagem vai durar, 365 dias na folhinha da parede, faça chuva, sol ou ventania. No bojo, de dimensões inimagináveis, carrega tudo que existe. Animais, minerais e vegetais, na diversidade da vida, em toda sua plenitude. E, lá no alto dos céus, o zênite em círculo perene e invisível, vai acompanhando, silencioso e friamente, esta caminhada sem que nada que se conhece, possa servir de parâmetro, como elemento de comparação.

Sentadinhos, deitados ou de pé, bilhões de passageiros, viajam gratuitamente sem que haja cobradores bigodudos em ternos baratos, picotando bilhetes de alforria, para esta estadia de um ano, no país das maravilhas. Nos primeiros segundos da partida, curiosos alados, testemunham a alegria e a esperança dos viajantes, em tempos de mesa farta, em encontro dos primeiros amores, em chuvas de fecundação, na volta de quem um dia foi embora e em finais de escuridão. Acima ou abaixo dos trópicos, há luzes piscando, holofotes vasculhando o negrume das noites, que na lerdeza das preguiças, vem trazendo vagarosamente o primeiro amanhecer, desde a primeira noite que existiu.

O gigantesco balão de ar, água e terra, conhece o seu caminho, não há sinuosidades. A rota é curvilínea desde o princípio da sua criação, estimada em quatro e meio bilhões de anos. A translação da terra, em trilhões de quilômetros, também tem eternidade garantida. É na sua rotação, curiosamente em forma de elipse, que se conhece a luz e a escuridão a cada nascer e fenecer da estrela maior da vida láctea, o sol nosso de cada dia.

O início da marcha é conhecido como mês de janeiro e os ares que lhes abraça nesta hora, e de um frio contundente no hemisfério norte e de um calor apaixonante no hemisfério Sul. Lá encima, onde ainda há gelo se derretendo nas calçadas e por tradição o papai Noel também já foi embora, estão as terras frias acima dos trópicos, conhecidas como Europa e Ásia, tribos do começo da civilidade.  Foi lá há milênios passados, que o fio sanguinolento da espada ditava normas de conduta, regras inaceitáveis pra se viver e muitas vezes, atos de vergonha e injustiça. Foi assim com Gêngis Khan, Atila o rei dos hunos e o mais famoso deles, o poderoso império romano.

Neste início de viagem, Ásia e Europa estão frias com alguns lugares suportando o gelo. Não há festividades neste lado da grande nave, nem.

Mesmo contendas esportivas ou festejos folclóricos para se arrebanhar multidões.  A neve que se acumula em estradas e ruas asfaltadas afugentam gaiteiros e animadores de festas nestes curtos tempos de nevascas. Porém, do lado de cá, com a nave aquecida pela proximidade solar, o tempo é de tambores, metais e cordas elétricas, rufarem estridentes em todos os lugares onde se pode ajuntar festeiros e festins, até o ápice da alegria coletiva no mês de fevereiro, quando se realiza nas ruas de Salvador na Bahia, a maior festa popular do planeta chamada carnaval.

O mês de março, ainda tem brilho solar deste lado da gigantesca barcaça. O planeta continua em sua viagem, agora chegando numa parte do cosmo, onde uma tradição cristã começa a ser lembrada em templos de contrição religiosa. Nos dias que se avizinham a quaresma, há suor, lágrimas e sangue de um homem flutuando naquele ponto do caminho e permanecerá em gotas eternas como alerta, para que todos não se esqueçam de que o espírito também precisa ser saciado, pelo menos até o final dos tempos, quando a justiça e a equidade chegar à casa de quem vivo for. A paixão de Cristo resplandece em pontos distintos deste balão de humanoides, pois há tribos acampadas, em praias de outras areias, que tem seus próprios ícones pra adoração religiosa. Cada cabeça tem seu lenço de ilusões, pra lhes cobrir a fronte.

E mais fácil, abaixo da linha do Equador, o espocar de foguetes como sinônimo de festividades. As temperaturas aquecidas é estímulo para se festejar banalidades ou reverenciar com respeito e devoção, padroeiros ou datas cívicas nacionais. Entretanto, o planeta segue o seu destino imutável e quando atinge o ponto mais distante da elipse, a quintilhões de kilometros do ponto de partida, o calor se vai de vez, deixando atrás de si, um rastro de uma frieza amainada, porém perfeitamente suportável. Não há extremos como nevascas relevantes ou frios congelantes de se bater o queixo debaixo de cobertores. Quem mora deste lado de cá, mora num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Alguém um dia já disse isto.

Quando o nosso balão azul, atinge a metade do caminho, em pontos no nordeste da proa, algumas fogueirinhas são acesas, para uma referência santificada. Os apóstolos Antônio, João e Pedro, são lembrados como homens santos.  Tempos de termômetros preguiçosos, nas festividades da época, os licores ganham o papel do artista principal. Aviões, navios, automóveis e mais um montão de meios de transporte, são agregados para este bater de zabumba, triângulo e puxar os foles das sanfonas. Dando o início pra curva de volta pro ponto de origem, o bojo da terra agora, começa a sentir um pouco mais de intensidade solar e uma luminosidade mais intensa. Nos meses de outubro e novembro, já se começa a beber o que estava em latinhas, guardada em refrigeradores.

O planeta terra viaja sem intervalos pra botar gasolina, a incríveis 108.000 kilometros por hora. É uma velocidade que assusta, só em pensar que está é uma verdade científica. Carrega em sua imensa carroceria, o que a mente humana viu aqui quando chegou a milhões de anos passados, o lixo que não tem pra onde ir e o que se inventou e construímos desde o tempo da pedra lascada. É troço que não se acaba mais. Mas, ela tá aí. Submissa, caladinha, de vez em quando esperneia com raios e vulcões, porque ninguém é de ferro, até o dia que resolva de vez botar no s burros n’água e aí adeus ingrata, vai o boi, o bezerro e até a vaca lá pro brejo ou quem sabe o beleléu.

Na sua grandiosa generosidade, cumpre galhardamente o papel de artista principal. Provém de água e pão, quem humildemente lhes pisa o chão.

Carrega em seu bojo de abas altruístas, amizades sinceras, desilusões, utopias desvairadas, sonhos que viraram realidade, crimes hediondos, injustiças, risos que iluminam semblantes tristonhos e finalmente o amor, este gigante de perninhas pequeninas que ninguém sabe de onde veio, mas que sem ele, a vida não teria a menor graça.

Por fim, reluzentes raios de luz amarela, cintilam nos rebordos da imensa nave, agora avistando as raias tranquilas do porto de Chegada. O mês de dezembro lhes bate a porta com o orgulho do dever cumprido, de quem passou mais um ano de vida em labutas de sobrevivência. Foi neste mês, que o filho do homem, em desabroche humano, trouxe o porto seguro pra humanidade.

O natal é a redenção dos enganos, é o tempo chegado pra entendimentos e perdão. E preciso esperança pra sorrir de novo, pois sem isto, o negrume da alma, dificilmente vai embora.

A todos, lhes desejo vida!

Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.

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