Varrumei nos miolos e não achei a resposta para uma dúvida minha, de cunho prostibular.
Será que na minha vida, evidentemente sem nenhuma relevância como frequentador de cabarés, conheci alguma cortesã, menos favorecida de atrativos como a nossa velha conhecida, a cocota pequetita, Judite Xibiu de apito? Tem não. Não tem na minha memória bordeliana, alguém que tivesse escolhido pra sobreviver, esta desditosa profissão e fosse destituída de atributos tão peculiares, no cumprimento dos deveres prazerosos de vendedoras de ilusões. Judite era esmirradinha, nanica, mas uma gigante no enfrentamento de situações adversas. Imaginem o atropelo mental de todas as noites, quando na solidão dos seus pequetitos aposentos, borrava com um batom barato, a boca virginada de um beijo de amor sincero, sapecava sem nenhum conhecimento de maquiagem, um pó de arroz sem nome, sem a latinha chic e vaidosa da Cashmere Bouquet, para pelo menos acender a luzinha da sua autoestima e saia pro terreiro de batalha, sem eira nem beira, como se fosse à luta de estrepitosa cara limpa. Ia pra guerra sem pelo menos levar, uma ” espingarda de socar”
Lá, no salão da pomposa cafetina, senhoria de tantos desafortunados destinos, tinha à sua espera, quem se diz “puta”, numa disputa desigual, onde algumas beldades em almofadas de cetim, antagonizavam desafetos iguais a ela, com ausência de beleza em demasia. Durante o tempo de espera, de algum freguês de infortúnios parecidos aos dela, lhes acossava a dúvida atroz, se naquela bendita refrega, algum tostão, iria levar pra casa. Matava um leão a cada noite de vigília, na maioria das vezes, sem resultados.
Desconheço a sua origem, nada sei a respeito de onde veio. Uma Maria Ninguém como tantas outras vendedoras de prazeres, cujos sorrisos amarelos, eram bem mais de tristeza que de alegrias, frutos de tantas desilusões vividas.
Durante o dia, várias vezes a vi perambulando pela rua cá de cima, à cata de alguma coisa para somar à sua conta, certamente de conceito vermelho, já em saldo negativo por um bom tempo. Não se incomodava com o desdém das moradoras, ditas senhoras da sociedade. Na sua pequinês, se achava tão insignificante, que certamente não chamava a atenção de ninguém.
Judite, entretanto, pela petulância de não se importar com os olhares de desdém ou narizes empinados apontados pra ela, passou a ser conhecida por todos, com um pezinho atrás mas aceita sem constrangimentos, sem causar estranheza a sua humilde presença.
Mais feinha, menos expansiva, menos apetitosa, mas com certeza a mais famosa. Todo mundo a conhecia. Até hoje é a mais lembrada.
Não sei seu nome completo e verdadeiro e não me espanta se chegasse ao meu conhecimento que não consta no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). Seu exercício de cidadania, carecia de cuidados, tão vulnerável eram, os seus direitos de cidadã. Naquela época do atraso, nossa cidadezinha era bem pouco favorecida, no quesito cuidar dos direitos civis, dos seus legitimados moradores.
Não sei a quem creditar, a criação para ela de alcunha tão pejorativa. Talvez uma das companheiras de turma ou quem sabe um cliente em momentos de gaiatice. Ela própria certamente não foi.
Quando procurei saber da sua “causa Mortis”
Me chegou informações que o álcool em excesso, lhes abriu os caminhos do “além”.
Pobre Judite, para alguém tão generosa, o criador deveria ser, um pouco mais caridoso. Mas não foi.
Afogada em desencantos, quando não há forças nos remos de superação, o negrume da tristeza apaga de vez a luz da dignidade. Sem brio, sem honra, fica fácil trilhar os caminhos da morte. O álcool é um deles.
Como tantas mulheres, desventuradas no desabrochar da vida, a pobre Judite logo cedo foi embora. Não nos cabe julgamento, cada um de nós, bem intimamente, somos capazes de avaliar o fardo que nos espera, no comecinho da nossa existência. Quem sabe o que lhes coube, fosse pesado demais pro seus braços de menina. A ela, a honra de mandar minha inocência embora. Isto ninguém vai mudar.
Esteja você Judite, aonde estiver, os meus respeitos.
PS
Posto Script um
A professora Cau Dantas, atenciosamente, deu a mim a informação que o seu nome verdadeiro era:
Edith Moreira dos Santos
A alcunha Judite, era apenas apelido.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.