Catolicismo à baiana, devagar, quase parando: A Lei Natural e a Revelação Divina

Jesus veio ao mundo para ensinar a correta compreensão da lei. Mas, que lei é essa? É a lei natural, inscrita no coração humano. Independentemente do tempo ou da cultura, há verdades morais universais que todos reconhecem: não é necessário que nos digam que assassinar é errado ou que faltar com respeito aos pais e aos mais velhos é um desvio. Sabemos disso em nossa essência.

Essa lei está profundamente enraizada na própria natureza humana. Assim como sabemos que uma ferramenta deve ser usada conforme sua finalidade, reconhecemos que certas ações contrariam nossa dignidade e a ordem do bem. Essa ordem moral aponta para algo maior: a existência de um Criador que estabeleceu a harmonia do universo e nos chamou a participar dela. Como ensina São Paulo: “Quando os gentios, que não têm lei, fazem por natureza o que a lei ordena, tornam-se lei para si mesmos. Mostram que o essencial da lei está escrito em seus corações, e disso dão testemunho também sua consciência e seus pensamentos.” (Romanos 2,14-15).

Mas, se essa lei está inscrita em nossos corações, por que foi necessário que Deus a revelasse diretamente? A resposta está na fraqueza humana. O pecado obscureceu nossa razão e nos desviou do bem. Como diz o profeta Isaías: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu próprio caminho” (Isaías 53,6). Por isso, Deus, em sua infinita misericórdia, revelou sua lei a Moisés, inscrevendo os mandamentos nas tábuas de pedra e garantindo, pela tradição oral, que o povo compreendesse sua aplicação prática. Essa pedagogia divina é bem expressa em Êxodo 20, onde os Dez Mandamentos são entregues como guia claro e objetivo.

Jesus, o Verbo Encarnado, veio não para abolir, mas para levar essa lei à plenitude: “Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento.” (Mateus 5,17). Ele ensinou que a moralidade não se limita a evitar o mal, mas consiste em buscar o bem maior: o amor a Deus e ao próximo. Suas palavras revelam que a lei divina, longe de ser um fardo, é um caminho de liberdade e vida. Como Ele mesmo disse: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8,31-32).

A Criação e os Dons Divinos

No relato da criação, vemos o cuidado especial de Deus ao moldar o ser humano: “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou: homem e mulher os criou.” (Gênesis 1,27).

Dividimos o 7º dia da criação em três eras, de acordo com os principais acontecimentos que se dão em cada uma. A primeira é a Era da natureza, onde Deus cria o homem e o eleva, dando-lhe os dons sobre e preternaturais.

Diferente dos anjos, que são espíritos puros, e dos animais, que vivem restritos ao mundo material, o homem foi criado com uma natureza única, unindo corpo e alma. Essa condição permite ao homem ser mediador entre o mundo material e o espiritual.

 

Deus, em sua bondade, concedeu ao homem três tipos de dons:

•     Dons naturais: Aqueles próprios à nossa natureza, como o corpo, a razão, o livre-arbítrio e a consciência moral.

•     Dons preternaturais: Aqueles que excedem a natureza humana, como a ciência infusa, a integridade das paixões e a imortalidade. Esses dons, que aproximam o homem dos anjos, são um reflexo da ordem harmônica que Deus estabeleceu.

•     Dons sobrenaturais: Aqueles que elevam o homem acima de sua natureza, como as virtudes teologais (fé, esperança e caridade), os dons do Espírito Santo (Isaías 11,2-3) e a graça santificante, que nos une à vida divina (2 Pedro 1,4).

Essa condição original, chamada de “Estado Adâmico”, era uma vida de harmonia e amizade com Deus. O homem vivia no Éden, em comunhão com o Criador, como expressa o Livro do Gênesis: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar.” (Gênesis 2,15).

No entanto, o pecado de Adão e Eva trouxe ruptura. Apesar de possuírem plena compreensão de que Deus era o bem supremo, eles cederam à ilusão da serpente, que prometia torná-los “como deuses” (Gênesis 3,5). Esse ato não foi fruto de ignorância, mas de uma escolha deliberada contra o Criador, gerando consequências desastrosas para toda a humanidade: “Por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte; e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram.” (Romanos 5,12).

A Consequência do Pecado: A Queda e Seus Efeitos

O pecado original, em sua essência, é o desvio da razão e da vontade humana em direção ao mal. O termo grego Αμαρτία (Amartía) é traduzido literalmente como “errar o alvo”, e ajuda-nos a compreender melhor o ato de Adão e Eva. Enganados pela serpente, eles erraram o alvo ao buscar ser como Deus, afastando-se dele, rompendo sua amizade com Ele e caindo de sua condição inicial de natureza elevada. Este é o evento que marca o início da era da lei, onde, após a expulsão do Éden, o homem passa a precisar da orientação divina para retornar a Deus. Esse ato de retorno e sua vivência é o que chamamos de religião.

 

“Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.” (1 João 2,16)

“Estão obscurecidos no entendimento, afastados da vida de Deus, pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração.” (Efésios 4,18)

O pecado original não apenas nos afastou de Deus, mas removeu os dons preternaturais e sobrenaturais dados a Adão, tornando a natureza humana vulnerável. O ser humano, agora, vive uma experiência incompleta, uma vez que faltam elementos para que sua própria natureza funcione de maneira ordenada e correta. Esse “machucado” na natureza humana manifesta-se de duas formas: concupiscência e ignorância. A concupiscência é a tendência humana para o mal, enquanto a ignorância refere-se à dificuldade de compreender a realidade como ela realmente é, devido ao obscurecimento da razão.

 

A Necessidade de Salvação

 

Agora que entendemos como Deus criou o homem, compreendemos também que nenhum ato humano pode, por si só, pagar o preço da ofensa que o ser humano, em Adão, fez a Deus. O homem é uma criatura finita, e sua dignidade também é finita. Tudo que o homem tem é dado por Deus; logo, como poderia ele pagar um preço infinito? Como restaurar sua amizade com alguém que possui mais dignidade do que ele mesmo?

 

Deus, em sua infinita sabedoria, guiou seu povo, ensinando-lhe que é necessário pagar um preço. Através da pedagogia divina, Deus orientou Israel a praticar sacrifícios, mas sempre alertando para o fato de que um dia viria o “Cordeiro de Deus”, que levaria sobre si os pecados do mundo. Em vez de um sacrifício humano, Deus exigia sacrifícios de animais, para que o povo entendesse a seriedade de suas transgressões. Mas o sacrifício de animais era insuficiente para restaurar a amizade com Deus.

“Vós sabeis que ele se manifestou para tirar os pecados; e nele não há pecado.” (1 João 3,5)

Quando o Verbo se fez carne e habitou entre nós, finalmente compreendemos o projeto de Deus para nossa salvação. Através do sacrifício de Cristo na cruz, o preço foi pago, não com um sacrifício de animal, mas com o próprio Filho de Deus, que veio até nós para nos trazer de volta à comunhão com o Pai. “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.” (João 1,14).

Em Cristo, vemos até onde Deus está disposto a ir por nós, para nos ter ao seu lado em sua vida eterna. Cristo, o Emanuel, o “Deus conosco”, pagou o preço do pecado, e, ao ressuscitar, nos ofereceu a vida nova e eterna.

 

Já aceitamos que Jesus é Deus é uma consequência não só lógica de suas afirmações e de sua vida como também de seu legado, mas como podemos entender isso melhor? Afinal de contas Jesus é homem também, como ele pode ser homem e Deus ao mesmo tempo?

Esta coluna faz parte de uma série; Confira os textos anteriores:

 

1º – O Sentido da vida 2º – Que Deus?

-Onde ele está?-Onde ele está?²

-Quem é Jesus Cristo?

-A Divindade de Jesus: O Trilema de Lewis e o Mistério da Encarnação-O que Jesus pregou e o que ele veio esclarecer?

 

Franklin Ricardo, Católico, esposo, pai de quatro filhos, estudante de artes liberais, filosofia e teologia, apaixonado pela cultura latina e pelos grandes clássicos da cultura ocidental; ex-ateu, converso pela graça santificante.

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