Os homens de bigodes aparados, cabelos penteados a escovinha, começaram por fim a guardar seus ternos de linho belga e gabardine italiana, em seus imensos guarda roupas. A época das grandes orquestras de animação de bailes estava chegando ao fim. Vivíamos num mundo de pós-guerra não tão distante e o ciclo de muitas coisas estava finalmente chegando à beira do paredão. Não tinha mais pra onde ir. No meio disso tudo estavam as grandes orquestras de animação de clubes, as famosas Big Bands.
Elegantes, ricos, mas a mudança de costumes de uma nova era os estava empurrando para um ostracismo quase involuntário. Enfim, a vida também tem as suas regras que nenhuma força do universo é capaz de quebrar e uma delas é o tempo de vida de praticamente quase tudo que existe.
No final dos anos 50, os conjuntos musicais começaram a se formar nas pequenas e grandes cidades de todo o mundo ocidental. Com o aparecimento de contrabaixos e guitarras elétricas, grupos de jovens perceberam a possibilidade de fazerem músicas modernas, cantando e sendo acompanhados por eles mesmos. Era a fantástica mocidade dos anos 60, ensaiando os primeiros passos para a abertura da década que iria mudar o mundo, em quase todos os sentidos.
A música foi um dos segmentos de maior relevância. Nesta revolução de mudanças e jeito de ser de quase todos os jovens do planeta, eu, honrosamente estava lá. Impagável, incrível, simplesmente inesquecível.
No final dos anos 50, a toada sertaneja, o forró nordestino, o bolero, o samba canção, a rumba e outros ritmos dominantes da época, tiveram os seus ciclos de evidência encerrado. Poderiam voltar em outra fase, mas naquela hora o Rock in roll estava fazendo a sua afirmação entre a juventude e os jovens nós sabemos, detém a primazia de fazer e acontecer em quase tudo neste mundo. Quem duvidar vá de encontro a eles. Pode se arrepender.
Milhares de conjuntos musicais se espalharam Brasil a fora. Toda cidade, pequena ou porte médio, tinha o seu grupinho de animar as festas. A maioria absoluta não tocava suas próprias músicas. Desprovidos de compositores, limitavam-se a executar canções de conjuntos e cantores de maior sucesso nos meios de comunicação: O rádio e a televisão.
Em 1965 foi o ano em que sentei praça aqui na terra do frio. Já existia, ainda que de forma nos moldes do amadorismo, o querido “Conj. Columbia”, sob a liderança do amigo Ulisses Valois, mais conhecido como “Tota.” Profundo conhecedor das notas musicais, tinha, porém a visão voltada pro passado e a era dos anos 60 não tolerava revés. A sua linha de repertório tinha os nós amarrados nos sucessos dos anos 40 e 50, boleros, rumbas e outros ritmos caribenhos que estavam sendo cutucados de forma contundente pela turma da Jovem Guarda. Acho que por este fato, o Conjunto Columbia não alcançou o arremate colorido que seus integrantes queriam. Com a chegada de Os paqueras representando o novo e o novo tem peso de toneladas sobre os quilos da balança velha, não havia mais espaço para boleros e rumbas da turma da velha guarda assim o ostracismo foi inevitável. Tive a honra de tocar percussão numa festa no dia dos namorados em Lapão. Nesta época as formações sofriam mudanças constantes, mas me lembro da turma desta festa. O líder Tota, Paulo Gabriel, Divan Souza, João Normando, Zé Garcia, Seu Joel Ribeiro e eu. Ivaldo Garcia na sua maravilhosa voz de soprano fechava o cortejo. Bons tempos!
Em meados do ano de 1965, o jovem Paulo Matos Dantas, o nosso colega Paulinho, deu a largada para a formação do “Paulinho e seu conjunto”.
O pai dele, o Sr.Dantas, era o mentor e o pagador das contas. Com apenas 14 anos, meu colega de filarmônica Paulinho, já dizia o que queria ser na vida. Faziam parte da troupe: Silas Monteiro, Benedito de Zecão, Zé Garcia, e o sanfoneiro Narinho, nesta época morador da cidade de Utinga. Foi esta a primeira formação. Estiveram em ação por algum tempo, mas por razões que desconheço, a duração da empreita foi parecida com um cometa: Rápida, brilhante, meteórica. Acho que eram ainda muito jovens, para uma jornada que carecia de muita responsabilidade. Jamais saberemos. Os responsáveis estão agora, onde habita o desconhecido.
Com o fim do “Paulinho e seu Conjunto”, o vazio das notas musicais estava pronto para a formação de um novo grupo, agora mais experiente, com o perfil musical pelo menos com mais um ano de depuração. Surge nessa lacuna em 1967, o admirável “Os Paqueras”, que viria ser o mais famoso e querido animador dos bailes da terrinha. O dia da sua prova de fogo tinha apenas no palco o baterista Silas Monteiro, o guitarrista Valdir Valois e o sax tenor de Jomarito Bagano. Arrasaram. Estavam fadados ao sucesso, sucesso merecido, é bom que se faça este registro. O mentor e gerador de recursos para esta labuta, responsável pela criação do grupo foi o grande incentivador, o sargento civil da cidade, o professor Manoel Pedro da Silva. Sem ele certamente, o projeto dos conjuntos musicais demoraria mais tempo pra sair do papel. Em minha memória estará sempre vivo o meu querido e admirado professor Manoel Pedro.
O conjunto Os Paqueras, também passou por outras formações. O garoto Adônis Matos, meu colega Zé Aurelino, Gicelio Viena e Francisco Garcia, inclusos nas hostes temporárias do talentoso grupo, com guitarra, bateria e uma escaleta que era novidade na época. A ascendência na região foi muito rápida. Dentro da cidade a relevância foi bastante significativa. Competentes, afinados entre si, portadores de um entusiasmo contagiante, o palco do teatro Odilon Gomes se tornou pequeno e passaram a se exibir nas cidades que faziam o cinturão em torno das suas fronteiras. Contar as vezes que dancei sob os seus acordes, dá um rosário de tempo extremamente generoso. Mas, como sempre digo que tudo tem seu tempo de olhos vivos, assim que os meninos foram se tornando adultos, e buscando os seus destinos, este mundo de luzes coloridas e batimento de cordas de guitarras foi ficando bem mais distante. Com a saída de Valdir Valois e Silas Monteiro em 1970, o sonho chegou ao fim. Meus respeitos para todos eles.
No início dos anos 80, Jomarito Bagano, incansável, sonhador, determinado e apaixonado por música, cria com alguns amigos também sonhadores, o Grupo Spalla. Silas Monteiro, Ivaldo Garcia, Cleová Barreto, Tarcísio Valois e Doelmar Rocha estão com ele nesta caminhada. O irmão Marcelo Bagano e o filho Tércio Guimarães também beberam da água daquela fonte. Sem o vínculo do profissionalismo, porém, a duração destes grupos tinha por base a conveniência. Ensaios só quando aparecia um rasta pé pra animar. Pensamentos assim, não poderiam fazer as coisas durarem por muito tempo. Mas, enquanto estiveram na estrada, a poeira levantada só nos cobria de alegria. Saudades do meu amigo Jomarito Bagano.
Os conjuntos musicais, purgados das mentes juvenis, inebriadas de pureza e entusiasmo, se foram já faz bom tempo. Não queriam se tornar homens ricos.
Queriam apenas tocar ou cantar canções de amor, ser o enlevo sonoro de quem naquela hora estava a dançar com alguém que lhes envolvia de carinho e devoção. Não havia espaço para profissionalismo. Ser amador naquele tempo era bem mais envolvente.
Garotos ainda adolescentes, interioranos, não estão aptos para os voos que o profissionalismo exige. Acordar cedo, dormir tarde, ensaios constantes, responsabilidades, enfim dar um pouco da sua vida em troca dos números que recebe. No tempo da filosofia “faça amor não faça a guerra, o dinheiro não tinha o peso que tem hoje”. Apenas coisas de época. Mas valeu garotada. Vocês foram maravilhosos.
Carlos Karoá, amante de música e cinema, também tem paixão pelo universo das letras. Em 1970, deixou Morro do Chapéu com destino a Salvador, como fazia todo jovem interiorano daquela época. Hoje aposentado, retorna à nossa cidade em busca de uma vida mais tranquila. Gosta de escrever crônicas e pequenos contos, sejam eles verdadeiros ou não.