Episódios do Junhão: ‘TRAMPO LEGAL’

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Com a retomada das atividades em nosso site, continuamos a usufruir da criatividade de amigos (as) que, por meio da sua atividade literária, presenteiam nosso leitores com textos de encher os olhos e fazer a alma viajar.

 

Assim, os Episódios do Junhão serão revisitados e começamos com a presentação do livro que esta disponível pela Amazon.com.br no endereço https://www.amazon.com.br/Epis%C3%B3dios-Junh%C3%A3o-Joswilton-Jorge-Nunes/dp/B08PQP2SF2 e você confere o novo episódio:

 

TRAMPO LEGAL

JUNHÃO

Vinte e dois anos de idade. Está no quarto entretido no computador. Passa o dia inteiro na frente do monitor. Quase não sai, a não ser para fazer as refeições, mesmo assim depois de insistentes chamados da mãe. Mas ele sempre a manda aguardar mais um pouco para que lhe sirva a comida.

CEIÇA

Quarenta e dois anos de idade. Apesar de estar curiosa com a calmaria reinante no apartamento, os olhos estão arregalados e giram como se ela estivesse a devanear. Algum tempo depois ela coça a cabeça com a ponta do dedo indicador por entre os bóbis. O lenço de cetim barato atrapalha um pouco, mas ela não dá importância. Está encucada porque não sabe o que o filho faz isolado no quarto por tanto tempo. Depois fala baixo o que pensa:

– O Júnior está tramando alguma coisa de errada que eu ainda não consegui bispar. Esse menino deve estar com alguma mutreta.

Dúvidas povoam a sua mente:

– Será que ele ainda continua envolvido com a alcovitagem? Se o malandro estiver com essa vagabundagem de novo, dessa vez eu não vou perdoar. Ai dele se me fizer passar outra vergonha daquela da cafetinagem.

A seguir franze os lábios, arregala os olhos e presume:

– Pode ser que esteja… Ficar tanto tempo isolado, só pode estar armando outra “merda daquelas”. Essa criatura não toma juízo nunca. Quanto mais eu perdôo os seus erros, o fulano apronta mais. Já nem sei mais o que fazer. Pelo que estou vendo não tem oração que dê juízo a esse menino.

E conclui lamentando:

– Oh, meu Deus! O que foi que eu já fiz de maldade nesta vida pra ter que suportar um filho desse tipo?! Se for pra ele continuar desse jeito eu peço ao Senhor meu Deus que providencie o meu arrebatamento para o Reino dos Céus com urgência. Eu não aguento mais esse inditoso.

JUNHÃO

Entretido no computador não percebe que está sendo vigiado. Está focado apenas nos seus afazeres secretos.

CEIÇA

Continua com as suas desconfianças:

– Duvido que ele esteja quieto sem armar alguma treita. Mas eu vou descobrir que segredo é esse… Ah, se vou!… Ou não me chamo Ceiça!!! Jesus vai apontar pra mim, sua serva, o que esse mau elemento está fazendo para provocar a minha ruína.

JUNHÃO

Finalmente sai do quarto em silêncio carregando uma enorme caixa de papelão. Na realidade o peso é tão grande que ele está arrastando o volume pelo chão.

CEIÇA

Ao vê-lo, as suas feições mudam na hora; esbugalha os olhos e cerra as sobrancelhas demonstrando muita raiva. Estando furiosa, interpela-o:

– “Peraí”, mocinho!… Que bagulho é esse?!…

JUNHÃO

Ele para contrariado e, à contragosto, informa sobre a caixa misteriosa:

– É o material do meu trampo…

CEIÇA

Curiosa, inquire:

– E que diabo é trampo?!…

JUNHÃO

Fica enfezado com a pergunta, mas responde:

– É o material do meu trabalho…

CEIÇA

Desfaz imediatamente o semblante irritadiço e sorri. Fica alegre e indaga com euforia:

– Está trabalhando agora?!… Que ótimo!… Que novidade boa é essa?! Aconteceu um milagre, meu Deus!… Até que enfim as minhas preces foram atendidas!… Glória a Deus, Senhor!

JUNHÃO

Senta-se no sofá e deixa a caixa na sua frente. Sorri contente por tê-la agradado.

CEIÇA

Continua as perguntas com satisfação:

– Por que não me disse antes?… É um trabalho com carteira assinada?… Quanto é o salário?… Você já recebeu o seu primeiro ordenado?

Demonstrando ganância, fica ansiosa por uma resposta:

– Diga logo menino, porque estou agoniada pra saber! E prometa que vai “mim” dar uma parte da grana, porque quero ir nas lojas pra esbanjar dinheiro a torto e a direito!

JUNHÃO

Levanta-se impaciente demonstrando que não está gostando de tanta inquirição sobre a sua vida e, principalmente, acerca dos planos da mãe em esbanjar a sua grana, mas fica calado.

CEIÇA

Mostra o seu lado interesseiro e indaga:

– Vai começar a ajudar nas despesas daqui de casa?… O que você vai me dar de presente quando receber o salário?!…

JUNHÃO

Irritado com a saraivada de perguntas, enfeza a cara e responde de má vontade:

– Não tenho carteira assinada, porque o meu trabalho é na economia informal. Eu gravo CDs clandestinos e vendo para os camelôs lá da Avenida Sete. É bem baratinho cada unidade, mas eu ganho melhor por causa da quantidade das reproduções que faço.

E conclui com ares de satisfação:

– Dá pra tirar uma grana razoável. Rapidinho eu já comprei um perfume importado e um par de sapatos de grife para dar de presente a Daiane. Ela é uma das minhas namoradas que mora lá no Vale das Pedrinhas.

CEIÇA

Toma um susto enorme com o que ouve. Na mesma hora esbugalha os olhos vermelhos. Fica envolta em labaredas e fumaça. Clama a todo volume:

– Eu sabia que tinha coisa errada naquele quarto!… Economia informal uma zorra!… Esse tal de trampo é ilegal!… Isso é trambique, salafrário!…

Apesar de estar contrariada com o fato, o sentido dela está sobretudo na declaração dele em presentear uma namorada. Enciumada, fala lamentando:

– É isso que recebo de troco: muita ingratidão. Eu passo a minha vida escondendo a sua malandragem para que o seu pai não saiba de nada, mas na hora que você ganha um dinheiro extra nem se lembra de mim. Corre logo pra uma loja grã-fina e compra presentes caros para uma sirigaita qualquer…

Está ressentida com a indiferença do filho em não lhe dar mimos. Querendo disfarçar, conclui:

– Não estou alegando pra exigir que você me presenteie, mas pelo menos, se lembre de pagar a conta de luz da casa. Você usou muita energia elétrica para produzir esse trambique. Por isso é preciso que ajude o seu pai nas despesas…

JUNHÃO

Sem ter nenhum sentimento de empatia, está revoltado com a fala da mãe e rebate:

– Não fique difamando a Daiane chamando-a de sirigaita, porque ela será a minha futura esposa.

A seguir diz sorrindo em tom de pilhéria:

– Mas também poderá ser a Gorete, a Greice ou a Olímpia, sabia?

E, cheio de pose, afirma:

– Pois fique certa de que eu vou ter que me casar um dia. Poderá ser com qualquer uma delas, ou então, com outras que forem aparecendo em minha vida.

CEIÇA

Nessa hora ela sente faltar o chão sob os pés. Não admite que o seu filhinho irá deixá-la para ir morar com uma mulherzinha qualquer que não saberá como cuidar bem dele. Enfezada, resmunga para fazê-lo desistir da ideia absurda:

– Mas pra que isso ocorra é necessário que você arranje um trabalho para poder sustentar a sua família. Ou você pensa que casamento é uma brincadeira? Siga o exemplo de seu pai.

E conclui raivosa:

– Não pense em querer alojar nenhuma maloqueira aqui em casa, ouviu bem?!…

JUNHÃO

Ao ouvir a recomendação sobre trabalhar, fica irritado na hora e rebate:

– Lá vem você com esse papo chato e repetitivo falando de trabalho! A gente pra ser feliz não precisa estar empregado. Por quê tudo seu só gira em torno de dinheiro?! Isso é paranóia, sabia?!

CEIÇA

Fica exaltada e pergunta:

– Como assim?!! Quer dizer que felicidade pra você é ser um desempregado?!…

JUNHÃO

Percebendo que o seu argumento não está indo no rumo certo, reconduz a conversa dizendo:

– Você, por exemplo, nunca trabalhou, mas vive tranquila às custas do “paizão” que banca tudo! É cômodo pra você ficar querendo que eu fique escravizado igual a ele.

CEIÇA

Nessa hora ela quase explode de raiva. Diz alterada:

– Você quer desviar o foco da conversa! O que foi dito, está dito e repito: eu não quero saber das suas quengas! Agora reze muito pra que eu não conte para o seu pai todos os malfeitos que você tem feito na vida!

Sentindo que a sua ameaça está surtindo efeito, sente-se vitoriosa e completa:

– Aposto que Alcebíades irá adorar saber de toda a “sujeirada” que você tem aprontado. Inclusive desses seus noivados descabidos e da sua inaptidão para o trabalho. Vai ser o fim da sua vida de vadiagem!… – Conclui com sarcasmo.

JUNHÃO

Emudece ante a ameaça e arregala os olhos. No seu pensamento ele não consegue entender qual é o seu erro. Afinal, sempre foi criado desde criança tendo aprovação total para tudo que fazia de errado. Lembra-se de que a mãe ria de todas as suas traquinagens e gabava-se perante as amigas da sua inteligência e hiperatividade. Enfim, sabia que havia uma simbiose entre eles. E agora, o que mudou?! A mãe ficou ruim de repente? Por que será ela critica tudo o que ele faz? Será que é por causa das fofocas das amigas?

CEIÇA

Enfurecida, tenta eximir-se de culpa quanto aos desvios de conduta do filho:

– O seu pai sempre lhe deu bons exemplos de trabalho honesto. E eu lhe dei uma educação muito rígida. Onde foi que você aprendeu a viver na contravenção?! Aqui em casa é que não foi!… Eu quero saber quem é que lhe ensina essas bandalheiras!

JUNHÃO

Fica atrapalhado com a reação dela e tenta culpá-la, falando com acanhamento:

– Mas foi a senhora quem me mandou trabalhar… A sua vida é só falar disso que eu já não aguento mais. Por isso encarei o que era mais fácil para descolar uma grana.

CEIÇA

Continua expelindo fogo, quando fala. Exasperada com a acusação rebate:

– Eu te mandei arranjar um emprego decente e não praticar um crime, seu “cabeça de Bagre”!…

JUNHÃO

Tem o olhar pesaroso demonstrando um certo mal-estar por estar sendo repreendido.

CEIÇA

O semblante aparenta um enorme sofrimento. Saem lágrimas dos seus olhos decaídos. Resolve fantasiar e brada:

– Já “tou” até vendo a polícia arrombando a porta do meu apartamento a pontapés pra te prender. E o pior é que eu também vou “de bolo” acusada de ser coiteira e chefe de bando ou quadrilha.

Continua a lamúria:

– Aliás, mesmo eu dizendo na hora da prisão que sou “laranja” ninguém vai acreditar que sou inocente, porque eu também habito nesse antro de clonagem de CDs piratas…

Depois diz com certo exagero:

– E o pior de tudo é sair daqui algemada, de cabeça bem abaixada, quase de cócoras, pra não ser filmada pelas emissoras de televisão. A minha coluna não vai aguentar tamanho esforço. Vou sofrer de hérnia de disco pelo resto da minha vida.

A seguir fala completando o seu temor:

– Mas esse esforço todo não vai adiantar de nada porque na delegacia os policiais vão botar a gente com a cara limpa na frente daquela parede cheia de emblemas com distintivos da repartição para que as redes de televisão filmem a gente. A minha família e a vizinhança não vão me perdoar por causa do tamanho do escândalo. Que vergonha, meu Deus!… Eu prefiro morrer, a ter um desgosto desse!…

E continua chorosa bradando com exagero:

– Vou virar notícia internacional como a mãe que perverteu o filho, mas Jesus sabe que eu sou inocente. Seu pai vai tomar um susto enorme ao saber do acontecido que é capaz de morrer com um infarto fulminante ou então vai se separar de mim.

A seguir prediz um futuro temeroso:

– Tenho certeza absoluta de que Alcebíades ao ver uma “miséra” dessa na televisão vai “mim” largar, porque ele não admite nada de errado. E eu não quero ser uma mulher separada para viver à toa feito uma peteca pulando de mão em mão dos moleques.

E exalta com firmeza:

– Pra mim só existe um homem na minha vida: o Alcebíades!

Depois conclui amargurada:

– O que eu fiz para merecer isso?!… Oh, meu Deus!… A morte pra mim vai ser um alívio. – Depois chora copiosamente.

JUNHÃO

Abaixa a cabeça e coça a barba temeroso com a previsão de que ele poderá ser preso. No seu egoísmo, preocupa-se apenas com ele próprio.

CEIÇA

Mais calma, continua a falar:

– Eu vou ter que orar muito mais para Jesus “mim” ajudar a tirar esses malefícios da mente desse menino. Quando a religião entrar na sua alma você vai renascer, seu leviano!

JUNHÃO

Fica impaciente. Embora esteja calado ele começa a ficar nervoso com a lengalenga da mãe.

CEIÇA

Finda a conversa ordenando:

– Você não vai vender essa fraude pra ninguém, seu peste!… – E conclui lamuriosa – Oh, meu Deus, onde foi que eu errei?!…

JUNHÃO

Agastado, volta para o quarto arrastando a caixa de papelão pela tampa. Senta-se na cama e contrai os lábios. Frustrado por não ter tido o apoio da mãe para o seu empreendimento, balança a cabeça negativamente demonstrando contrariedade. Depois grita sacudindo o braço direito com o punho cerrado:

– Que merrrdaaa!!!… Essa coroa é do mal! Ela é uma estraga prazer! Logo agora que o meu negócio estava engrenando ele vem me azarar com esse papo chato.

E continua o assunto falando enfezado:

– Não tem filho que mereça ter uma mãe ruim igual a essa! Ela só serve pra me dar prejuízo. Vive me mandando trabalhar, mas quando eu arranjo um trampo ela faz essa baixaria. Por mais que eu tente, não consigo entender as atitudes dessa sujeita tresloucada.

Ainda com raiva, lamenta:

– Fiquei no maior prejuízo financeiro e moral. Estou com “cara no chão” perante as pessoas que confiaram em mim. Os coligados, meus clientes, não vão mais querer comprar nada na minha mão, porque eu não garanto a entrega. Estou no problema por causa dessa bruxa velha. Mas ela ainda há de me pagar caro!

E encerra o assunto enraivado, rogando praga na mãe:

– Ainda hei de ver essa peste velha estatelada no asfalto debaixo dos pneus de um caminhão. Pensando bem, de uma carreta bitrem carregada é melhor. Só assim ela vai me deixar em paz pelo resto da minha vida.

A seguir se deita na cama para articular sobre o que fazer com o material que a mãe refugou. Mas logo se entusiasma e diz:

– Vou ter que fazer o papel de “mula” levando a mercadoria aos poucos. Coloco o que puder na mochila e levo para entregar. A besta velha nem vai notar a minha estratagema.

E completa sorrindo:

– Por causa da minha esperteza sou conhecido no meio da malandragem como o Junhão “mala”. Pra você, Ceiça, um “tichau”! Acorda coroa, que o seu Juninho não é nada besta, sua tonta!

CEIÇA

Depois do entrevero está contente porque o filho demonstrou que é obediente e não insistiu em ir entregar a mercadoria. Com a fisionomia angelical, comenta:

– Eu tenho certeza de que as coisas erradas que o Juninho pratica é devido as más influências das amizades. Ele é um menino adorável e muito carinhoso. É uma criatura tão pura que é incapaz de desejar o mal a alguém. Por isso eu adoro o meu filhinho…

Autor: Joswilton Lima

Resumo da biografia do autor:

 

Joswilton Lima é natural de Ilhéus-Ba, mas é domiciliado há mais de vinte anos em Morro do Chapéu. Tem formação em Ciências Econômicas, mas sempre foi voltado para as artes desde a infância quando começou a pintar as primeiras telas e a fazer os seus primeiros escritos. Como artista plástico participou de salões onde foi premiado com medalhas de ouro e também de inúmeras exposições coletivas nos estados da Bahia, Sergipe e Pernambuco. Possui obras que fazem parte do acervo de colecionadores particulares e entidades tanto no Brasil, quanto em países do exterior, a exemplo dos E.U.A, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha.

Em determinada época, lecionou pintura em seu atelier no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e foi membro de comissões julgadoras em concursos de pintura. Nesse período exerceu a função de Diretor na Associação dos Artistas Populares do Centro Histórico do Pelourinho (primitivistas e naif’s), em Salvador.

Como escritor também foi premiado em diversos concursos de contos tendo lançado um e-book com o título “Enigmas da Escuridão”, com abordagem espiritualista, tendo obtido a nota máxima de 5 estrelas de leitores do site www.amazon.com.br Outros contos e romances também estão sendo escritos.

Concomitante às atividades artísticas, sempre exerceu funções laboriosas em diversos setores produtivos e, por último, se aposentou na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, onde trabalhou por muitos anos na Fiscalização.

Agora tem o prazer de apresentar aos leitores do site www.leoricardonoticias.com.br o seriado de crônicas intituladas Episódios do Junhão, com as quais espera que tenham uma leitura agradável e de reflexão.

 

 

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